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quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Topônimos

Pipocou uma discussão numa das listas de tradutores sobre Bombaim e Mumbai. Essas discussões sempre aparecem e nunca terminam. Fazem parte da igualmente infindável busca do que é o certo, o indiscutível, o indiscutivelmente certo. Parece algo contraditório procurar o indiscutível em uma lista de discussão e, muitas vezes, o consulente que recorre a uma lista com uma dúvida dessas sai ainda mais confuso do que entrou e ainda meio queimado com uma que outra demonstração de intolerância.

Mas tudo isso à parte, uma boa parte dessas dúvidas sobre topônimos não tem mesmo solução. A capital do Peru é Lima e espero que continue sendo por muitos anos. Pelo menos o nome só tem uma grafia, que é fácil de lembrar e pronunciar, além de ser fácil de digitar, ao contrário de Poughkeepsie, que pode ser um excelente lugar, mas o nome é um terror. Entretanto, há casos insolúveis como o de New York / Nova York / Nova Iorque, cada variante com seus ferrenhos defensores e adversários. O pior é que todos têm lá sua razão e contam com fortíssimos argumentos. O mais forte deles é aquele do maranhense que dizia não lhe importar se a cidade americana era New York ou Nova York, mas que Nova Iorque fica no Maranhão e quem lá nasce é nova-iorquense.


Quanto a Bombaim / Mumbai, os indianos argumentam que o inglês Bombay simplesmente está errado — como se eles tivessem o direito de dizer alguma coisa desse tipo. A constituição lá deles diz que a língua oficial do país é o inglês, só que daí até poder legislar sobre o idioma vai lá uma diferença. Mas, agora, quando escrevem inglês, deram de chamar a cidade de Mumbai, o que não deixa de ser direito deles. E é direito de cada um achar que isso é uma grande maravilha ou uma grande bobagem.


O problema, cá para nós, é como vamos chamar a cidade em português destes Brasis. Há quem diga que há de continuar a ser Bombaim, porque assim sempre foi. Mas o Japão já foi Cipangu e o Ceilão já foi a Taprobana e agora está virando o Sri Lanka. Essas coisas podem mudar.


Muito disso tem conotações ideológicas: referir-se àquele arquipélago perdido no Atlântico Sul como "Malvinas" ou "Falklands" reflete toda uma visão política, da mesma forma que falar em "República Democrática Alemã" ou "Alemanha Oriental" também refletiu. Nesses casos, a minha praxe é respeitar a escolha do autor. Se o original diz que "during the Malvinas war", eu digo que foi durante a guerra das Malvinas. Se original diz que "during the Falklands war", eu digo foi durante a guerra das Falklands. Para mim, essas distinções sutis fazem parte integrante do estilo e conteúdo do texto.


Quando se escreve em inglês, o usar Bombay ou Mumbai também reflete uma posição ideológica, com a qual não é meu direito intervir. Se o autor diz "Bombay", eu digo "Bombaim"; se o autor diz "Mumbai", eu digo "Mumbai" e acabou a história.


Escrito por Danilo Nogueira, com revisão, palpitação geral e puxões de orelhas a cargo de Kelli Semolini.

Um comentário:

Anônimo disse...

Prezado Danilo:

Motivado pela sua manifestação a respeito das formas Bombaim e Mumbai, assunto que me intrigou durante a semana. Em virtude dos atentados ocorridos, houve a utilização na imprensa local (leia-se Folha de S. Paulo, minha fonte de informação mais frequente – faço já um grande esforço para incorporar as regras vigentes a partir de janeiro, da Reforma Ortográfica. Então, adeus tremas) da forma Mumbai, gostaria de tecer uns comentários a esse respeito.

Sou tradutor de espanhol e vivo em Curitiba. Aprecio muitíssimo uma polêmica, razão pela qual participo de várias listas de discussão, as quais, como V., com muita propriedade, define, trazem mais confusão que explicação. Mas a discussão também é útil para isso, o intercâmbio de pontos de vista é uma atividade saudabilíssima. O ruim é quando se escreve algo e não ocorre nenhuma reação, é como se aquelas idéias não houvessem surtido efeito algum, como se fosse unanimidade a sua manifestação, isso sim é triste.

É a primeira vez que entro em seu blogue, acrescento.

Bem, como dizia, leio a Folha, acompanhei mais ou menos a cobertura dos atentados ocorridos na Índia. Como achei estranha a utilização da forma Mumbai, fui procurar no Manual da Redação daquela publicação, para ver como aparece escrito esse topônimo, já que ali aparecem os nomes dos países, com seus respectivos dados, cidades principais etc. Então, verificando que de tal Manual consta Bombaim, entrei em contacto com o ombudsman daquele periódico para relatar esse fato. Aliás, passei-lhe até informações sumárias sobre a etimologia de ambas formas, alegando que existia em português uma forma muito mais conhecida (Bombaim), palavra considerada como corruptela da expressão portuguesa ‘boa baía’, alcunhada pelos próprios portugueses, quando ali estiveram. Ou seja, os portugueses chegaram antes dos ingleses, eles deram àquele lugar um nome na língua de Camões. Ademais, alegava eu, a utilização duma forma distinta da consagrada causa estranhamento, até mesmo porque confunde a cabeça dos leitores, os quais se perguntam se são duas cidades distintas.

Enfim, o nome verdadeiro da cidade é Maharashtra, as outras formas de chamá-la são ocidentais, mas isso não vem ao caso. Aliás, vem sim, isso é muito pertinente, se entrarmos na discussão dos topônimos, título da sua crônica. Na verdade, há estudos muito interessantes, vários deles disponíveis na rede mundial, que classificam esses topônimos estrangeiros, a sua utilização, preferência duma forma, malgrado a existência doutra mais consagrada, que cai em desprestígio (sabe-se lá por qual razão), que se referem a eles como exônimos. Eu mesmo tenho várias manifestações levadas a listas de discussão sobre esse assunto, que considero instigante.

Em resumo, o ombudsman da Folha escreveu-me dizendo que eu estava equivocado, que do Manual consta, sim, a forma Mumbai, numa edição publicada posteriormente àquela que eu consultei. Bem, o ombudsman disse que o Manual ‘recomenda’ a forma Mumbai, e que ‘a cidade mudou oficialmente de nome para adotar a forma local (em hindi - na verdade "Bombay" que é uma corruptela em inglês, língua do colonizador)’ (sic).

Assim, arquivo a minha discussão com a Folha, não sem antes manifestar-lhes o meu protesto pelo fato de que o Manual da Redação não se encontre à disposição dos leitores na página web da Folha, o que é um desrespeito.

Cordialmente,

Isac NUnes
puigllum@gmail.com