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quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Traduzindo Bush

Um colega levantou a questão de como traduzir o que, temporariamente, vou chamar as cincadas de George W. Bush. Traduzir as falas de George W. Bush é uma tarefa que, para o profissional, traz pelo menos três problemas.

O mais simples são os erros de gramática, dificuldade que não deve assustar qualquer tradutor, já que encontramos erros de gramática por todo o canto e mesmo nós próprios dizemos e escrevemos muita bobagem.

Depois, vem o fato de que o que ele diz nem sempre é muito claro. Problema maior, sem dúvida, mas, mesmo assim, não dos piores, já que traduzir textos obscuros é tarefa de todo dia.

O pior dos problemas, a meu ver, é o que chamo a questão ideológica. A maioria de nós – incluindo eu – discorda profundamente do ideário político de Bush e tem por ele uma antipatia fundamental, basilar, hepática, até, por assim dizer. É muito difícil traduzir um texto (falado ou escrito, se me permitem essa ampliação do sentido) de autoria de alguém que não nos é grato.

Há muita gente que advoga uma tradução ideológica: aproveitar a chance oferecida pela tradução para, na medida do que conseguir, pintar o diabo ainda mais feio do que ele na verdade é. Sou contra essa abordagem. Para mim, essas abordagens “ideológicas” são a antitradução. Fiquei todo contente de ler, no Quase a mesma coisa, do Umberto Eco, as cutucadas que ele dá nas “tradutoras feministas”, com o agradecimento a duas tradutoras de seus textos que preferiram fazer traduções sem qualificativos, não traduções feministas.

Então, a melhor maneira, para mim, de enfrentar as coisas que o Bush diz é simplesmente esquecer quem ele é. Democraticamente, afirmar que todos são iguais perante o tradutor/intérprete e dar ao discurso dele o mesmo tratamento que daríamos ao discurso de um político igualmente mal-falante, mas cujas idéias aprovássemos, ou, melhor ainda, de um sujeito que nem soubéssemos quem era e estivesse ensinando alguém onde era o banheiro mais próximo.

Não sou especialista, mas acho que o problema maior da forma da fala do Bush (embora não do conteúdo) seja causado por uma dislexia. Conheço uma senhora disléxica, muitíssimo querida minha, que diz coisas extraordinárias, não por burrice, mas pela dislexia. Se eu fosse traduzir o que ela diz, botaria tudo "em língua".

Nem de longe estou dizendo que, curada a dislexia, o Bush fosse virar intelectual e um homem do bem. Estou dizendo que as distorções produzidas em sua fala pela dislexia devem ser desperezadas pelo tradutor, assim como caberia desprezar o sotaque de um estrangeio, ou algum distúrbio da fala, como gagueira.

sábado, 22 de setembro de 2007

Descontos, continuação da novela

Uma das maiores bobagens que se diz sobre o mercado é que o cliente sempre prefere o mais barato. Se isso fosse verdade, quem se recusa a trabalhar por três centavos de real a palavra estaria sem serviço há tempos.

Muitas vezes, a escolha é condicionada pelo prazo: quem promete entregar mais cedo, leva. Outras vezes, pela confiança: pega o serviço o tradutor conhecido, que já prestou bons serviços.

Até já peguei um serviço, há muitos anos, porque meu preço era o médio! O cliente, depois de longas conversas amigáveis, me explicou que eles jamais tinham contratado um tradutor, não tinham critério algum a seguir e, então, pediram três cotações, descartaram a mais cara e a mais barata e saí eu, com o rabinho abanando e o serviço em baixo do braço.

O que é verdade, triste, mas verdade, é que a maioria dos clientes usa a afirmação de que sempre pega o mais barato como meio de intimidação. Então, você cota dez, o cliente liga, faz mil elogios, diz que gostaria de trabalhar com você, mas, lamentavelmente, há alguém que pediu oito e ele tem que escolher o mais barato, por norma da casa. É hora de morder a bala, como dizem os americanos e fazer de conta que nem se importa. Primeiro, porque pode perfeitamente ser mentira do cliente; você não viu as cotações dos colegas e é bem capaz de eles nem terem consultado mais ninguém. Segundo porque, se ele tem que comprar do mais barato e já tem o mais barato, já resolveu o problema dele, certo?

Minha resposta, nesses casos, é padrão: não cabe a mim estabelecer as normas que regem a escolha de fornecedores pela sua empresa. Se ele perguntar se não estou disposto a baixar o preço, digo que não, porque esse é o preço que cobro de todos; se der um desconto ao senhor, vou trabalhar por oito quando poderia trabalhar por dez, o que não faz sentido, porque estaria pagando dois centavos a cada palavra que traduzo. Normalmente, a terceira pergunta é se eu tenho mais serviço e a resposta é claro, serviço é o que não falta. Já perdi muito serviço com essa estratégia, mas foi esse também um dos meios que me ajudou a aumentar meus preços.

Nunca se esqueça: coragem não garante vitória, mas o medo assegura a derrota.

Até amanhã, que o blog está entrando nos eixos de novo.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Translation Journal

Você conhece o Translation Journal? É uma publicação que já tem mais de dez anos, sempre na Internet, sempre grátis. Uma barbaridade de coisas interessantes para nós. Já escrevi muito para o TJ e no número mais recente tem um artigo meu. O dono, proprietário, editor-chefe e o que mais seja é o Gabe Bokor, tradutor experiente e grande amigo que fala português perfeito. Vai lá e divirta-se.


Havia um erro no link. Graças a Isabel Silva, foi corrigido. Não foi o único dos meus erros, não foi o primeiro nem a de ser o último. E, lamentavelmente, não foi o maior deles.

Descontos II

Volto aos descontos, um assunto que me fascina.

Vou contar uma história. Velho gosta muito de contar histórias. Há muito tempo, um médico que precisava de traduções para sua tese de doutorado me pediu um desconto. O motivo era que a tese não tinha fins econômicos e que ele estava longe de ser rico. Cai como um jovem palmípede. Na verdade, o principal objetivo da tese, como de toda tese de doutorado, era o de obter uma promoção para ele, com o respectivo aumento de salário, e não conheço maior fim econômico do que esse.

A alegação de que o dinheiro dele era parco também era algo capenga: ele morava em casa própria e eu morava de aluguel. Para terminar, ele e a esposa cada um tinha seu carro e, naquele tempo, a Vera e eu alegremente compartilhávamos os bancos dos ônibus de SP.

Ah, ele foi aprovado, foi promovido e hoje é um médico ilustre, ganhando rios de dinheiro. Mérito dele, claro. Mas não me venham, nunca mais, dizer que esse troço de trabalho acadêmico não tem fins lucrativos.

Tudo bem, já passou. Mas nessa, não caio mais.

Amanhã, tem mais.

Daqui a pouco, a Reunião na Sala 7, grátis, a distância.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Descontos sobre preço de tradução

Você já viu alguém chegar no caixa do supermercado, ouvir o preço e pedir um desconto? Não? Nem eu. Por que ninguém pede desconto no supermercado e tantos pedem para nós, tradutores?

A resposta é simples: porque nenhum supermercado dá desconto e muitos tradutores dão descontos. Inclusive, é comum a gente ouvir que poxa, fulano deu um descontinho camarada para a gente, você não vai dar?

Quer dizer, pedido de desconto gera pedido de desconto. Eu não dou descontos. Coto o preço e fico firme. Quer, quer; não quer, come alface com colher – e pronto. Estou atendendo solicitações de serviços profissionais, não vendendo camelo num mercado árabe.

Quando me pedem descontos – e a maioria pede – recuso, com cortesia, educação, bons modos, direitinho como mamãe ensinou. Mas não dou desconto para ninguém e recomendo que você siga o mesmo caminho. Pechinchar é um hábito desagradável, que não devemos incentivar e a concessão de um desconto é o maior incentivo que você pode dar ao cliente para que ele continue te espremendo até você virar bagaço.

Se o cliente quiser pagar menos, tem que dar algo em troca que compense a redução. Por exemplo, o sujeito me manda um pdf endiabrado, eu coto X, ele pede um desconto. Digo logo 20% de desconto se você me mandar o arquivo em formato Word.

Volto ao assunto amanhã, porque, sobre isso, dá para escrever um livro. Aliás, amanhã tem Reunião na Sala 7, grátis, a distância, portanto, para todos.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Ajudar ou não ajudar, eis a questão

Tenho um amigo, o João Cobracaro, que se dedica à tradução de corpo e alma. Não só se esforça como um doido para prestar bons serviços a seus clientes, mas também participa de numerosos fóruns de tradutores, onde ajuda os colegas como melhor pode. Como é competente e esforçado, a ajuda é sempre de qualidade. O João sabe das coisas e, por isso não tem medo de compartilhar o que sabe com os outros. Sujeito tranqüilo, bonachão, raramente se irrita.

Mas teve o dia em que se irritou. Foi assim: um possível cliente fez uma consulta, ele cotou preço, o cliente pediu outras cotações, a do João era a mais alta, foi outro o escolhido. Paciência, faz parte da vida, se eram três os concorrentes, dois tinham que perder. Um dos perdedores foi ele. O cliente até ligou, com aquela famosa história do a gente queria fazer com o senhor, mas tem uma cotação muito mais baixa, não vai dar, se o senhor fizesse aí uma diferença para a gente… Mas o João decidiu não baixar o preço e ficou sem o serviço. Nem por isso ia morrer de fome, como, de fato, não morreu.

No dia seguinte, abriu a caixa de correspondência e estava lá a mensagem do José Fazpormenos, com uma porção de dúvidas que só podiam ter saído do serviço para que o João tinha apresentado a cotação perdedora. Tinha sido do José a cotação vencedora, então. E o José tinha mil dúvidas, dúvidas simples, mas dúvidas.

João começou a escrever uma resposta, mas logo parou. Que diabo, pensou ele, tem alguma coisa errada, nesse negócio. O João achou que não fazia sentido ele resolver os problemas do José, porque, assim, estava fazendo concorrência a si próprio. Ele tinha pedido dez pela tradução, o José pediu cinco, o cliente pegou, então que fique com o serviço do José, por cinco e vá para o diabo que o carregue. Não faz sentido o José ganhar cinco, o cliente pagar cinco e o João não ganhar nada e, ainda, prestar serviços de consultoria terminológica. Na cabeça do João, pelo menos, não fazia sentido.

E as perguntas do José Fazpormenos eram básicas, fundamentais mesmo. O João ficou se perguntando, se o cara não sabe isso, imagine o resto! Porque a gente não pergunta tudo o que não sabe, mas só o que percebe que não sabe. Aí, então, vem a minha pergunta: se o João tivesse respondido a mensagem e solucionado todas as dúvidas, faria alguma diferença? Ou, melhor dizendo, faria alguma diferença que o cliente percebesse? Quer dizer, será que, com as respostas do João, o José poderia apresentar uma tradução que o cliente considerasse tão boa quanto a do José Cobracaro, pela metade do preço?

Não tenho uma boa resposta para essa pergunta. Ainda bem que o caso não aconteceu comigo.

Não se esqueça da Reunião na Sala 7, que é grátis e a distância.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Memória de tradução (“CAT”)

Outro dia, no meio de uma discussão em uma lista, um colega me escreveu, particularmente, perguntando o que era uma memória de tradução, o que também se conhece pelo nome inglês CAT, abreviatura de computer-aided translation. Respondo por aqui, e assim dou um pouco de vida a este blog, que não anda lá muito bem das pernas.

Para começo de conversa, memória de tradução é um péssimo nome, isso é o que é. E, para piorar, tem pelo menos dois sentidos.

A rigor, uma memória de tradução é um corpus paralelo. Ou seja, um arquivo em que são armazenados textos em duas línguas, um ao lado do outro. Os formatos variam, mas, digamos, só para explicar a quem não sabe, algo assim:

The Chemistry book is red. O livro de química é vermelho.
London is the capital of EnglandLondres é a capital da Inglaterra.

As memórias de tradução armazenam segmentos. Um segmento corresponde, aproximadamente, a um período, como definido pela gramática. Assim, preserva-se contexto. Todos nós sabemos que book também é o verbo reservar (passagem, por exemplo, mas, no exemplo acima, não pode ser reservar, porque o contexto não permite.

Para trabalhar com esses bancos de dados, é necessário um programa especial, que, lamentavelmente, também é conhecido como memória de tradução, embora programa de tradução assistida por computador fosse mais preciso. À medida que você trabalha com um desses programas, ele vai automaticamente alimentando o seu banco de dados com as traduções que você vai fazendo e, ao mesmo tempo, pesquisando o banco para ver se há alguma informação que possa ser útil. Se encontrar alguma coisa interessante, faz uma sugestão ou mais. Costumam ser boas sugestões, porque as memórias de tradução, como eu disse, consideram o contexto. São sugestões, quer dizer, você pode mudar como quiser ou até desprezar.

Os programas de memória de tradução fazem muitas coisas mais. Por exemplo, consultam glossários automaticamente, facilitam o trabalho de manter a formatação, ajudam com números e prestam inúmeros outros serviços. Além disso, traduzir arquivos em formatos xml, html e outros bicharocos sem essas ferramentas é praticamente impossível.

Há muitos enganos e mal-entendidos a respeito dessas ferramentas. O primeiro e pior é a confusão com as ferramentas de tradução automática, tipo Babelfish. São coisas diferentes, com objetivos diferentes, tecnologias diferentes e resultados diferentes.

Cada vez mais, os tradutores profissionais usam esses programas de tradução assistida por computador. Começou com a turma da tradução técnica, sempre mais novidadeira. Mas agora, depois de grande resistência, até a turma da literária, que sempre foi mais conservadora, está descobrindo que facilitam a vida do tradutor.

Uso essas coisas desde 1997 e fizeram uma grande diferença na minha vida. A ferramenta mais conhecida é o Trados, mas a minha predileta é o Wordfast, que é mais eficiente e mais barata. Para saber mais sobre essas coisas, clique aqui.

E, aliás, aproveito para convidar para a Reunião na Sala 7, um evento grátis e a distância, para tradutores e pretendentes a tradutor. Ninguém vai ficar tentando te empurrar curso pago nem livro nem nada. É só uma discussão entre colegas.

domingo, 2 de setembro de 2007

O mistério de Ivanhoé - II

A história da tradução de Ivanhoé¸ contada aqui, teve umas conseqüências curiosas. Quem eu esperava que se manifestasse ficou calado, ao menos até agora, mas há uma porção de formiguinhas tradutoras procurando informações e meu e-mail particular tem recebido informações, que, por não terem sido confirmadas, não vão ser divulgadas aqui. Há, inclusive, um colega que ao que tudo indica descobriu um caso semelhante.

Isso é grave, muito grave. Vou traçar um paralelo com a música clássica, a ver se me faço entender. Beethoven, como todos na época dele, trabalhava por empreitada, muitas vezes até por encomenda. Chegava um editor de música e pedia "uma sonta para violino" e ele fazia. Ao contrário do que diz a lenda, Beethoven era um negociador hábil e ganhou um dinheirinho razoável com seu trabalho. Então, o editor pagava a ele lá um tanto e recebia a tal da sonata. A sonata era publicada como de L. v. Beethoven.

Muitas vezes, saiam edições pirateadas, mas sempre com o nome de Beethoven. As obras de Beethoven caíram no domínio público, o que significa que podem ser publicadas ao gosto do freguês. Se eu cismar de hoje, como o dia está bonito, publicar uma nova edição das Sinfonias, direito meu e não há o que reclamar. Mas tem que ser com o nome Beethoven. Não posso lá eu publicar a famosa quinta e botar como autor o meu grande amigo Brederodes Sacatrapos, jovem artista pelo qual tenho grande estima e que anda precisando de um empurrãozinho em sua carreira.

Existem alguns casos cabulosos, na música, na literatura e na tradução, em que Alfa faz alguma coisa que Beta assina. Há casos, também, de falsa atribuição, enganos cometidos por pesquisadores, como os que atribuíram uma certa obra a Joseph Haydn. Johannes Brahms achou que deveria escrever umas variações sobre a obra e daí saíram as Variações sobre um tema de Joseph Haydn. Posteriormente, foi descoberto que a obra tinha sido composta por Ignaz Pleyel, discípulo de Haydn.

Há casos de contestação de autoria e de autoria incerta, como sabe qualquer um que tenha dedicado uns minutos aos sonetos atribuídos ou atribuíveis a Camões. Mas, aparentemente, nada disso acontceu aqui. Simplesmente, a obra mudou de autor.

Continuo a pesquisa e continuo a agradecer a ajuda que me possam oferecer. Se você tiver alguma informação mas tiver receio de divulgar, mande uma mensagem ao meu e-mail, em vez de fazer um comentário. Vou investigar, com os recursos de que disponho, ressalvando totalmente sua identidade.

Obrigado pela visita e pela possível cooperação