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sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Umberto Eco

Se você encontrar por aí a revista Entre Livros (Ano 2, número 22) que tem o García Marques na capa, não deixe de comprar: a última página tem um artigo ótimo do Umberto Eco sobre tradução. Aliás, ainda do Eco, estou começando a ler o "Quase a mesma coisa", tradução de Eliana Aguiar, revisão técnida de Raffaela Quental e não vejo a hora de poder fechar a lojinha aqui para voltar a ele.


Ai, meu português!

Ela se orgulha de seus vastos conhecimentos de inglês e freqüentemente verbera os que escrevem ou falam inglês capenga, os que aprenderam todo seu inglês durante uma viagem a Orlando, no que, aliás, não lhe falta razão. Mas, a uma consulta de um possível cliente deu uma resposta de uma dúzia de palavras, com uma boa meia dúzia de erros de português. Todos cometem erros e não são poucas vezes que alguém me escreve apontando erros nestas notas. Mas seis erros em doze palavras é um absurdo, para quem se apresenta como profissional da palavra.

É normal. A turma investe tanto tempo aprendendo uma língua estrangeira, que esquece de estudar português. Pior, acaba idolatrando a língua estrangeira e achando que o português lhe é inferior. Discordo: não há línguas superiores e inferiores. O que há é gente que não consegue perceber os recursos de uma da da língua. Não se trata de ser politicamente correto: trata-se de conhecer duzentos réis de lingüística, que deveria ser obrigação fundamental para nós.

E o desconhecimento da própria língua é uma falha grave, para qualquer tradutor. Se você não conhece a fundo os recursos de uma língua, não pode traduzir para ela. Não é necessário merecer Prêmio Nobel de literatura para ser tradutor, mas certamente é necessário dominar os recursos de estilo e a gramática da língua de chegada, bem como praxes de pontuação, uso de maiúsculas e semelhantes.

Outro dia foi um rapaz que exibiu, com grande orgulho, um texto totalmente escrito em maiúsculas e sem pontuação. Pediu opiniões. Eu disse que a pontuação era ruim e que as maiúsculas não estavam bem. Mandou-me um recado irritado, mais de um até, dizendo que não tinha pedido minha opinião sobre pontuação ou maiúsculas, mas sim sobre tradução. Acabou sumindo, talvez indignado com a incompreensão geral deste mundo. Achava-se, talvez, um artista. Muitos tradutores se acham artistas e acham que trocar uma vírgula do trabalho deles é como retocar a Mona Lisa e esperam somente críticas positivas algo que, para eles, significa elogios ilimitados. Por isso, tremo quando alguém me pede uma opinião sincera sobre meu trabalho. Mas, já vou adiantando: se a sintaxe chora com as sevícias, a pontuação faz enrubescer o Saramago e maiúsculas, hífen, aspas, travessão, são usadas aleatoriamente ou à moda inglesa, ou alguém me prova que houve um excelente motivo para tanta heterodoxia, ou é melhor nem perguntar o que eu acho.

Agora, clique aqui para ver os cursos Aulavox para tradutores, sempre a distância. Não estou mais postando todo dia, mas o blog está bem vivo e procuro melhorar a qualidade das informações. Volte sempre, discuta, faça perguntas e vamos, juntos, pensar a tradução como profissão.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Regulamentação da profissão de tradutor

Sempre fui contra a regulamentação de profissão de tradutor. A mim, não vai afetar em nada, porque estou na beira da aposentadoria, de um modo ou de outro. Quer dizer, não se pode dizer que esteja falando em proveito próprio.

Acho que a história da regulamentação é muito mal entendida pelos próprios tradutores. Vamos ver se consigo esclarecer alguns pontos.

A regulamentação é uma lei que diz quem pode legalmente exercer a profissão. Mais ou menos o seguinte: pode exercer a profissão X quem tiver curso superior de X e todos aqueles que possam apresentar prova de Y anos de exercício profissional na data de publicação desta lei. Quer dizer, vai poder exercer a profissão legalmente que tem gradu de bacharel como tradutor e aqueles como eu, que há tempos são tradutores e podem provar.

Há certas coisas, entretanto, que a lei não diz:

Não diz que todo tradutor profissional vai ter serviço e, se tiver serviço, vai ser bem pago. Nenhuma lei pode garantir isso.

Não diz que somente os tradutores profissionais vão traduzir. Quem conhece o mercado sabe que a profissão de tradutor público e intérprete comercial, também conhecida como tradutor juramentado e, lamentavelmente, como tradutor oficial é regulamentada, mas o que tem de tradução juramentada feita por quem nunca foi nomeado para a profissão é uma barbaridade. O fato é que não existe maneira de dizer quem fez uma tradução. Fulano, que é profissional com registro no MTPS pega a tradução, repassa para Beltrano, que não tem registro; Beltrano faz a tradução, devolve a Sicrano, que faz de conta que revisa, assina e entrega. Cumprida está a lei, mas, ao proceder dessa maneira, Fulano, que é tradutor registrado no MTPS, colaborou para que Beltrano, que não é, fizesse uma tradução. Aliás, com a globalização da tradução e tantos de nós trabalhando para clientes estrangeiros, a fiscalização da lei fica mais difícil ainda.

Não diz que todos os tradutores profissionais vão ser capazes e competentes. Existe uma briga velha e boba entre os bacharéis em tradução e os bicões, como eu, que não fizeram curso específico de tradução, uns dizendo que os outros são um bando de ignorantes. O fato é que tanto entre os bicões como entre os formados em tradução (ou “formados em tradutor”, uma construção de que não gosto) há gente competente e incompetente e que, ao lado de faculdades sérias e eficientes há umas que, digamos, talvez deixem algo a desejar, se me faço claro.

Não diz que vai ser criado um Conselho Federal de Tradução e Interpretação e os respectivos Conselhos Estaduais de Tradução Interpretação e que vamos todos ter que pagar todos esses burocratas sem proveito algum para nós. Mas você pode ter certeza de que, se a profissão for regulamentada, a primeira providência vai ser criar toda a "estrutura".

domingo, 26 de agosto de 2007

Certificação pela ATA

Amiga minha me enviou um jpg extraído da quarta capa do Yearbook 2007, publicado pela American Chamber of Commerce for Brazil, com um anúncio da Fidelity Translations, apresentando-se como a primeira empresa brasileira certificada pela ATA – American Translators Association. Minha amiga me lembra que a ATA não certifica pessoas jurídicas, só pessoas físicas. Que terá acontecido para a Fidelity ter cometido um engano desses? Não duvido que algum dos sócios tenha obtido a cetificação, mas o anúncio diz que a empresa é certificada, o que me parece incorreto, salvo se a ATA tiver dado permissão específica.

Esquisito, muito esquisito.


sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Fala, Adriana! – Recado aos iniciantes e principiantes

Com a devida permissão, publico esta mensagem lapidar que nossa colega e minha particular amiga Adriana Caraccio-Morgan enviou a uma lista de discussão, como resposta aos que lhe pedem indicações. A Adriana é sempre de uma franqueza contundente e é esse um dos motivos pelos quais gosto dela. A capacidade dela para dizer o que precisa ser dito, com grande precisão e honestidade, é admirável.


Fala, Adriana!

"Infelizmente, não tenho como ajudar ninguém a entrar no mercado – seja de legendagem, de dublagem, de textos, etc. Mal tenho tempo para respirar e no momento estou sem tempo até de escrever algo com mais carinho, então vai uma mensagem que pode até ser considerada meio antipática por alguns - peço desculpas antecipadas. E pensei muito antes de enviá-la, espero não chatear ninguém - não é a minha intenção, de verdade.

"Há muitas e muitas formas de se entrar no mercado. Indicação é UMA delas. E indicação a gente só dá quando há conhecimento, quando se sabe que pode indicar. Às vezes indico pessoas, quando não posso pegar um determinado serviço e quando o cliente não faz parte do meu objetivo. Muito raramente, repasso serviços, ou melhor, divido serviços, mas já tenho alguns colegas em quem posso confiar. Mas é muito raramente mesmo.

"Os contatos de potenciais clientes estão por aí – facílimo de se achar pela internet. Quando eu comecei, foi na base da lista telefônica, em 1998. O mesmo vale para “como funciona o mercado”. Eu mesmo já respondi muito, mas as respostas podem ser encontradas por aí, pela internet, pelo Orkut... Não posso dedicar tempo a isso.

"Quando entrei no mercado, não pedi ajuda a ninguém, e ninguém me ofereceu listas de contatos, nem me disse o que fazer, como fazer. Isso cada um desenvolve. Até porque não há receita de bolo – o que funciona para mim, no meu nicho, pode não funcionar para vocês. E eu diria que a minha postura faz parte do meu pacote de serviços, que funciona de uma determinada forma. Outros terão outras formas de lidar com clientes, etc. Há ações de venda que podem dar certo, mas não combinam com o meu perfil, então eu só faria em caso de desespero.

"Desejo boa sorte a todos, acredito que há espaço para quem quer que faça um trabalho profissional e tenha seriedade. Basta encontrar o seu caminho – e isso é uma jornada pessoal."

Falou a Adriana. Aproveite e faça uma visitinha ao blog dela.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O mistério de Ivanhoé

Saulo von Randow Júnior é colega nosso tradutor, mas tem seu lado detetive e um mistério a solucionar. Leia a entrevista abaixo, onde ele nos conta sobre o mistério e sobre sua curiosidade, da qual, aliás, compartilho.

Quem é você, Saulo?
Nesses tempos de caos aéreos, e para facilitar a identificação, eu diria que sou um profissional oriundo desse metiê: primeiramente, através da maior empresa de aviação privada dentro do país (infelizmente, já falecida, apesar de ter tido o nome mantido pela sua sucessora) e, numa segunda etapa, pela maior empresa do mundo no mesmo ramo. Em ambos os casos, com maior intensidade no último, em função do alcance internacional dessas empresas, vi-me mergulhado, diariamente, num cipoal de informações, memorandos, circulares, e-mails e correspondências, todos redigidos em língua inglesa, o que me obrigou a ter um conhecimento mais amplo da mesma.

Com o tempo, adquiri uma certa habilidade no domínio dos dois idiomas, o que me permitiu começar a fazer serviços de composição e tradução de textos para essas empresas, em vista do farto material que sempre tinha à disposição. Mesmo assim, ainda me deparava com algumas expressões cujos significados não conseguia depreender. Isso me levou a tentar aperfeiçoar ainda mais esse "dom" que foi surgindo aos poucos, através da leitura de livros especializados, dicionários e quaisquer artigos relacionados ao tema da tradução.

Isso me permitiu ter, hoje, um dicionário particular Inglês-Português-Inglês, fruto das minhas memórias de tradução, quase do mesmo porte do Dicionário Houaiss de Português, isso em ambas as direções (infelizmente, economicamente inviável de se editar). No momento, estou desmembrando esse colosso em obras mais palatáveis ao pendor do mercado.

Como você foi encontrar duas edições de Ivanhoé?
Em pouco tempo, descobri quais eram os grandes personagens (numa época onde os recursos eram escassos) que marcaram e nobilitaram a tradução no país, dentre eles, o de Brenno Silveira. Como rato de biblioteca que sou, vivia em busca de encontrar, em sebos, os livros que tais pessoas verteram para o português, uma vez que tais obras, na sua grande maioria, já teriam caído em domínio público e, assim, seria mais fácil encontrar a versão original em inglês na Internet, para fazer uma comparação. Numa dessas visitas a um sebo, tive a felicidade de me deparar com uma tradução do livro Ivanhoé, de Walter Scott, feito por Breno (sic) Silveira, para a minha grande alegria.

Como você descobriu que as traduções eram iguais?
Ao começar a fazer o cotejo das duas versões, percebi que não estava aprendendo nada de novo, o que, para mim, era inconcebível no caso de uma tradução feita por uma pessoa do porte do Brenno. Foi então que resolvi confrontar com outra edição do mesmo livro, a qual eu já havia submetido a tal processo, mas só que traduzido por uma pessoa desconhecida, pelo menos para mim, nessa área de tradução.

O que você fez quando notou a identidade de traduções?
Enviei um e-mail para ambas as editoras que constavam dos registros de "copyright" do livro tentando saber quem, realmente, era o verdadeiro tradutor do livro em questão ou se tratava-se de uma fase tardia de “Alberto Caeiro, Ricardo Reis ou Álvaro de Campos” tentando chegar num, já famoso, “Fernando Pessoa”, ou seja, de um heterônimo às avessas.

Qual foi o resultado das suas investigações?
Recebi (de uma delas) como resposta que, pelo fato dessa editora ter passado por processos de reestruturação e incorporação por outras empresas, os arquivos contendo os originais que poderiam decifrar tal mistério estavam extraviados, ou seja, irremediavelmente perdidos.

Depois de uma boa troca de idéias, o Saulo me mandou cópias de algumas páginas. Confesso que não conferi de ponta a ponta, mas, para mim, é óbvio que se trata do mesmo texto.

O Saulo e eu nos fazemos duas perguntas:

A primeira é : quem é Roberto Nunes Whitaker? A Internet só nos diz que traduziu o Ivanhoé, mais nada.

A segunda pergunta é : por que não foi usado o nome de Brenno Silveira? Brenno Silveira é um dos mais conhecidos e respeitados tradutores do Brasil, o autor de um dos primeiros livros sobre tradução escrito no Brasil, “A Arte de Traduzir”, publicado pela Melhoramentos lá por 1954 e recentemente reeditado pela UNESP. Por que ocultar o nome de um ilustre tradutor, que só valorizaria a publicação? O que teria levado a editora a essa medida? Por que as mensagens do Saulo às editoras não foram respondidas ? Sei de tradutores e pseudotradutores que assinam traduções alheias, sei de tradutores que trabalham para mais de uma editora com nomes diferentes, sei de gente que assinou traduções com nomes supostos porque achava que ia prejudicar seu currículo se as assinasse com o nome verdadeiro. Mas nunca ouvi dizer que a obra de um tradutor famoso fosse republicada como se fosse de outro. Que se ganha com isso? Não deve ser dinheiro, porque o Brenno Silveira deve ter cedido os direitos sobre sua tradução à editora, como é praxe, uma praxe de que a maioria dos tradutores não gosta, mas, mesmo assim, uma praxe. Nesse caso, não haveria nada mais a pagar ao tradutor.

Se você tem alguma idéia das razões, deixe seu comentário aqui no blog mesmo. Os dados das duas edições são:

CÍRCULO DO LIVRO S.A.
Caixa Postal, 7413 - São Paulo, Brasil

Edição integral
Título do original: "Ivanhoe"
Tradução de Breno Silveira
Capa de Ballestar
Licença editorial para o Círculo do Livro por cortesia da Livraria Martins Editora S.A. (sem data)

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA
Rua Paes Leme, 524 – 10º andar
CEP 05424-010 - São Paulo - SP

(c) Copyright desta edição Editora Nova Cultural Ltda, 2003
Todos os direitos reservados
Título original: Ivanhoe
Tradução: Roberto Nunes Whitaker.

Se você tiver a edição da Martins, que aparentemente é a primeira e data de 1960, por favor, entre em contato comigo. Estou curioso como só um homem consegue ficar. E, claro, se houver algo errado em nosso raciocínio, não deixe de me avisar. Só queremos entender.

Respondeat superior

Um latinzinho faz sempre bem. Esse, aí em cima literalmente quer dizer “responda o superior” e, daquele jeito superconciso peculiar aos romanos, significa o chefe é responsável pelos erros dos subordinados. Esse é um ponto que eu já lembrei muitas vezes: não há maus tradutores, há gente incompetente que confia serviços de tradução a quem não está preparado para a função.

Por que o escolhido não recusa o trabalho? Muitas vezes por não poder, ou por lhe faltar coragem. Pode ser um funcionário da empresa, sem coragem de negar algo ao chefe, pode ser um aluno da faculdade momentaneamente ofuscado pelo "precisamos da colaboração para o sucesso do evento”. Pode ser um coitado vaidoso sem autocrítica, que ache que seus dois milréis de conhecimento de uma língua estrangeira lhe permitem se arvorar em tradutor ou intérprete. Sei lá, pode ser mil coisas. Pode, inclusive, estar desesperado atrás de dinheiro. Não faz diferença: cabe a quem escolhe escolher direito o tradutor/intérprete, como lhe cabe também escolher direito a sala onde se realiza o encontro, o serviço de som, de bufê e o que mais seja. No caso de texto escrito, cabe escolher bem o diagramador, impressor, encadernador, capista, ilustrador, enfim, toda essa turma de profissionais que conjugam seus esforços para o sucesso de um empreendimento de publicação ou de comunicação com o público.

Acontece que, na hora de pagar o tradutor/intérprete, acaba o dinheiro. Tem dinheiro para tudo, menos para o tradutor/intérprete. Então, procura-se alguém que faça o serviço grátis ou, ao menos, a preço vil ou meramente simbólico. Outro dia, aconteceu de novo: trouxeram um filósofo de origem tunisiana, um tal Pierry Lévy, de quem eu jamais tinha ouvido falar, mas deve ser alguém de substância, ao que dizem. Puseram o tal do seu Pierre num evento público, com tudo preparado a esmero, mas o intérprete era amador e arruinou o evento. Parece o intérprete era pessoa honesta, mas, foi prejudicado pela inexperiência e por uma outra agravante: era um interessado pelo assunto e ficou dividido entre dever de exercer a função de intérprete e o desejo de ser um participante ativo da platéia. O próprio intérprete malgré lui reconheceu sua falha, o que é grande prova de maturidade e se desculpou de público. Mas aí é que está o erro: quem deveria ter se desculpado era quem o escolheu.

Se você sabe quem foi o intérprete, por favor, diga a ele que eu mandei um abraço.

O relato está aqui.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Circularidade em dicionários

Os filósofos da escola cética afirmavam que o conhecimento é um círculo vicioso: para provar qualquer afirmação, é necessário fazer outras afirmações, as quais, por sua vez, carecem de prova, que se faz com outras afirmações e, no devido tempo, voltamos ao ponto de partida. A isso, chamamos dialelo em português, de diallelon em grego.

Esse fenômeno não afeta os dicionários bilíngües, mas é particularmente notável no caso dos monolíngües. Escolha qualquer palavra e o dicionário vai dar uma definição na qual, muitas vezes, vai usar um termo semanticamente homólogo ao termo definido. Por exemplo, o Aurélio, diz que, entre outras coisas,

tradutor: Que ou aquele que traduz.
tradução: Ato ou efeito de traduzir.
traduzir: Transpor, trasladar de uma língua para outra.

Poderia ter definido traduzir como fazer uma tradução, o que não seria errado, mas ia criar um circulo vicioso, do qual se livrou com o uso de transpor e transladar. Se formos procurar transpor e transladar, vamos chegar a outros grupos de verbetes e assim por diante. Há um limite para isso: vamos inevitavelmente nos aproximando de um número reduzido de palavras e, lá pelas tantas, forma-se um círculo vicioso em que cada pouco voltamos a um verbete já consultado. Embora um dicionário grande sempre ofereça várias definições para várias acepções e, de certo modo, disfarçar o problema, uma olhada na definição de existir e existência do Aurélio ou do Houaiss exemplifica a dificuldade.

Alguns dicionários monolíngües muito pequenos, para aprendizes iniciantes, simplesmente não definem esses termos: espera-se que o usuário já os conheça e dispense definições. Essa é a única solução, aliás, a mesma usada por Euclides na sua geometria: há um pequeno grupo afirmações basilares que não são demonstradas.

Uma solução, entretanto, considerada inaceitável para dicionários de grande porte: quem abre um dicionário grande, espera encontrar definições para coisa, existência, ser e outros termos semelhantes, membros de um grupo difícil de tratar sem cair em círculo vicioso. Em outras palavras, um tanto de circularidade é inevitável nos dicionários mais completos. Entretanto essa circularidade é somente admissível no núcleo definitório do dicionário. Fora daí, cabe ao dicionarista fugir aos círculos viciosos, usando ou a técnica mostrada acima, ou alguma das outras que os lexicógrafos competentes conhecem.

Lamentavelmente, há muitos dicionários, até lá com sua fama, onde esses círculos viciosos ocorrem onde não seria de admitir. Por exemplo, aqui, há um interessante artigo, escrito por um português, que menciona um dicionário onde prostituta é definido como uma mulher que se entrega à prostituição, prostituição se define como o acto de prostituir-se, e prostituir-se fica definido como entregar-se à prostituição. Uma série absolutamente perfeita em sua inutilidade.

Parece que estou conseguindo voltar ao ritmo de postar todos os dias. A ver se consigo manter a andadura. Já que está aqui, dê uma olhada aqui para ver os cursos a distância para tradutores via Aulavox.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Por que implico com o Dicionário Noronha?

Dizem que eu implico com o Noronha e quem sou eu para implicar com um dicionário desses escrito por um advogado famoso e tudo e eu sou um semiletrado que nem concluiu o curso médio nem nada porque foi expulso da escola porque era burro demais.

Então, abri o tal dicionário aleatoriamente e caí na página 144. Podia ser qualquer outra. Não faz muita diferença. Minha edição é a 3ª, de 1998 e a página 144 vai de hidden inflation até holiday. A página coisa de 60 verbetes, provavelmente a média do dicionário.

Não vou fazer comentários sobre a estrutura nem sobre as falhas de técnica lexicográfica. Mas vou apontar umas traduções com que, desculpem, não consigo concordar. Os verbetes sem nada a comentar não vão ser citados.

hidden inflation – inflação ocultada
• Deveria ser inflação oculta.

hidden tax – impostos ocultos
• Por que o plural?

high – alto, termo de endereçamento de dignidade
• Algém sabe o que possa ser termo de enderençamento de dignidade?

highest bidder – maior oferta
Bidder é o licitante, não a oferta. Deveria ser licitante que fizer a melhor oferta. Maior oferta é highest bid.

highway robbery – assalto, furto
• O highway significa que o ilícito se deu especificamente em estrada, informação que some na tradução.

historic site – bens pertencentes ao patrimônio público
• Sítio histórico, local de valor histórico. Nem todos os bens pertencentes ao patrimônio público são historic sites.

hobby losses – imposto sobre lucro que incide em atividade que não geral lucros
• O que é um imposto sobre lucro que incide em atividade que não gera lucro? Se a atividade não gera lucro, como pode estar sujeita a um imposto sobre lucro? Losses são perdas, não impostos. Neste caso, são perdas com atividades que não são exercidas profissionalmente.

hold responsible – ser responsável por
• Para mim, é responsabilizar por, o que é bem diferente de ser responsável

Oito cincadas dessas em menos de 60 verbetes, dá coisa de 13% de falhas. Quem conhecer direito melhor que eu talvez ache outras. Depois, dizem que eu sou implicante.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

How much do you snake?

Hoje de manhã, perguntei ao Babelfish como se diz quanto você cobra e ele, mais que depressa, me respondeu how much do you snake. Não acredita? Tente você mesmo. Se não mudaram, está ainda desse jeito. Se você não sabe inglês, snake é cobra, nas não do verbo cobrar: é o substantivo cobra, que significa o animal, ou, também, o presente do verbo snake, que significa colubrejar, serpentear.

Aqui, há três pontos a ponderar: primeiro, que há programas melhores que o Babelfish; segundo, que esses programas estão melhorando a cada dia que passa; terceiro, que este mundo está cheio de maus tradutores, alguns deles piores do que um tradutor eletrônico de boa qualidade. Por outro lado, um bom tradutor garante uma qualidade que o melhor dos tradutores eletrônicos está longe de alcançar e talvez nunca alcance. Essa é a realidadede hoje, com a qual temos de conviver. Amanhã, as coisas podem ser diferentes, claro.

Desde que me conheço por gente – e faz tempo – ouço falar em um magnífico programa de tradução automática que faz maravilhas e tal e que está aí em testes finais, para ser lançado no mercado o ano que vem e acabar com a raça dos tradutores de uma vez por todas. Conheço até gente que viu o programa, usou, achou uma maravilha. Mas ainda não consegui falar com ninguém que estivesse usando. Limitação minha, certamente. Pode ser, mas pelo que nos apresenta a Microsoft, talvez ainda demore uns dias, sei lá.

Esses programas estão roubando o nosso serviço? Um pouco sempre hão de tirar, por certo. Mas não acredito que venham a ser concorrência séria para os bons profissionais, a turma que cobra mais caro porque tem um bom produto a oferecer.

Pretendo escrever mais um pouco sobre este assunto, se os turbilhões da vida o permitirem.

domingo, 19 de agosto de 2007

LIBRAS

Ontem, na Reunião na Sala 7, tivemos na nossa sala virtual um grupo que trabalha com LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, usada para comunicação entre e com surdos.

O termo tradução é muito impreciso: aplica-se tanto especificamente à tradução de texto para texto, que é o que faço eu, como, em sentido mais genérico, a uma ampla gama de outras atividades que não envolvem texto. Algumas, podem ser chamadas tradução intermodal, como é o caso da legendagem, que é a tradução linguagem falada para a escrita, ou a interpretação de e para LIBRAS, que é a tradução da linguagem falada para a gestual e vice-versa.

Um desses mil teóricos da tradução de cujo nome jamais consigo me lembrar, propôs, em francês, o uso de translation (que seria translação em português) para o termo mais genérico, reseservando traduction (tradução) para a tradução de texto a texto. Nesse caso, o trabalho dos intérpretes de LIBRAS, assim como o dos que fazem interpretaçao simultânea, ou para dublagem, legendagem e que mais seja, visto em conjunto com o trabalho de texto-para-texto, seria um caso de translação e seríamos todos translatores (singlular translátor, com o a pronunciado normalmente em português, como Deus manda) e poderíamos restringir tradução/tradutor para o texto-para-texto. Não pegou, mas eu lamento: seria muito prático.

A interação e integração com os colegas que trabalham com LIBRAS tem importância crucial. A troca de experiências vai ser útil para ambas as partes, assim como útil tem sido a troca entre o pessoal que faz legendagem e o pessoal que faz texto-para-texto, por exemplo.

Espero que a Angela e seus alunos apareçam mais uma vez. Há muita coisa que discutir com esse pessoal. Se você trabalha com LIBRAS ou com qualquer outro tipo de atividade de natureza tradutória que escape do que a gente tem discutido aqui, saiba que é bem-vindo na Sala 7, que é sempre grátis, por definição. Além disso, durante as reuniões, que são virtuais, jamais constragemos os participantes a fazer um dos cursos pagos. A reunião na Sala 7 é um espaço para confraternização e troca de idéias, numa gentileza do Aulavox, que nos cede o equipamento e sistema grátis..

Aproveite e clique aqui para saber dos eventos a distância, grátis e pagos.


terça-feira, 14 de agosto de 2007

De dicionários e plágios

Este artigo foi postado ontem de noite com um erro meu, que foi notado mas não pode ser corrigido imediatamente. Passou a noite substituído por uma nota seca dizendo que tinha sido retirado temporariamente, mas agora está aqui, corrigido. Pretendo voltar ao assunto posteriormente.

Quando saiu, em 2004, minha casa estava o caos, o escritório nas garras de pedreiros e pintores, eu trabalhando num canto da nossa microssala de visitas – e achei que comprar mais um livro seria loucura no momento. Mas fiquei chateado, frustrado mesmo, porque o dicionário foi anunciado como o resultado de longos lavores de especialistas, com direito a elogios na imprensa e tudo.

Passada a tempestade da reforma comprei outras coisas, mas aquele tal do "Dicionário Jurídico e de Finanças", de autoria de Maurício Faragone e de Ricardo Pignatari, jamais comprei. Não que me faltem dicionários, porque tradutor velho tem carradas deles, mas, se era como diza a editora,

Um dicionário criado por profissionais da área de tradução em conjunto com profissionais da área jurídica;

- Aproximadamente 40 mil verbetes e 160 mil definições;

- Mais de 1.000 siglas de órgãos dos governos Brasileiro e Americano em Português/Inglês e Inglês/Português;

não seria de pouca ajuda para mim. O livro foi muito elogiado, inclusive por gente que sabe das coisas.

Só faltou dizerem que era a salvação da lavoura. De qualquer modo, tenho o Maria Chaves de Mello, gentileza da autora, e o Noronha, que comprei com meu dinheiro, e fui resolvendo meus problemas com eles.

A verdade é, entretanto, que jamais concordei com muita coisa que o Noronha diz. Mas eram meras opiniões impressionistas e subjetivas: nunca tinha me debruçado sobre o livro, para fazer uma análise detida e aprofundada. Quem fez foi Luciana Carvalho Fonseca Corrêa Pinto, (ou Luciana Carvalho, como é mais conhecida), que resumiu suas conclusões no congresso da ABRATES em 2005, numa apresentação feita com o ímpeto natural da alguém jovem como ela e uma firmeza intelectual que muita gente não atinge nem em idade madura. Mais dia, menos dia, a Luciana publica algo mais carnudo sobre seu trabalho, o que vai ser bom para todos nós. De qualquer maneira, sua análise foi útil e confirmou o que eu já pensava.

Como eu dizia, não gosto muito do Noronha. Entretanto, se eu não gosto muito do Noronha, o Noronha gosta ainda menos do Faragone e do Pignatari, tanto que ingressou em juízo contra eles. Não por achar o dicionário deles ruim, mas por achar que era plágio do seu.

Alegar plágio é fácil. Provar plágio é mais complicado do que parece. Plágio de dicionário bilíngüe, então, é questão mais que complicada. Deixe dar um exemplo: pegue as definições de qualquer verbete em dois dicionários unilíngües e vai ver que diferem. Se o Aurélio dá como primeira acepção de mesa “Móvel, comumente de madeira, sobre o qual se come, escreve, trabalha, joga, etc.”, o Houaiss, para descrever exatamente o mesmo objeto, diz Rubrica: mobiliário. móvel composto de um tampo horizontal, de formatos diversos, repousando sobre um ou mais pés, e que ger. se destina a fins utilitários: refeições, jogos, escrita, costura, apoio etc. Quer dizer, não pode usar a mesma definição. Se usar, é plágio e encrenca na justiça. O caso dos bilíngües é mais complicado: não há como ter mesa sem a tradução por table. Então, fica assim: o autor da ação reclama que foi plágio, os réus dizem que não foi plágio coisa nenhuma e perguntam: se não puder traduzir “mesa” por “table”, vou traduzir como? Foi mais ou menos isso que alegaram os réus da ação.

É assim mesmo que funciona. Um diz que sim, outro diz que não e o juiz diz quem tem razão. Neste caso, o juiz da 24ª Vara Cível de SP, Wagner Roby Gídaro, encarregado de julgar a ação, decidiu que, antes de dizer quem tinha razão, deveria perguntar algumas coisas para quem sabia e nomeu uma perita. Lamentavelmente, não tive acesso ao laudo pericial. Entretanto, o juiz faz várias citações na sua sentença, que se encontra aqui e, pelo que se lê, o laudo deve ser verdadeiramente suculento.

O juiz fala em “a Senhora Perita”, sem citar o nome. Curioso por saber quem poderia ter dado cabo da reputação de dois dicionários com uma só cajadada, perguntei à Luciana Carvalho. Não que ela tenha obrigação de saber, mas como ela é interessada nesses assuntos, talvez soubesse. A verdade é que sabia. A “Senhora Perita” se chama Rena Singer e um dos seus assistentes foi Stella Tagnin, que evidentemente a Luciana conhecia por ser sua orientadora.

Adotaram uma estratégia de trabalho interessante: catalogaram as falhas encontradas nos dicionários e rotularam as coincidências de falhas como indícios de plágio. Quer dizer, quando ambos estão certos, poder-se-ia alegar que chegaram à conclusão correta independentemente. Mas quando há falhas, é difícil crer que sejam coincidências: só se pode crer que sejam casos de plágio. E as falhas coincidentes encontradas não foram poucas, algumas das quais a sentença menciona:

A Sra. Perita Judicial também verificou a existência de termos não técnicos e absolutamente dispensáveis que foram encontrados exclusivamente nas obras elaboradas por autores e requeridos, comparando com outras obras do gênero: abrasion, annoyance, commotion, (defeat, to), injustice e neophyte (fls. 1571/1572). Nesse ponto esclareceu a Sra. Perita Judicial: A apreciação do Quadro leva a supor que um exame seqüencial da obra dos réus em relação ao do autor Noronha teve em vista a presença de termos não jurídicos presentes exclusivamente nas duas obras (fls. 1571).

As últimas manifestações da Sra. Perita Judicial então trazem a conclusão irrefutável a este Juízo. Descreve inicialmente que deve ser privilegiada a informação a respeito dos dados qualitativos da comparação das obras, ainda que este Juízo tenha utilizado essa informação para abrir esta fase de fundamentação.

Segue, entretanto, relacionando as mesmas falhas de revisão e apresentação dos mesmos termos que “não cumprem seu papel de ordenar as denominações de seus sistemas de conceitos”.

Além disso, “a primeira parte das obras não é um espelho às avessas da segunda parte”, ou seja, os mesmos termos que serviram para a tradução do inglês para o português não foram utilizados para a tradução do português para o inglês. A Sra. Perita Judicial também alerta para a existência de “denotativos” e “lista de falsos cognatos” e “conotativos” “pouco usuais, incomuns ou impróprios em uma obra de referência especificamente jurídica e de finanças, e peculiares exclusivamente às duas obras” (fls. 1582), nesse ponto exemplificando: O termo beleguim consta da seguinte forma: - na obra de Noronha: bailiff’s official; police agente / esses termos não existem no vice-versa – na obra de Pignatari/Faragone: bailiff’s official / no vice-versa existem. A Perita não conhecia o significado do termo e recorreu ao Aurélio Século XXI, que apresenta as seguintes acepções: “agente de polícia; esbirro; galfarro; malsim, mastim, meirinho, quadrilheiro, tira”. A primeira acepção, agente de polícia, consta da seguinte forma: - na obra de Noronha: agentes de polícia – policiman; constable; - na obra de Pignatari/ Faragone: agentes de polícia – policeman; constable. (Negrito da Perita) Nas duas obras verificam-se os mesmos erros: plural em português e singular em inglês. Não consta em nenhuma obra de referência que na língua portuguesa a forma plural seja a usual e, na inglesa, o singular seja a norma. (fls. 1582). Com isso, a Sra. Perita Judicial foi analisando as falhas e constatando a coincidência delas nas duas obras e com exclusividade, eis que seu trabalho se pautou pela análise qualitativa e comparativa (fls. 1582/1586).

Perante um laudo desses, o juiz evidentemente decidiu que se trata de plágio e condenou os réus a recolherem do comércio sua publicação e a mais outras obrigações, além da sucumbência. Sucumbência significa que os réus além de tudo tiveram de fazer um pagamento de honorários aos advogados dos autores, ente outras coisas.

Quem clicar aqui, vai ver que a editora dá o livro por esgotado, o que é um eufemismo dos bons.

Quem sabe, agora, alguém, talvez o próprio Dr. Noronha, aproveita os conselhos da “Senhora Perita” para fazer um bom dicionário jurídico. Ou, melhor ainda, contrata os serviços de um lexicógrafo profissional para fazer as tarefas que lhe cabem.

Há males que vêm para bem, ou, ao menos, podem vir.

Por hoje, é só. Espero você no sábado de tarde, na Reunião na Sala 7, que é a distância e grátis.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

O tradutor e os impostos

Um colega escreve, irritado e confuso, como tantos, com o fato de que o cliente faz questão de uma documentação em boa forma para os pagamentos de honorários. Pode ser uma nota fiscal de pessoa jurídica, pode ser um RPA. Diz ele que faz uns “frila” de tradução e revisão e que o ganho é pouco e tal.

Não é o primeiro nem será o último que me escreve nessas circunstâncias.

Em traços largos, a história é a seguinte: clientes que são pessoas jurídicas precisam informar ao Leão para onde foi o dinheiro deles: tanto para isto, tanto para aquilo, tanto para aquele outro. Para tanto, precisam documentar a transação e o documento exigido pela lei tem de ser fornecido por um trabalhador autônomo (Nota Fiscal de Autônomo ou RPA, o que dá no mesmo) ou uma outra pessoa jurídica (Nota Fiscal de Pessoa Jurídica). Não é ranhetice do cliente. É a lei. Sem isso, encrespa.

Há umas soluções heterodoxas por aí, mas nada disso funciona direito. É possível pagar por fora, mas dá um problema danado: ou se faz pelo caixa dois, o que é ilegal, ou o valor pago tem de ser contabilizado como lucro da empresa cliente e, portanto, está sujeito à tributação. Também o tradutor pode comprar uma Nota Fiscal de alguém, mas isso é crime contra a ordem tributária. Mesmo que não fosse, tem mil conseqüências negativas. Tem mais umas tais de associações etc., mas é bom tomar cuidado com tudo isso. O Leão pode ser manso, mas não é bobo. E adora carneirinhos.

O jeito, se você quer mesmo se dedicar à profissão de traduzir, é regularizar a situação, ou se inscrevendo como autônomo, ou constituindo uma pessoa jurídica. Mais grave: cada vez menos clientes aceitam RPA porque a tributação sobre RPA é altíssima. Então, o que o cliente quer mesmo é Nota Fiscal de Pessoa Jurídica e ponto final.

Quanto custa isso? Caro, lamentavelmente caro. Tem que pagar imposto de renda sobre o que recebe. O IR sobre RPA é progressivo, quer dizer, a alíquota (porcentagem) aumenta com o valor do pagamento. Quanto maior o ganho no mês, maior a alíquota. Se for Nota Fiscal de Pessoa Jurídica, o imposto de renda cai, mas tem que pagar uma cacetada de outras coisas – e o contador, ainda por cima. De um modo ou de outro, tem ISS, que é municipal e, portanto, varia de uma cidade para outra, e INSS, que tem um valor máximo mensal. É uma confusão dos diabos e que, além de tudo, muda a toda hora. Varia barbaramente conforme seu faturamento mensal, principalmente se você for autônomo e estiver submetido à tal tabela progressiva.

Dá para trabalhar desse jeito? Claro que dá! Mas o teu preço tem que pagar essas coisas. Trabalhar a três centavos por palavra, não dá. Claro que, se você faturar pouco no mês, vai pagar pouco de imposto. Mas pouco faturamento menos pouco imposto dá quase nada no bolso e você chega a conclusão de que camelou o mês inteiro o que sobrou no bolso não paga a mensalidade da Internet: há uma diferença significativa entre o que você cobra do seu cliente e o que fica no seu bolso. É preciso pensar nisso, antes de contar um preço.

Se você está pensando em se dedicar à tradução ou revisão como profissional, vá a um contador e pergunte o que vai acontecer se, num determinado mês, você faturar, digamos R$ 5.000,00 pela tradução de um manual leve um mês para fazer. Tenho certeza de que, quando sair, você já aumentou o preço para R$ 7.000,00.

Espero você na Reunião na Sala 7. É grátis e isento de tributação. A distância. Veja detalhes aqui abaixo.



Reunião na Sala 7, link errado

Gente, foi mau. Desculpem, link errado para a Reunião na sala 7: em vez de dar o de agosto, dei o de setembro. Agradeço à Iara Regina Brazil, pela correção.

É este aqui, para sábado, agora, dia 18 de agosto. O que eu dei é para setembro. Já corrigi também a postagem anterior.

À Iara, sempre amiga, até debaixo d'água, um grande agradecimento.

O tradutor e seu status

Voltando ao assunto, é importante discernir entre o estatuto conferido pela lei, o estatuto que a sociedade nos confere e nossa situação econômica. Não se obtém respeito da sociedade por lei. A conquista do respeito é uma tarefa longa e árdua. Exige, principalmente, que se prove ao cliente e ao público, cuidadosa e educadamente, que nós fazemos o que eles não conseguem fazer e adotando uma postura plenamente profissional em qualquer situação.

Por exemplo, tratando os clientes com cortesia, mas também com firmeza profissional. Se o cliente liga e pergunta quanto você cobra para fazer uma tradução e a resposta é um cambaleante, bom, sabe, a gente aqui procura cobrar o justo, mas, sabe como é, teve aí um reajuste... em vez de um firme tanto por palavra do original, para os textos enviados em arquivo eletrônico formato Word. Outros formatos ou material em papel têm acréscimo ou coisa semelhante, já deu um passo atrás na conquista do respeito.

Além disso, é importante ter a coragem de dizer não. Um não educado, mas, mesmo assim, um não, firme, redondo, indiscutível. Não trabalho por esse preço. Não trabalho nessas condições.
É importante, também cumprir a palavra empenhada: se você promteu entregar o serviço na quarta-feira às doze horas, que o serviço esteja pronto na quarta-feira, às doze horas, chova ou faça sol.

E, para não ter que ouvir que a filha da amiga da cunhada do cliente podia fazer o serviço, procure aprender a fazer as coisas que os amadores não são capazes de fazer. Quero ver a filha da amiga da cunhada dar conta de um ttx ou de um ppt endiabrado.

Lembre, também que essa lei de direitos autorais só se aplica, a rigor, a tradução de livros, que é coisa muito importante, aparece no jornal e tal, mas representa muito pouco para nós, provavelmente menos de 5% de todo o volume de serviço.

Finalmente, JAMAIS TRABALHE DE GRAÇA PARA QUEM PODE PAGAR. Essa é a primeira regra do profissionalismo, a primeira característica que distingue o profissional do amador e a que nos conquista o respeito da sociedade. Na sua porta, talvez forme fila de gente querendo abatimentos e descontos e gratuidades, porque é para uma boa causa, para a escola, para o raio que os parta. Quem tem dinheiro para comprar roupa, para tomar chope, para a balada, tem que ter dinheiro para pagar tradutor. Num evento onde todos ganham, também o tradutor tem de ganhar.

Todos amam um voluntário, mas vuluntário é voluntário, profissional é profissional.

Uma vez, dizem, pediram a Cacilda Becker, ilustre artista de teatro, para fazer um espetáculo grátis. Ele respondeu não me peçam para fazer de graça a única coisa que tenho para vender.
Ah, não, ainda tem uma coisinha: não faço a menor questão de ser igualado ao autor. Não sou autor nem me considero igual ao autor, como também não faço a mais remota questão de ser considerado igual a advogados, pilotos de jato ou tocadores de marimba. Sou tradutor e isso me basta. Quer dizer, não vejo razão para me comparar a outros, sejam o autor ou seja lá quem for. A minha tarefa é a minha, a deles é a deles.

Reunião na sala 7 - evento grátis e a distância

Terminadas as férias, recomeçam as "Reuniões na Sala 7", palestras a distância sobre assuntos de interesse do tradutor profissional e do estudante de tradução. A próxima vai ser dia 21 de setembro às 19h30, com duração de duas horas. O tema é "Tradutor Profissional – 2007". Como é palestra a distância, você participa de sua própria casa, onde quer que esteja.

A participação exige inscrição prévia, pelo link abaixo, mas é absolutamente grátis e ninguém vai tentar vender a você coisa nenhuma. Nem temos intervalos para comerciais.

Para participar, você precisa ter um PC conectado à Internet, com Windows e Internet Explorer. Também precisa de caixas de som ou um fone de ouvido. Não precisa de microfone. O sistema tem um recurso de bate-papo eficiente, que permite a cada participante fazer perguntas ao palestrante e trocar idéias com os outros participantes.

No início da semana entrante, vamos marcar uma Reunião para um sábado de tarde.

Para se inscrever, clique aqui.

Se você puder divulgar o evento, fico muito grato.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Tabela de preços para traduções do SINTRA

Apareceu na minha página de recados no Orkut, assinado por Zanzibar, que eu não sei quem possa ser:

Tenho um texto, em inglês, de 6708 palavras e 40271 caracteres (com espaço). Se para traduzi-lo para o português um tradutor fosse me cobrar por palavras, o serviço sairia, pela tabela do Sintra, R$ 1475,76 (R$ 0,22 x 6708). Se o tradutor fosse me cobrar por lauda, vejamos: 40271 dividido por 2100 (tamanho da lauda) = 19,17 laudas x R$ 24 cada lauda = R$ 460,08. A diferença é de 1000 reais! Por favor, qual a lógica de se usar dois critérios?

Para responder, melhor reproduzir um pedacinho da Tabela do SINTRA:

Tradução / Versão

  • Tradução R$ 0,22 por palavra de um idioma estrangeiro para o português
  • Tradução literária R$ 24,00 por lauda com 30 linhas x até 70 caracteres com espaço por linha (igual a cerca de 2.100 caracteres por página, com espaços) de um idioma estrangeiro para o português (direitos autorais à parte)
  • Versão R$ 0,32 por palavra do português para um idioma estrangeiro
  • Versão de um idioma estrangeiro para outro R$ 0,35 por palavra de um idioma estrangeiro para outro

Vamos começar dizendo que quem fez a tabela não fui eu e a pergunta talvez devesse ser encaminhada ao próprio SINTRA. Mas, aparentemente, quem mandou o recado queria saber minha opinião. Então vamos ver se nos entendemos.

Se você fizer uma tradução, cobra R$ 0,22 por palavra. Isso significa R$ 0,22 por palavra do original ou da tradução? São coisas diferentes: mil palavras de original dificilmente vai dar mil palavras de tradução. Faz uma diferença e, então, precisa ficar claro do que estamos falando.

Tentei entender. À primeira vista, me pareceu que era do original, por causa do de um idioma estrangeiro para o português. Cobrar R$ 0,22 por palavra de um idioma estrangeiro me pareceu que era por palavra do original. Mas logo me dei conta de que não deve ser isso, porque a mesma frase aparece no segundo item e não me parece provável que alguém vá cobrar com base no número de laudas do original. Quer dizer, não vejo alguém pegando um texto em inglês e dizendo “aqui há X laudas”. Já vi empresas calculando preços e dizendo “este texto em inglês vai dar X laudas em português”.

O segundo item é interessante porque diz que tradução literária se cobra por lauda. Deve ser porque tradução literária se faz para editora e editora gosta de lauda. Tudo bem, cores e gostos não se discutem. Também, como apontado pelo Zanzibar, indica uma enorme diferença entre o preço da tradução inespecífica e da tradução literária. Por outro lado, diz que na tradução literária, há, ainda, os direitos autorais à parte, como está lá dito. Esse último pedacinho faltou combinar com as editoras, que juram, de pés juntos e apoiados em portentosos pareceres jurídicos, que o pagamento por lauda é o pagamento pelos direitos autorais e acabou a história. Isso é briga de cachorro grande e não vou me meter nela. Mas estou avisando e quem avisa, amigo é.

Mas o segundo item me fascina: primeiro que fala em tradução literária em oposição ao simples tradução do primeiro item. Será que para o SINTRA existe tradução e tradução literária? Ou será que eles simplesmente saíram pela tangente e não quiseram definir o que é a tradução que não for literária? Sei lá. Melhor perguntar a eles, não a mim.

O que é tradução literária? Shakespeare é, sem dúvida. Os famosos Bianca, Sabrina & Júlia serão? Conheço gente que diz que isso não é literatura. Lobsang Rampa e a turma toda da auto-ajuda, isso é literatura? Não é? Paulo Coelho, é ou não é? Bíblia é literatura? Corão? Os Diálogos de Platão? Coisa difícil, isso, de dizer o que raio é literatura e o que não é.

Mas a fascinação não termina aí, Zanzibar. O que acontece se eu traduzir um livro sobre, digamos, finanças – que é minha área – e que dificilmente alguém classificaria de literatura? No segundo item, certamente não cabe. No terceiro e quarto, muito menos. Então cai no primeiro. Quer dizer que, se eu traduzir um livro sobre finanças para uma editora, devo cobrar R$ 0,22 por palavra (do original ou da tradução, não sei), mas abrir mão dos direitos autorais à parte?

Veja, Zanzibar, você me faz uma pergunta e eu te devolvo uma dúzia delas. Mundo estranho, o nosso.

Agora, se você me perguntar como é que eu cobro, vou dizendo logo de cara: pelo número de palavras do original. Sei que são normalmente menos palavras que na tradução, mas minha tabela de preços já leva em conta esse fato. Antes que me esqueça, Zanzibar, ninguém é obrigado a acompanhar a tabela do SINTRA. Aliás, até é bom. Porque se eu fosse obrigado a cumprir, estava perdido: até hoje não consegui entender direito como funciona. E olha que há anos eles só trocam os valores.