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domingo, 2 de dezembro de 2007

Tradução é uma estiva

Tradução é uma estiva, acho que quem falou foi Ivan Lessa, no tempo da máquina de escrever – e era verdade. Podia ser fácil ou difícil, não importava. Tinha que bater aquilo tudo, letra após letra, página após página. Havia ainda os números, uma desgraça para nós, que traduzimos finanças. O corpo ficava moído: doía perna, doía braço, doíam costas, doía tudo. Além disso, sempre faltava um parágrafo no meio e a gente tinha que montar com tesoura e cola. Depois, era revisar, mexer e remexer, até ficar bom.

Dava dó, a sujeira que ficava. Precisava passar a limpo. Às vezes, quem passava a limpo era a secretária do cliente. Outras vezes uma datilógrafa autônoma. De um jeito ou de outro, tinha que revisar a datilografia e devolver para fazer as emendas. Um tempão para datilografar, um trabalhão para revisar, às vezes um dinheirão de datilografia – e o serviço era urgente.

Muito disso acabaria se eu usasse um micro. Por exemplo, poderia mexer e remexer enquanto traduzia. Depois era só imprimir. Nunca mais ia precisar passar a limpo. Eu sonhava com um micro, mas faltava dinheiro: computador era caro e impressora, caríssima.

Um dia, veio uma encomenda muito grande. Brincando, disse ao cliente que, no prazo que ele queria, nem com um computador: precisava de dois, um para mim, outro para minha mulher, que trabalha comigo. Depois, fui ficando tão entusiasmado, que ele acabou financiando as máquinas.

Fomos dos primeiros a usar computador e eu exibia orgulhoso os trabalhos feitos com MicroEngenho2 e Mônica. Hoje, quase todo tradutor tem micro e nós sonhamos trocar os 386 por 486 e a LaserJetIIIp por uma que imprima em cores – mas falta dinheiro. Não pagamos mais datilógrafa, mas o que gastamos de equipamento, programas e livros não é pouco.

O trabalho ficou melhor e mais fácil: é só digitar o texto, mexer e remexer sem dó, tirar os erros piores com o revisor ortográfico, imprimir, mandar ao cliente por fax, alterar o que ele pedir, imprimir de novo e entregar junto com o disquete.

Ficamos mais exigentes: antes, não tendo erros, chegava. Agora, passamos horas polindo estilos e diagramando balanços, até ficarem como queremos. O cliente também está mais exigente e acomodado: copia nosso trabalho diretamente em seu papel timbrado, para poupar custo e tempo. Por isso, pede para alterar a diagramação ou reimprimir meia dúzia de páginas porque quer mudar algum dado no original – e é urgente.

No fim do da, o corpo está moído, dói perna, dói braço, doem costas, dó tudo – e os olhos ardem. O micro mudou nossos métodos e nosso produto. Mas tradução ainda é uma estiva.

O texto acima foi escrito por mim e publicado pelo Estadão, no dia 2 de agosto de 1993, no Caderno de Informática, que então saía nas segundas feiras. Numa arrumação de papelada, topei com ele e achei que valia a pena reciclar aqui. Agora, 14 anos depois, não se manda mais serviço para aprovação via fax nem se entrega a forma final em disquete: vai tudo via Internet. Entretanto, no fim do da, o corpo está moído, dói perna, dói braço, doem costas, dó tudo – e os olhos ardem. O micro mudou nossos métodos e nosso produto. Mas tradução ainda é uma estiva.

4 comentários:

Anônimo disse...

O artigo é muito atual.
Sou seu grande fã. Participava da comunidade Tradutores do Orkut, e, tenho que admitir que me acostumei ao seu bom senso e inteligência. Tanto é que, apesar de hoje não participar mais (por achar que grande parte dos membros da mencionada comunidade são pedantes - ao passo que há outros maravilhosos) contínuo visitando a mesma para ler as acaloradas discussões, e sempre passo pelo seu blog. Hoje, é a primeira vez que lhe escrevo algo, e quero lhe parabenizar.
Abraços
Osman Alves

Anônimo disse...

Danilo,

Sabe que vc escreve muito bem? E como sabe concluir um texto!

Stella Machado

Dayse Batista disse...

Oi Danilo!
Comecei a traduzir em 1986, e a primeira coisa que fiz, ao pegar meu primeiro livro pra traduzir, foi ir ao Carrefour e comprar a prazo uma Praxis, eletrônica, muito chique. Era pequenina, quase totalmente silenciosa -- mas meu Deus, era um cartucho de fita **por dia**! E era caro! Lembro que eu gastava 10% do que ganhava só com a fita de máquina, porque só dava pra digitar uma vez (não tinha fita de nylon).
Então comprei uma Remington elétrica, barulhenta, mas mais econômica, que só me deixava na mão quando voava longe um dos tipos das letras. Aí eu colava com Super Bonder, até que era tanta cola que não funcionava mais e lá ia eu ficar sem máquina uns 2 dias, até consertarem.
E quando levava o material à editora, datilografo, tinha uma bolsa especial para isso (que guardo até hoje), grande, capaz de acomodar auelas 400 ou 400 folhas da editora, maiores que tamanho A4, pesadas... Tinha de ir de táxi...

Passei pro computador e, 1989 ou 90, não lembro -- dado pela editora, o que me encheu de vaidade, porque eu era autônoma e ganhei deles o PC, de tela verde, com diskete daqueles maiores, um *luxo*!!!

Hoje, nenhum computador é veloz demais, os trabalhos são gigantescos e cheios de formatação, os livros que ainda traduzo ocasionalmente ainda vêm por Sedex às vezes, mas voltam à editora por e-mail (vou receber 2 de uma cacetada só, da mesma editora, semana que vem -- então serão o número 101 e 102...)

E dói tudo -- atualmente, tomo antiinflamatório para uma artrose no ombro (10 horas na mesma posição, todos os dias, têm um preço).

Mas compensa.

BEIJÃO, mestre.

Anônimo disse...

Dayse,

Inclua os dedinhos no alongamento, faça massagens neles. Funciona.
Mas que é umaestiva, é!

Stella