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segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Afobado queima a boca ou come cru

Diversas vezes, nos últimos tempos, apareceram casos de gente que pegou traduções sem tomar as precauções necessárias. Mas isso não é de hoje. Tem gente que pega qualquer serviço, de qualquer área, com qualquer prazo, em quaisquer condições e volta para casa todo lampeiro e pimpão, peito estufado de orgulho. Depois, vem a ressaca.

A maioria dos afoitos combina preços na doce ilusão de que, entregue o serviço, o cliente vai enfiar a mão no bolso, pegar umas quantas notas, pagar o serviço e agradecer. Quando o cliente diz manda a fatura, começa o pânico. Tem gente que nem sabe o que é fatura. Há muito tempo, uma moça postou uma mensagem indignada em uma lista, dizendo que tinha grau de tradutora, não de contadora e não era obrigação dela saber dessas coisas. Santa ingenuidade. Se quer ser tradutora profissional, tem que saber dessas coisas, sim senhora.

Outro pega um site para verter e descobre que não tem a mais remota idéia de como se faz isso. Recebe um monte de arquivos com umas coisas esquisitas, que nunca viu e vem a descobrir que é html. No livro do Venuti não falava disso e ele não sabe o que fazer.

Uma vez, me apareceu para revisar um arquivo em formato TradosTWB totalmente estuporado. Avisei a agência e o gerente de projeto ficou a própria arara: ele tinha perguntado à tradutora se ela sabia lidar com Trados e a moça garantiu que sabia. Certamente era mentira, porque pegou um arquivo preparado e fez dele um lixo sem rival. Na afoiteza de pegar o trabalho, foi dizendo sim para tudo e acabou se danando.

Tem também a turma que espera ser paga contra entrega e chama o cliente de ladrão porque, além de querer nota fiscal ou querer descontar imposto de renda do RPA, ainda quer quinze dias para quitação. E tem aquela amiga minha que pegou um serviço, fez um precinho baratinho, varou as férias do escritório onde era secretária dando duro na tradução e, por fim, descobriu que o cliente queria nota fiscal. Saiu doida atrás de alguém que lhe vendesse uma nota (o que é crime contra a ordem tributária) e descobriu, para seu horror, que o preço incluía um valor alto para os impostos, que ia engolir boa parte do valor combinado pela tradução.

Nosso mundinho está cheio desses casos, a maioria tristes. Muita gente acha que ser tradutor é uma coisa assim, meio romântica. Não, não é. Tradução profissional, quer dizer, onde há dinheiro trocando de mãos, é coisa séria. O cliente presume que você seja profissional e que tenha condições de atuar conforme a lei. Se, na hora da entrega, você demonstrar falta de profissionalismo, azar seu.

O cliente até pode ter pena e pagar pelo caixa dois, mas esse é um cliente que não vai durar muito: qualquer tradutor que emita uma notinha fiscal de pessoa jurídica maneira ganha o cliente.

O mesmo acontece com coisas do tipo arquivos html, Trados, memórias tmx, planilhas de Excel, audivisuais para dublagem e legendagem e tudo aquilo que escapa ao famoso arquivo MSWord que é só ir traduzindinho. É preciso aprender a lidar com essas coisas ou avisar o cliente antecipadamente que não tem experiência com elas.

Afobado, como você sabe, queima a boca ou come cru.

domingo, 20 de janeiro de 2008

A responsabilidade do tradutor

Você notou que o blog andou meio morto, não é? Espero que sim.

Na verdade, faltou tempo, mas, principalmente, faltou inspiração. Fico me perguntando o que seria minha vida se vivesse de escrever e, de repente, olhasse para a tela do computador e não tivesse idéia nenhuma. Poderia, talvez, fazer como muitos cronistas de jornal que, na mesma situação, escrevem uma crônica inteira sobre a falta de inspiração.

Mas, em minha salvação, veio a palestra de ontem para a Editora SBS. Fui obrigado a preparar a apresentação, porque não tinha cara de chegar lá e dizer desculpe, minha gente, faltou inspiração, não tenho o que dizer, outro dia eu falo. Então, a responsabilidade falou mais alto, Sentei na frente da tela e bolei lá uma tal de palestra. Antes da palestra, uma conversa solta com algumas colegas me deu mais algumas idéias e pretendo desenvolver tudo isto por aqui nas próximas semanas – se o tempo o permitir.

Mas veja que a responsabilidade por preparar a palestra foi criada por mim ao aceitar a incumbência: convidaram, eu aceitei, então era obrigado a fazer o melhor que pudesse. Não sou empregado da SBS e tinha todo o direito de recusar o convite.

Esse ponto é mais importante do que parece. Todos nós somos obrigados a cumprir nossos compromissos. Se você prometeu entregar a tradução na segunda-feira, pelo amor de Deus, entregue na segunda-feira, como prometido. Porém, se você, como eu e tantos outros, trabalha por conta própria, não é obrigada a assumir o compromisso de entregar na segunda-feira.

Quer dizer, liga o cliente e pede alguma coisa que você não possa fazer, ou porque o prazo é curto demais, ou porque está já com sobrecarga de trabalho, ou porque o preço é baixo demais, ou porque não é a sua área, ou seja lá porque for, não é sua obrigação aceitar e ponto final. Se puder recomendar quem faça, tanto melhor, mas isso também não é sua obrigação.

Muitos clientes usam o mas você tem que… para tentar fazer com que nós aceitemos a obrigação, obrigação de fazer, de aceitar, de arranjar quem faça, qualquer coisa. Não se deixe intimidar. Você só tem que fazer o que prometeu, mas não tem que prometer nada. Às vezes, faz promessas do tipo se você ajudar a gente agora…Jamais acredite nessas promessas. Outras vezes, apela para a chantagem, falando de nossa parceria. Parceria essa que vai durar até ele encontrar alguém que lhe pareça melhor.

Nessas horas, o cliente também quer saber por que você está se recusando. Não é direito dele saber, nem sequer fazer a pergunta. Você não é empregada nem muito menos escrava dele. Ele não tem que te dar satisfações quando encarrega outros de algum serviço, você não tem que dar satisfações quando recusa um serviço.

Na hora da recusa, cortesia é essencial: se oferecerem serviço a um preço vil, diga meu mínimo é X. Não faça uma arenga inflamada sobre os exploradores dos tradutores, por mais prazer que discursar possa dar e por mais aplausos que a ladainha posa gerar entre os seus colegas: o cliente nem vai ouvir. Ele quer o serviço, só isso.

Talvez a recusa se dê até por motivos pessoais e não muito importantes: você combinou ir à praia com as amigas neste fim de semana, está cansada demais para trabalhar, é casamento da sua irmã e você quer dar uma mão, seu filho está com dor de barriga e você quer fazer companhia, mas tudo isso é coisa sua, não é da conta de ninguém. E você tem o direito de guardar essas coisas para você e recusar o serviço com um educado, agradável, mas firme, obrigado, mas não vai dar.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Cantadas batidas, respostas criativas

Você cota o preço e lá vem uma cantada para dar um desconto. Eu tenho raiva, horror de pechincha. O cara vai ao restaurante, olha o preço na porta e, se calhar, nem isso, come, bebe, pede a conta e paga o que está escrito. O cara vai cortar o cabelo, vê o preço na entrada do salão; se achar caro, não entra; se achar o preço razoável, entra, corta o cabelo, paga, deixa gorjeta e vai embora. Tradutor cota preço, ele pede desconto. Coisa chata, parece que a gente está vendendo camelo num bazar oriental. E o pior é que as cantadas se repetem. Faz mais de trinta anos que estou ouvindo as mesmas e o cara ainda acha que está sendo original.

Ando sem paciência para essas discussões de preços. Para acabar logo, costumo dizer que é o preço que cobro de todos os meus clientes e nenhum deles acha caro. Pronto, acabou. O cliente, que esperava outra reação, perde o pé de apoio. Nem sempre funciona, mas, ao menos, é divertido. E, de qualquer forma, nenhuma estratégia funciona sempre.

Tem outra interessante. Eu coto, digamos, mil reais e, no dia seguinte, vem lá o cliente dizendo que tem quem cobre setecentos. Fico quieto. O cliente diz alô, está ouvindo? Claro que estou. Pergunta o que eu tenho a dizer. Bom, ele pediu, não é? Eu estava caladinho, no meu canto, e ele pediu minha opinião, certo? Então, não reclama:

Independentemente de quanto eu cote, sempre vai haver quem cobre menos. Você encontrou um que cobra setecentos, poderia ter encontrado por menos, bem menos. É só procurar um pouco. Cabe a você, agora, decidir se quer o serviço do colega por setecentos ou o meu por mil. Toda decisão envolve riscos, não é só esta. E é uma decisão sua, inteiramente sua, como também é sua a responsabilidade pelo resultado. Não há nada que eu possa fazer. Se você optar pelo colega de setecentos e o serviço for bem feito, você economizou trezentos para a sua empresa. Se fizer um serviço mal feito, você desperdiçou setecentos e pode perder muito mais, sei lá, quanto vale esse texto para você.

Quer dizer, jogo o problema no colo dele de novo. Mas não vou dar desconto pelo simples motivo de que ele disse que tem alguém que cobre menos. Nem que eu tivesse certeza de que era verdade. Aliás, se ele tem quem faça mais barato, porque não faz com o outro logo de uma vez?

domingo, 6 de janeiro de 2008

O mistério de Invanhoé, cada vez mais misterioso

Este blog entrou em recesso de fim de ano meio forçado: ele, que adquiriu vida própria, não queria parar e eu não queria que parasse. Mas a vida quis que parasse e parou.

Reabre hoje e reabre com chave de ouro, com uma mensagem recebida do Saulo von Randow Júnior, o homem que está levantando o maior escândalo do mundo tradutório brasileiro: o plágio de traduções por atacado, feito pelas nossas editoras. O início da história você encontra aqui, se é que ainda não conhece, está aqui. O desenrolar é assustador: não é uma, não são duas as traduções plagiadas: parece que a praxe é mais comum do que temíamos.

Uma historinha sórdida. Vamos insistir e, um dia, as editoras vão ter de se manifestar – ou individualmente, ou através da Câmara Brasileira do Livro. Cabe a nós, com os meios de que dispomos, chamar a atenção de todos para o problema e obrigar os editores agir corretamente.

Esse plágio por atacado me fere profundamente, embora nada do que eu tenha feito tenha sido plagiado. Sou amante de música clássica e a maior parte do que ouço já está no domínio público há anos. Quer dizer, para tocar ou reimprimir a quinta Sinfonia de Beethoven, não é necessário pagar direitos autorais. Como Beethoven não tem sucessores com direito intelectual sobre sua obra, se um maluco mandar imprimir a partitura da uma sinfonia dele e publicar como de sua autoria, não há como me processar. Mas a grita vai ser enorme, principalmente por parte dos músicos e editores honestos. Espero que as editoras honestas se juntem também ao nosso clamor.

Se você sabe de alguma coisa que possa nos ajudar, escreva para mim. Se você pedir, seu nome será mantido em segredo, mas a informação será pesquisada e pode ajudar a dar um pouco mais de dignidade à nossa profissão. Não vou publicar informações, assinadas ou anônimas, sem pesquisar.

Agora, fala Saulo!

Danilo,

Gostaria de colocá-lo a par, bem como aos leitores do seu "blog", sobre a repercussão do artigo "O Mistério de Ivanhoé: alguns dias após a publicação da matéria no seu sítio, fui contactado pela, também tradutora, Denise Bottmann, a qual queria saber mais sobre o assunto.

Ela disse ter tomado conhecimento do caso num grupo de debates do "Yahoo" conhecido como "Litterati", onde o assunto foi levantado. Como dispunha, assim como eu, das 2 edições do livro "Ivanhoé" , ela partiu para o cotejo dos livros e ficou assombrada com o que encontrou. Como também possuía 2 edições do "Fausto" e "Werther" de Goethe, ela resolveu aprofundar as investigações e, aí também, encontrou vestígios de plágio.

A Denise, então, tentou entrar em contato umas 3 ou 4 vezes com a Nova Cultural e, ao mesmo tempo, escreveu um e-mail para a seção Folha Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, os quais se interessaram sobre o assunto e publicaram uma matéria sobre o caso.

Logo em seguida, partindo de uma matéria publicada pela Revista Veja sobre o lançamento, na época, sobre a coleção "Obras-Primas" da Editora Nova Cultural, começamos um trabalho de cotejo dessa coleção com os livros dos mesmos autores de outras editoras, principalmente os da Editora Abril Cultural.

Nesse ínterim, a repercussão dos plágios deu origem a um abaixo-assinado por parte dos tradutores, fazendo com que o mesmo ganhasse as páginas do jornal Folha de S.Paulo como matéria digna de nota. Como eu possuía alguns desses livros (Ana Karênina, Tom Jones, Crime e Castigo) de ambas as editoras e a Denise possuía outros, passamos a publicar nossos "achados" junto ao "blog" que destaca o abaixo-assinado acima referido as nossas descobertas.

Atualmente, eu e a Denise estamos trabalhando para separar o joio do trigo: com o apoio de algumas pessoas que são proprietárias de sebos, estamos trabalhando para saber quais obras foram vilipendiadas nesse processo de plágio descarado (direto) e, também, por um sistema de tradução por sinonímia, sem qualquer respeito ao trabalho do tradutor original da obra em questão.

Na ocasião, gostaria de manifestar o meu agradecimento ao Danilo por seu empenho na busca de solução para esse que começou como "O Mistério" e que, agora, já se traduz em vários "Mistérios".

Cordialmente,

Saulo von Randow Júnior

O abaixo assinado de que o Saulo fala está aqui. É só clicar.