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sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Diálogo telefônico

Quando estava revisando este diálogo, a Kelli me perguntou se a história é verdadeira. Sim, é verdadeira e ocorreu comigo, há muitos anos. Tinha até esquecido, mas voltou à minha mente em razão de uma conversa entre alguns colegas. Reconstitui de cabeça e a reconstituição é falha em questões de pormenores, mas, de modo geral, a história é cem por cento verdadeira.

— Danilo, quero que você reserve um horário para mim, amanhã, a tarde toda. Tenho um serviço urgentíssimo.
— Por que você não manda já, então?
— Porque náo está pronto.
— Quando vai ficar pronto?
— Deve ficar pronto hoje de tarde.
— Deve? E se não ficar?
— Vai ficar!
— E se não ficar?
— Bom, então chega um pouco mais tarde.
— E eu fico aguardando?
— Sim. Assim, você começa na horinha que chegar.
— Ótimo. Ou seja, talvez o serviço enrole aí e chegue na minha mão só no fim da tarde?
— Não acredito que isso venha a acontecer. Estamos dando o sangue para terminar ao meio dia.
— Justamente isso é que me preocupa: vocês estão no limite. Mas tudo bem, paro de aceitar serviço de outros clientes e a partir de 13 horas de amanhã, fico à sua inteira disposição.
— Ótimo, obrigado!
— Minha taxa horária é R$ X.
— Não entendi! Você não cobra por palavra?
— Pela tradução, vou cobrar a taxa normal por palavra, que você já conhece de sobra. Pelas horas que ficar aguardando a chegada do serviço, vou cobrar uma taxa por hora.
— Não posso pagar para você não fazer nada!
— Mas, veja, se é para ficar disponível para você, não vou poder atender outro cliente!
— Claro que pode! É só parar quando eu mandar o serviço.
— E o prazo para o outro cliente, como fica?
— Sem problema, é só dar um prazo maior para ele. Ele vai entender, você é o profissional mais conceituado do mercado na sua área e o cliente vai esperar pela sua qualidade.
— Então, por que não espera você? Quer dizer, por que você não dá um prazo maior para o SEU cliente e me deixa trabalhar em paz?
— Por que não posso.
— E o que te faz pensar que meu outro cliente não esteja na mesma situação?
— Você quer complicar.
— Não, não quero. Você, que é advogado, e que está fingindo que não sabe o que é um contrato leonino. Mas, vamos lá, deixa eu te explicar, só para você saber que eu sei: a cada prestação deve corresponder uma contraprestação adequada, isso é fundamental no direito. Caso contrário, temos um contrato leonino. Qual é a contraprestação que você me oferece, então, pelas horas que eu vier a ficar parado, à sua disposição?
— O preço da tradução, claro!
— Não, essa é a contraprestação pelo tempo que eu ficar trabalhando. Eu quero saber a contraprestação pelo tempo que eu tiver de ficar parado, à sua disposição, sem aceitar outro serviço. Sabe, igual a táxi: tem o preço da hora parada, para compensar o motorista por não ter podido pegar outra corrida.
— Você é inflexível.
— Quem está sendo inflexível aqui é uma questão de ponto de vista. Por exemplo, eu acho que inflexível é você. Você enfiou na cachola que eu tenho que recusar serviço por sua causa e que eu tenho que fazer isso de graça. Até parece que é você é quem paga as minhas contas.
— Não vou ficar pagando para você ler jornal.
— Tudo bem, fico lendo a Bíblia, se isso te deixa mais feliz. Mas esperar de graça, não espero.
— Então está bom, vou ter que procurar outro. Tem muita gente boa querendo trabalhar.
— A decisão é sua, os riscos também. Como você disse, eu sou o profissional mais conceituado do mercado na minha área.

No dia seguinte, chegou o serviço, no fim da tarde. Podia ter interrompido o que estava fazendo e traduzido na hora, para entregar no dia seguinte, de manhã cedo. Mas só comecei no dia seguinte, depois do almoço. De vez em quando, sou muito vingativo. Antes de concluir, um conselho: quando o cliente começa a elogiar (profissional mais conceituado do mercado na sua área), pé atrás: ele vai querer cobrar um preço muito caro pelo elogio.

Escrito por Danilo Nogueira, com revisão e palpitação geral de Kelli Semolini.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Aniversário do blogue

Até tinha esquecido! Sempre me esqueço. O primeiro artigo deste blogue foi postado em 5 de novembro de 2006. Quando criei o blogue, registrei no Google Analytics, que me afoga em informações sobre tráfego, sem me contar quem veio de visita. Quer dizer, informa quantos visitantes vieram, quanto tempo ficaram aqui, mas não informa nem o endereço nem o nome da visita. Gosto disso, porque preserva a privacidade do leitor. Posteriormente, instalei também o Sitemeter, que mostra aquele número em negrito lá em baixo e me presta informações semelhantes.

No princípio, eram uns 15–20 visitantes por dia, hoje, em média, são trezentos. Muitos chegam por engano: quando o visitante vem de uma pesquisa na Internet, o Sitemeter me diz qual a pesquisa feita e muitas delas têm pouco que ver com o assunto do blogue. Na verdade, cerca de 75% dos visitantes vão embora em menos de 1 minuto, o que indica que ou entraram por engano, ou não viram nada de novo e foram embora. Essa porcentagem dos que "batem e voltam" torna ainda mais expressivo o tempo de permanência: cada visitante fica em torno de 8 minutos no blogue, mas, se pensarmos que só 25% tem interesse o suficiente para ficar mais de um minuto, isso quer dizer que, quem fica, passa uma boa meia hora por aqui. E esses 25% significam umas 75 pessoas por dia.

Isso tudo, vamos falar a verdade, me deixa muito envaidecido e incentiva a fazer mais. Entre hoje e amanhã, deve ser liberado o primeiro livro eletrônico publicado sob a marca Texto&Contexto, com apoio do Aulavox. Mais um teste que qualquer outra coisa, para que a Kelli e eu possamos nos familiarizar com o recurso e suas peculiaridades e produzir coisas melhores.

Falando na Kelli, ela está de volta de sua licença terpsicórica (Terpsícore era a musa da dança, na Grécia Antiga — ajuda da Kelli, que acordou boazinha hoje) e vai reler este texto e, tenho certeza, palpitar. A colaboração dela está sendo essencial nesta fase em que o blogue e os cursos Aulavox estão sendo dinamizados.

Vamos ver se ainda hoje temos mais novidades para vocês.

(Escrito por Danilo Nogueira, com revisão e palpitação geral de Kelli Semolini)

domingo, 23 de novembro de 2008

Name is Bold, Bianca Bold

O nome dela é Bianca Bold mesmo, a brincadeira é da nossa colega Aurea Akemi Arata e caiu como uma luva.

Conheci a Bianca faz menos de três anos, durante uma conversa em uma comunidade do Orkut. Naquela época, estava terminando o curso de letras e, por motivos particulares, tinha um pé em Recife, outro em Salvador. Um pouco chateada, porque queria ser tradutora e acreditava que, para ganhar a vida traduzindo, era necessário viver em São Paulo ou no Rio, mudança que, na época, seria muito complicada para ela.

Os mais veteranos, como é costume ali na comunidade, deram à Bianca a orientação que podiam. Me lembro de ter dito que não importava onde fosse a casa dela, seu endereço profissional era a Internet. Outros recomendaram fazer cursos, participar de eventos para tradutores, manter-se visível e mais mil coisas.


Dá a impressão de que a Bianca anotou tudo e leu, releu, analisou, estudou, decorou - e fez tudo direitinho.


Primeiro, que se tornou ativa na comunidade, dando opiniões, fazendo perguntas, comentários e, principalmente, amigos. Perguntava só depois de esgotar seus recursos de pesquisa, ajudava sempre que podia. Não perdia a oportunidade de estudar e aprender - nem muito menos de ajudar. Orgulhosa - mas não arrogante - jamais pedinchava serviço nem apadrinhamentos. Serviço e padrinhos não se pedem: conquistam-se. Assim, foi construindo sua reputação, os mais velhos, que sempre são uma boa fonte de indicações, dizendo "essa moça é boa, vai longe". E longe ela está indo, mais longe há de ir.


Conheci a Bianca pessoalmente em um jantar, em SP, durante um congresso. Inteligente, comunicativa, falou com todos e a todos encantou. Deu opiniões sérias e até contundentes sobre o congresso. Quer dizer, bajulação não é com ela.


Periodicamente, na Comunidade do Orkut, contava que tinha conseguido um serviço e começou a trabalhar com audiovisuais, sonho de muitos, realização de poucos.


Teve um problema pessoal, daqueles que fariam muitas sentar na beira da calçada e chorar, mas a Bianca transformou o problema em energia. Enfiou na cabeça que ia para o Canadá. Foi. Chegou lá, se registrou em tudo quanto foi lugar onde era possível uma tradutora se registrar e começou a receber convites para servir de intérprete. Faz testes, presta exames, está em todas. Ganhou clientes novos, sem perder os que tinha no Brasil.


Ontem, almoçamos juntos, num grupo de umas vinte pessoas. A Bianca, toda satisfeita, contava que tinha saído de uma consecutiva braba, que tinha exigido muita pesquisa e preparação, porque era sobre um assunto que ela conhecia pouco. Estudou, pesquisou, trabalhou, fez a parte que lhe competia. O cliente ficou satisfeito e até deu a ela um prêmio especial. O mais curioso é que a interpretação era entre Italiano e Inglês.


Uma carreirinha dessas, de meros três anos, e a moça já foi mais longe do que muitos vão em dez ou vinte. A Bianca é um exemplo para todos nós e tem a minha admiração.


Se você mora fora do "eixo São Paulo-Rio" e acha que, por isso, não tem futuro na tradução, pense na história da Bianca. E não se esqueça de que ela já tinha uma clientela feita antes de ir para o Canadá. Mas também tenha em mente que ela não conseguiria nada do que conseguiu se não fosse competente.


A Kelli continua em licença terpsicórica até segunda-feira.

sábado, 22 de novembro de 2008

Trados TWB e Wordfast Classic em arquivos complicados

A graça de trabalhar com o Trados TWB (normal e erroneamente chamado "Trados") ou com o Wordfast Classic (todas as versões do programa até a 5, inclusive) é que a gente trabalha dentro do MSWord, por assim dizer. É um conforto, especialmente para quem tem algum receio de computador.


Quando o arquivo a traduzir já está em formato MSWord e não tem formatação muito complicada, de fato é uma maravilha, mas quando o arquivo está em outros formatos ou é dos complicados, cheios de cinco mil tabelas com tamanhos de célula fixos, que impedem a leitura do que se escreveu na célula de tradução, a tarefa pode se tornar impossível. Essa é uma das razões por que a Trados vai tirar o TWB do campo e o Wordfast 6 está saindo com uma nova interface.


Existem duas saídas para esse problema. A primeira funciona na maioria das vezes, a segunda funciona quase sempre.


Para começar, traduza uma cópia do arquivo usando o Trados TWB ou o WF5 normalmente. Quando chegar a uma tabela daquelas endiabradas, simplesmente use o comando do MSWord Tabela > Converter > Tabela em texto e traduza. A formatação vai ficar um horror, mas não se preocupe. Ao terminar, revise e deixe o texto tinindo de bom.


Crie uma nova memória. Limpe o texto contra essa nova memória. Assim, você fica com uma memória que só tem o material para aquele arquivo.


Faça mais uma cópia do original. Se você usar o pre-translate do Trados TWB ou o Auto translate do WF, ou se, simplesmente for apertando as teclas de tradução normais (Alt Setabaixo para o WF, Alt + para o TWB Workbench), a tradução na maioria das vezes sai perfeita.


Quando é que não sai? Algumas tabelas são tão complicadas e, muitas vezes, tão mal feitas, que, na hora do processamento, o Word engasga. Às vezes, com um pouco de prática a gente consegue desengasgar o programa, mas há momentos em que nada funciona. Então é passar para o plano B, que é usar o Trados TagEditor, ou o Wordfast 6, que encaram o que houver, sem maiores problemas. Então porque eu disse quase sempre? Porque se o arquivo MSWord estiver bichado, até o WF6 ou o TE podem travar. Nesse caso, é preciso ver onde ocorre a trava e reformatar. Mas isso é raríssimo, uma vez em um milhão.


Antes que me esqueça, esta nota não foi revista pela Kelli, que está em licença terpsicórica até segunda-feira.


O blogue ainda está na muda, mas vai acontecer muita coisa interessante, da semana que vem em diante. Espero que você goste.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Mudanças e mais mudanças

Continuam por aqui, e acabam implicando em uma ou outra alteração de rumo. Por isso, a série sobre Controle de Qualidade na Tradução está suspensa, para ser publicada, brevemente, e com o apoio do Aulavox, como livro eletrônico a ser distribuído gratuitamente a quem tiver interesse, logo que resolvermos alguns pequenos problemas técnicos.

Obrigado pela visita. Esperamos que volte mais vezes para conferir as próximas novidades.

Trinta e cinco livros traduzidos e jogados no lixo!

Programas de memória de tradução servem para tradução literária? Embora muita gente traduza livros, em geral, e literatura, em particular, com memória de tradução (e, pasmem!, se saem bem), há ainda muitos que relutam em usar esses programas, por achar que para eles, para o serviço que fazem, de nada servem .

O medo não se restringe ao pessoal que traduz livros, entretanto.

Tenho uma amiga, boa amiga, excelente amiga, mulher extremamente inteligente que, durante dois anos e meio, me explicou, ao menos uma vez por semana, porque esses programas não serviam para ela. Explicava com todos os pormenores e muita verve, porque inteligência não lhe falta. Demonstrava, por "a" mais "b", que o investimento não compensava. Eu sempre alegando que ela falava do que não sabia. Um dia, para me dar prova cabal da minha estultice, instalou WordFast (em demo, que é grátis) e começou a trabalhar, convicta de que se estivesse fazendo as coisas lá do jeito dela, à unha, no MSWord, tudo sairia melhor e mais rápido.

Hoje, anos depois, rimos da situação, porque hoje ela virou wordfasteira emérita.

Na verdade, a tradução literária exige menos dos programas de memória de tradução do que a técnica, porque tradutores técnicos muitas vezes lidam com problemas graves de diagramação, a que os tradutores de livros (não só os literários) estão normalmente imunes. Então, os tradutores de livros podem, em geral, se sair 100% bem sem nem saber o que é a praga do Trados TagEditor, uma maldição de satanás que aflige a muita gente que faz tradução técnica.

Um fato geralmente ignorado por quem NÃO usa memórias de tradução é que elas não obrigam o tradutor a nada. Ou calam, ou fazem sugestões baseadas no que o tradutor já agregou à memória. Neste caso, marcam as sugestões como tal e NÃO continuam a tarefa automaticamente, sem que o tradutor emende, revise e aprove a proposta. Quer dizer, a memória de tradução JAMAIS prejudica o trabalho, embora, em certas circunstâncias, possa não ajudar muito.

Outro fato pouco conhecido é que memórias de tradução trabalham com períodos, não com palavras, embora usem, também, glossários. Isto significa que o fato de que uma palavra estrangeira possa ter 12 possíveis traduções em português não prejudica em nada, porque o programa sempre trabalha com os contextos. Então, se você traduziu "the book is brown", como "o livro é marrom", ao aparecer "we will book into the hotel before lunch", o programa NÃO vai oferecer "livro" como tradução, porque o contexto é diferente. Mas vai sugerir "livro" se a frase for "the book is red", porque o contexto é semelhante.

(Observação da Kelli, compartilhada por outras pessoas: a primeira vez em que um período aparece já traduzido, quando vemos que a necessidade de modificar a tradução sugerida é pouca ou nenhuma, é emocionante e inesquecível. Só isso já compensa o valor pago pelo programa. — Comentário do Danilo à observação da Kelli: melhor ainda quado você fica com aquela lembrança de que um dia já traduziu uma certa expressãozinha de um jeito maneiro, mas não se lembra, consulta a sua memória de tradução e ela sai inteirinha de lá.)

Agora, posso dar um exemplo bem literário?

Imagine um tradutor de literatura, que traduza, digamos, duas mil palavras por dia, 22 dias por mês, onze meses por ano, o que não chega a ser um exagero. No fim de um ano de trabalho, terá traduzido 528.000 palavras, certo? Imagine que esse tradutor tenha usado memória de tradução. No fim de um ano, terá um corpus paralelo, nas duas línguas que traduz, de mais de um milhão de palavras (528.000 × 2 = 1.056.000), que pode consultar à vontade e que, evidentemente, vai aumentando dia a dia, à medida que o tradutor trabalha. Agora, pergunto eu, quem acha um corpus desse inútil? É certo que se você processar um novo livro contra a sua memória, vai aparecer muito pouco: dificilmente vão aparecer períodos iguais ou semelhantes. Mas a possibilidade de consulta a traduções antigas, a soluções dadas em momentos anteriores, é preciosa.

Uma vez, dei um curso de WF para um professor de tradução que também traduzia literatura para algumas editoras. Depois de uma hora, ele exclamou "35 livros traduzidos e jogados no lixo", porque se deu conta do valor desse corpus.

Para terminar esta lengalenga entusiasmada, cabe lembrar que os programas de memória de tradução também sofrem muito pela confusão com os de tradução automática, que são coisa bem diferente, e com a impressão de que a única coisa que fazem é criar e processar memórias de tradução. No princípio, de fato era. Mas, agora, todos eles fazem muito mais que isso.

Ah, sim, se você receber o livro em papel, vai ter que digitalizar – e tem muita gente que acha que o trabalho compensa. Mas, aos poucos, muito aos poucos, as editoras estão começando a mandar os textos em MSWord. No devido tempo, vão mandar os arquivos de Quark, InDesign e PageMaker. Aí, quero ver.

Um conselho final: eu, particularmente, acho Wordfast a melhor porta de entrada no mundo dessas ferramentas, mas tem gente que detesta. Por exemplo, temos um colega, tradutor literário de primeiríssima linha, que acha WF péssimo, mas adora MemoQ (um excelente programa de que eu também gosto muito). Outros se ajeitam melhor com DVX ou até Trados, de que não gosto. Cabe a cada um de nós fazer uma pesquisa, testar um programa e depois o outro, antes de escolher. Mas não vá dizendo assim, logo de cara, que não serve para nada. Era isso o que diziam os cocheiros quando viram o caro sem cavalos.

Esta nota se baseia em uma resposta do Danilo a uma pergunta postada em uma lista de discussão. Passou, depois, pelo crivo de Kelli Semolini.

domingo, 9 de novembro de 2008

Edição Extra: O tradutor e a associação cultural

O Serviço Noticioso do Blogue Tradutor Profissional informa, em edição extraordinária, com redação sob a responsabilidade de Danilo Nogueira e serviços revisão e consultoria estilística de Kelli Semolini.


Em decorrência de certas dúvidas surgidas durante a Reunião na Sala 7 de 10 de novembro, esclarecemos a situação dos tradutores profissionais perante as Associações Culturais. Imprima este texto e pergunte a um advogado ou contador o que ele acha. A Kelli e o Danilo não são advogados nem contadores e não prestam serviços contábeis nem jurídicos. Mas achamos que a pergunta deve ser feita e já fizemos mais de uma vez e a mais de um profissional. Faça você também.


O Código Civil diz:


CAPÍTULO II— DAS ASSOCIAÇÕES: Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.


Quer dizer, uma associação não pode ter fins econômicos. Levar uns trocados para o bolso de um tradutor, em troca de umas quantas laudas ou filmes traduzidos, é um fim econômico, por pouco que o dinheiro seja. Logo, uma associação não pode ter por objetivo levar uns trocados para o bolso de uma tradutor a, por mais cultural que seja a tradução que ela faça. Somente as sociedades podem ter fins econômicos.


Uma associação pode ter fins beneficentes ou culturais, entre outros. Associações podem ter superávits — mas não lucros — e os sócios não podem receber dinheiro, salvo se e quando a associação for dissolvida. Se a hipotética Associação Cultural dos Estudantes e Professores de Inglês de Pernambuco (ACEPIPE) promover um baile, os fundos apurados devem ser aplicados nas atividades da Associação e não podem ser distribuídos aos associados, mesmo que estes tenham trabalhado como músicos e garçons.

  • Se um grupo de associados formar uma banda e cobrar cachê para se apresentar na festa da ACEPIPE, tem de cobrar via RPA ou Nota Fiscal.
  • Se a banda fizer sucesso e for convidada para animar uma festa promovida por outra entidade, e quiser receber por seus serviços, tem que cobrar seu cachê contra seu próprio RPA ou NF, não com NF da associação.
  • Se a atuação da banda for cobrada com NF da associação, o valor do cachê tem de ficar para a associação, não para os membros da banda.

É sabido que muitos clientes de tradução (agências, pessoal da legendagem) estão "orientando" seus tradutores para ingressar nessas associações, sob a alegação de que desempenham atividades culturais. Sim, desempenham, mas não é esse o ponto: o ponto é que se trata de associações, e que associações não podem ter fins econômicos.


A história é simples: como as despesas caem, parece que o tradutor ganha mais e a dor da baixa paga dói menos. O fato é, entretanto, que quando a Receita Federal cair em cima, vai dar uma encrenca enorme e quem vai pagar são os tradutores, não os tomadores de serviço. O tomador "orienta", explica tudo para você direitinho, mas não conta dos riscos que vocês estão correndo; não conta porque o risco é de vocês: ele não corre risco algum. Claro que é possível que a Receita não descubra nada nunca, mas será que vale o risco? Conhecemos mais de um tradutor que amarga prestações salgadas todo mês por causa de maus conselhos dados por seus contadores “de confiança”. Se alguém que você paga para cuidar dos seus negócios faz isso, imagine quem não recebe um tostão furado por isso...


Agora, vá lá, mostre este texto a um contador ou advogado de sua confiança. Não vá mostrar ao contador da Associação nem do cara que "orientou" você. Podem ser uns caras muito bonzinhos, mas eles trabalham para o cliente, não para você.