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quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O mistério de Ivanhoé

Saulo von Randow Júnior é colega nosso tradutor, mas tem seu lado detetive e um mistério a solucionar. Leia a entrevista abaixo, onde ele nos conta sobre o mistério e sobre sua curiosidade, da qual, aliás, compartilho.

Quem é você, Saulo?
Nesses tempos de caos aéreos, e para facilitar a identificação, eu diria que sou um profissional oriundo desse metiê: primeiramente, através da maior empresa de aviação privada dentro do país (infelizmente, já falecida, apesar de ter tido o nome mantido pela sua sucessora) e, numa segunda etapa, pela maior empresa do mundo no mesmo ramo. Em ambos os casos, com maior intensidade no último, em função do alcance internacional dessas empresas, vi-me mergulhado, diariamente, num cipoal de informações, memorandos, circulares, e-mails e correspondências, todos redigidos em língua inglesa, o que me obrigou a ter um conhecimento mais amplo da mesma.

Com o tempo, adquiri uma certa habilidade no domínio dos dois idiomas, o que me permitiu começar a fazer serviços de composição e tradução de textos para essas empresas, em vista do farto material que sempre tinha à disposição. Mesmo assim, ainda me deparava com algumas expressões cujos significados não conseguia depreender. Isso me levou a tentar aperfeiçoar ainda mais esse "dom" que foi surgindo aos poucos, através da leitura de livros especializados, dicionários e quaisquer artigos relacionados ao tema da tradução.

Isso me permitiu ter, hoje, um dicionário particular Inglês-Português-Inglês, fruto das minhas memórias de tradução, quase do mesmo porte do Dicionário Houaiss de Português, isso em ambas as direções (infelizmente, economicamente inviável de se editar). No momento, estou desmembrando esse colosso em obras mais palatáveis ao pendor do mercado.

Como você foi encontrar duas edições de Ivanhoé?
Em pouco tempo, descobri quais eram os grandes personagens (numa época onde os recursos eram escassos) que marcaram e nobilitaram a tradução no país, dentre eles, o de Brenno Silveira. Como rato de biblioteca que sou, vivia em busca de encontrar, em sebos, os livros que tais pessoas verteram para o português, uma vez que tais obras, na sua grande maioria, já teriam caído em domínio público e, assim, seria mais fácil encontrar a versão original em inglês na Internet, para fazer uma comparação. Numa dessas visitas a um sebo, tive a felicidade de me deparar com uma tradução do livro Ivanhoé, de Walter Scott, feito por Breno (sic) Silveira, para a minha grande alegria.

Como você descobriu que as traduções eram iguais?
Ao começar a fazer o cotejo das duas versões, percebi que não estava aprendendo nada de novo, o que, para mim, era inconcebível no caso de uma tradução feita por uma pessoa do porte do Brenno. Foi então que resolvi confrontar com outra edição do mesmo livro, a qual eu já havia submetido a tal processo, mas só que traduzido por uma pessoa desconhecida, pelo menos para mim, nessa área de tradução.

O que você fez quando notou a identidade de traduções?
Enviei um e-mail para ambas as editoras que constavam dos registros de "copyright" do livro tentando saber quem, realmente, era o verdadeiro tradutor do livro em questão ou se tratava-se de uma fase tardia de “Alberto Caeiro, Ricardo Reis ou Álvaro de Campos” tentando chegar num, já famoso, “Fernando Pessoa”, ou seja, de um heterônimo às avessas.

Qual foi o resultado das suas investigações?
Recebi (de uma delas) como resposta que, pelo fato dessa editora ter passado por processos de reestruturação e incorporação por outras empresas, os arquivos contendo os originais que poderiam decifrar tal mistério estavam extraviados, ou seja, irremediavelmente perdidos.

Depois de uma boa troca de idéias, o Saulo me mandou cópias de algumas páginas. Confesso que não conferi de ponta a ponta, mas, para mim, é óbvio que se trata do mesmo texto.

O Saulo e eu nos fazemos duas perguntas:

A primeira é : quem é Roberto Nunes Whitaker? A Internet só nos diz que traduziu o Ivanhoé, mais nada.

A segunda pergunta é : por que não foi usado o nome de Brenno Silveira? Brenno Silveira é um dos mais conhecidos e respeitados tradutores do Brasil, o autor de um dos primeiros livros sobre tradução escrito no Brasil, “A Arte de Traduzir”, publicado pela Melhoramentos lá por 1954 e recentemente reeditado pela UNESP. Por que ocultar o nome de um ilustre tradutor, que só valorizaria a publicação? O que teria levado a editora a essa medida? Por que as mensagens do Saulo às editoras não foram respondidas ? Sei de tradutores e pseudotradutores que assinam traduções alheias, sei de tradutores que trabalham para mais de uma editora com nomes diferentes, sei de gente que assinou traduções com nomes supostos porque achava que ia prejudicar seu currículo se as assinasse com o nome verdadeiro. Mas nunca ouvi dizer que a obra de um tradutor famoso fosse republicada como se fosse de outro. Que se ganha com isso? Não deve ser dinheiro, porque o Brenno Silveira deve ter cedido os direitos sobre sua tradução à editora, como é praxe, uma praxe de que a maioria dos tradutores não gosta, mas, mesmo assim, uma praxe. Nesse caso, não haveria nada mais a pagar ao tradutor.

Se você tem alguma idéia das razões, deixe seu comentário aqui no blog mesmo. Os dados das duas edições são:

CÍRCULO DO LIVRO S.A.
Caixa Postal, 7413 - São Paulo, Brasil

Edição integral
Título do original: "Ivanhoe"
Tradução de Breno Silveira
Capa de Ballestar
Licença editorial para o Círculo do Livro por cortesia da Livraria Martins Editora S.A. (sem data)

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA
Rua Paes Leme, 524 – 10º andar
CEP 05424-010 - São Paulo - SP

(c) Copyright desta edição Editora Nova Cultural Ltda, 2003
Todos os direitos reservados
Título original: Ivanhoe
Tradução: Roberto Nunes Whitaker.

Se você tiver a edição da Martins, que aparentemente é a primeira e data de 1960, por favor, entre em contato comigo. Estou curioso como só um homem consegue ficar. E, claro, se houver algo errado em nosso raciocínio, não deixe de me avisar. Só queremos entender.

4 comentários:

Anônimo disse...

Meu caro, um dado apenas, como pequena contribuição: na reedição recente de "A arte de traduzir" (UNESP), a data de publicação (provavelmente a 1.ed) da tradução do Ivanhoé é 1951.

Ah, sem querer ser chato e, obviamente, sem demérito algum da obra do Brenno Silveiro, a primeira obra publicada no Brasil sobre tradução parece que foi mesmo a "Escola de Tradutores", cuja primeira edição data de 1952.

abraço
Mauricio

Unknown disse...

Realmente interessante, Danilo.
Está certo que os direitos autorais não seriam a causa mas, e a "fama", o estabelecer um nome no mercado?

Lina Cerejo

denise bottmann disse...

bom dia, danilo.
ainda estou meio em estado de choque com essa história. se os direitos retornam ao tradutor após o período de vigência e carência do contrato, e se ele vem a falecer, será que esse povo da nova cultural pensa que a trad. virou domínio público? pra que iria ocultar o verdadeiro nome? por causa da trabalheira de correr atrás de espólio, família etc., e não precisar encomendar nova tradução?
fiquei meio passada com isso - já são 3 ocorrências, e acho que se verificar toda a coleção vai encontrar mais coisa....
alguém teria que explicar o fato, e creio que deveria ser a própria nova cultural, não achas?
denise

denise bottmann disse...

ih, fiquei decepcionada. vi a msg do danilo levantando a lebre num egroup, vim atrás no orkut e no blog, escrevi para meia dúzia de editores e editoras, liguei uma pá de vezes para a nova cultural, mas parece que o assunto perdeu o interesse para os que supostamente seriam os maiores interessados, nós...
no orkut, pedi autorização desde ontem para participar da comunidade, necas de piritiba.
então nem sei por que levantar lebres para então deixar o dito pelo não-dito....
denise