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domingo, 3 de janeiro de 2010

A tradução está uma porcaria. Culpa de quem?

Amanhã, com mais gente de volta ao eito, volto ao ritmo normal, com a primeira análise do segundo “você decide”. Hoje, vou falar deste artigo de outro blogue  que me foi apontado pela Kelli, depois de ler sobre ele na 50302. 

O objetivo, aqui, não é defender quem traduziu. Todos nós sabemos que tradutor ruim tem em penca neste mundo - e não só no Brasil. Em vez de descrever o objetivo, vou logo ao assunto e, quem sabe, este artigo fala por si próprio — como, aliás, deveria falar — e dispensa aquelas descrições do tipo “este trabalho tem por objetivo…”.

O texto analisado pela Rosana Hermann é um livro assinado pelo Steve Jobs. Digo “assinado”, porque, assim como muita tradução assinada por Fulano de Tal foi feita por Beltrano de Qual, o que tem de texto fantasmagórico por aí não é pouca coisa. A Rosana leu o livro em português, numa tradução publicada pela Agir e detestou. Sentou a lenha e os comentaristas acompanharam, incluindo uma comentarista, que se assina Marcela e diz ser tradutora e parece ser mesmo.


Falha minha, apontada pela Adriana Morgan: já na capa do livro diz que não é do Jobs. Mas o meu erro não altera o valor dos comentários abaixo. 

Um dos meus bordões prediletos é que nem toda deficiência encontrada numa tradução é uma deficiência de tradução e nem toda deficiência de tradução é de responsabilidade do tradutor. Uso “deficiência”, aqui, como termo genérico para “erros e outras barbaridades”.

Muitas dessas deficiências estão no original e nós somente traduzimos a bobagem que o autor disse. Não nos cabe o dever de transmutar lixo em ouro — e muitas vezes nem que quiséssemos seria possível. Quem de nós ainda não foi condenado por alguma besteira contida em nosso serviço e que estava no original? Eu já fui, mais de uma vez. Uma vez, tomei uma cacetada de um cliente porque “a tradução era inservível”. Era, de fato. Mandava fazer uma porção de coisas que, aqui no Brasil, não se fazem. Mas quem tinha mandado fazer não era eu, era o raio do presidente da empresa, nos EUA. Quer dizer, você só pode saber se a tradução está bem feita se comparar com o original.

Se a tradução estiver errada, pode ser erro do tradutor, mas pode também não ser. Por exemplo, quando eu traduzia para a Westinghouse, fazendo coisas para a Companhia do Metrô de SP, era obrigado a usar a terminologia oficial e padrão, que mandava traduzir public address system por sistema de endereçamento ao público. Horrível, não é? Mas eu era obrigado a usar, era o termo oficial. Algumas editoras têm regras obrigando e proibindo o certos usos e revisores que ajustam qualquer tradução a essas exigências. Ah, antes que me esqueça, revisores também os há bons e maus: muitos corrigem erros e melhoram traduções, outros, nem tanto.

Claro, pode ser — e muitas vezes é — burrada de quem traduziu. Mas é importante definir as responsabilidades direitinho.

Os comentários variam muito de qualidade, o que não é de surpreender. O mais divertido, na minha opinião, é o da Marcela, que se diz tradutor e afirma que 
pior que traduzir no Google são as chamadas “ferramentas de tradução” ou “memórias de tradução” – leia-se Trados, CAT e afins, que nada mais são que “google translators” com licença paga e que por serem “mecânicas” pouco sabem diferenciar entre um “blue” de “azul” e um “blue” de tristeza ou um “out of de blue” de “inesperadamente”.
 O profundo desconhecimento que a Marcela revela do que sejam ferramentas de tradução é lamentável, embora muito comum. O pior é que mesmo nas faculdades haja quem pense assim. Mas isso é assunto para outro artigo, que este já está longo demais e eu preciso trabalhar.

16 comentários:

Maria Farinha disse...

Excelente, Danilo! Eu nao conseguiria dizer o que você disse de forma tao clara.

Jamie Barteldes disse...

"Não nos cabe o dever de transmutar lixo em ouro — e muitas vezes nem que quiséssemos seria possível."

Exatamente. Embora a tentação seja grande.

Deus...ainda tem quem fale mal das CATs! Parecem secretárias antiquadas defendendo a máquina de escrever com unhas e dentes.

Jamie Barteldes

Danilo Nogueira disse...

Caso você não saiba (eu não sabia) a "Maria Farinha" é a minha comadre Frau Dr. Renate Müller, que, durante grande parte de sua vida adulta, oscilou entre a medicina e a tradução médica.

Por algum motivo, criou esse perfil no Google enquanto morava na Suécia. Hoje, mora na Alemanha e continua ativa como azougue.

É minha comadre no sentido estrito da palavra, porque é madrinha do meu filho.

Anônimo disse...

Danilo, o livro não é de autoria do Steve Jobs. É de Leander something (agora não dá pra procurar, desculpe).

Adriana Morgan

denise bottmann disse...

geeez...

Ernesto Diniz disse...

Ótimo texto, Danilo. Às vezes o grande problema é assumir os erros enquanto tradutor e delimitar bem as responsabilidades dentro do trabalho. A equação tempo e qualidade, junto com a experiência (ou falta de) do tradutor quase sempre é complicada de equilibrar. Mas, realmente, reduzir as CATs a "imitação de Google Translator" é total falta de informação.

Abraços de ano novo.

Carol_Fernandes disse...

Danilo,

Fui buscar o site do Carlos Nougué e acabei encontrando outras informações. Encontrei uma resenha de um professor de literatura sobre a tradução de Carlos Nougué e do José Luis Sanchez do livro El Ingenieso Hidalgo de La Mancha.
Ele questiona muitas das decisões dos tradutores, como todos fazem sem saber das tantas decisões que tem que ser tomadas em tão poucos minutos, as vezes. Lógico que não foi o caso deles.

Para quem tiver interesse, entre no link abaixo para ler a resenha.

http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/101094

Carol_Fernandes

Danilo Nogueira disse...

O comentário da Carol foi postado a este artigo, mas deveria estar no da ABRATES. Vai ser repostado a unha por lá. Obrigado à Carol pelas informações.

Danilo

Marocca disse...

Eu que acabei de sair da faculdade sei bem a opinião que as pessoas tem sobre CAT. Muitos colegas nunca tinham ouvido falar, e a maioria dos que tinham ouvido preferia nem conhecer justamente por pensar que eram tradutores "automáticos"...
Alguns ainda que experimentaram o Wordfast ficaram frustrados por saber que eles próprios tinham que inserir as informações para montas a memória de tradução, achavam que daria muito trabalho e que seria a mesma coisa que usar o Word.

Eu não me arrependo de ter procurado saber o que é, de ter, como a Marcela disse "a licença paga". O MemoQ salvou minha vida nos últimos meses, e sei que vai continuar me ajudando na produtividade daqui para frente!

Mariana Passos

Aline Silva Dexheimer disse...

Oi Danilo,
Achei ótimo o que tu escreveste.
Muita coisa pode ter acontecido entre o que o tradutor escreveu e o que foi revisado. Já soube de revisores que "acham" melhor alterar termos e palavras e mudam o texto do tradutor, sem ao menos ele tomar conhecimento. O tradutor nem vê o trabalho depois de revisado!
Tudo bem que tem coisas meio feinhas que Rozana citou, mas acho que a crítica só seria mais positiva com a leitura completa da obra original para que a comparação com a traduzida fosse realizada (na minha modesta opinião).
Tem vezes também que o texto original é muito ruim! E nestes casos? O que se faz?
Como tradutores aprendemos que devemos ser fiéis aos autores e que não devemos omitir, acrescentar ou sequer tomar liberdades com o texto alheio! E se o tradutor deste livro foi bem-sucedido ao passar um texto ruim em Inglês para um igualmente ruim em Português! Então, neste caso, não foi um bom tradutor? Ou talvez, pensando melhor ou nas citações, o erro do tradutor pode ter sido quando não soube adaptar "as porcarias" numa forma que soasse ruim, tal qual o original, no entanto que ficasse notório que a culpa foi do escritor do maldito livro e não do pobre tradutor!

Rabiscos em colcha de retalhos disse...

Caro Danilo, esta é minha primeira participação ativa, embora há meses leia o blog de vocês (interessantíssimo e altamente importante para mim). Quanto ao post, adorei o texto, o qual reflete o meu cotidiano e dos meus companheiros na empresa em que trabalho. Nós quatro recebemos cartas horríveis para traduzir do russo para o português e vice-versa, as quais parecem ter sido escritas sabe Deus lá por quem. Por outro lado recebemos textos maravilhosos, cartas e outros documentos realmente muito bem escritos. Às vezes recebemos elogios, muitas outras somos atacados por críticas ferrenhas de pessoas que não entendem "como a qualidade do nosso trabalho pode variar tanto"...

Diego Oliveira

Carlos Irineu disse...

Do Carlos, "o tradutor em questão"...
Danilo & Kelli, queria agradecer pela atenção que vocês dedicaram ao assunto "Jobs" e, em particular, queria agradecer o comentário gentil que a Kelli deixou no blog onde saiu a resenha / crítica.
O livro obviamente não foi traduzido com o Google Translator e as ferramentas de CAT também não estão em questão.
Creio que o problema essencial que está em questão é que existe um "mercado", com normas, prazos e critérios. Não apontaria um dedo tão "feio" para esta tradução do "Jobs & Apple segundo Lenader Kahney": o livro, a tradução e a edição brasileira têm muitos méritos.
Seria fácil, para mim, escrever uma resenha comentando o que mudou para melhor na edição brasileira, assim como também seria fácil procurar todos os problemas que se devem, por vezes, a dificuldades com o original, ou com encontrar soluções fluidas para um assunto semi-técnico sendo abordado por um jornalista.
Creio já ter falado mais do que seria razoável sobre um único livro e acho, de toda forma, que a resenhista se excedeu ao classificar como "um lixo" elementos tão díspares como a capa, a diagramação, a tradução. Também penso, por outro lado, que ela pode não gostar do livro, eu só não sei se "não gostar" é o mesmo que "ser um lixo".
Eu repito aqui o que disse lá: meu maior crítico continuo sendo eu mesmo. E mantenho, sempre, respeito pelos trabalhos que aceito e respeito pelos trabalhos dos outros, pois nunca sabemos, como Danilo bem observou, as condições exatas em que cada livro foi produzido.
O que comentários e crítica nos trazem de bom, quando focados e embasados, é a possibilidade de fazer com que os editores notem a importância de toda a cadeia de produção de um livro e cuidem bem do processo, no sentido amplo.
Para quem quiser ler um comentário mais extenso a respeito disso tudo, há um texto no meu site, www.doppelganger.com.br.
Obrigado outra vez a todos,
abraços,
Carlos Irineu

Danilo Nogueira disse...

Obrigado pelo comentário, Carlos Irineu. Diga-se de passagem que sequer abri o livro e, portanto, não posso dar parecer sobre o trabalho. Meu comentário se restringiu a analisar a diferença, que me parece muito importante, entre "deficiência encontrada na tradução" e "falha do tradutor"

De resto, como você bem aponta, em termos mais elegantes, a moça lá meramente deu um grande esporro geral em vez de fazer uma análise detida do assunto. Aproveitei o comentário para falar sobre algo que muito me interessa profissionalmente: quais são as reais reponsabilidades do tradutor. Ainda volto ao assunto.

Unknown disse...

Danilo, muito querido, e Carlos Irineu, que estou conhecendo agora, desculpem, mas tem alguma coisa nos comentários de vocês que não está batendo com a crítica da blogueira e me deixa sem entender a discussão.

Danilo, que original ruim justificaria o português desse trecho abaixo, um dos citados na crítica?

“…o Macintosh SE, um NOTÓRIO computador AUTOCONTIDO que hoje em dia é VÁRIAS VEZES USADO como VIVEIRO de peixes. Sem coragem de jogar fora suas máquinas adoradas, MUITOS DE SEUS POSSUIDORES as transformam em aquário!” (as maiúsculas são da blogueira)

Carlos, o que tem a ver "encontrar soluções fluidas para um assunto semi-técnico sendo abordado por um jornalista", palavras suas, com o discurso ruim do mesmo trecho acima?

A blogueira, Rosana, foi clara:

"Não reconheço minha própria língua no texto que estou lendo." Palavras dela.

Não entendo com uma crítica à redação de um livro, cujo português estava tão ruim, segundo a leitora/blogueira, que retirou dela o prazer de lê-lo (e de que mostrou exemplos objetivos), passou para uma crítica à tradução em seu cotejo com o original.

Não li o livro, mas, como já disse em outras praias, se os trechos destacados na crítica forem exemplares do restante, a coisa mais gentil que se pode dizer a respeito é que, à tradução, faltou espontaneidade.

Mantenhamos o foco. Caso contrário, todos perderemos um bom momento para reflexão.

Ricardo Souza

Danilo Nogueira disse...

Ricardo Souza, obrigado pelo comentário. Não perdi o foco, embora talvez não tenha sido tão claro quanto devesse.

Tudo o que quis dizer, e que mantenho, é que falhas num texto podem ter muitas origens e é errado atribuir todas elas, assim, de plano, ao tradutor.

Ontem mesmo (Jung explica) recebi uma cópia de uma tradução nossa, (feita por Kelli e mim) que tinha passado por dois revisores e apresentava vários erros de ortografia. Apavorado, fui conferir: os erros foram introduzidos DEPOIS de entregarmos a tradução. A agência está investigando quem fez a besteira. Nós é que não fomos — e tenho prova!

Quer dizer, os trechos que a blogueira mencionou são maus? São! Quem é o responsável pela barbaridade? Só podemos saber analisando o original, o material que foi entregue pelo tradutor e o que foi feito por cada um dos revisores. No caso, provavelmente não tem muito que ver com o original. Mesmo assim, é importante conferir tudo.

Não se trata aqui de dizer que todos somos grandes tradutores, você, eu e todos mais sabemos que não. Além disso, até bons tradutores fazem besteira. Mas trata-se de deixar claro que somos somente um dente da engrenagem e que nem sempre o criminoso somos nós.

Unknown disse...

De nada, Danilo. E você foi claro sim, como de praxe. Porém, infelizmente, clareza de quem escreve nem sempre é garantia de certeza para quem lê, principalmente se os fusíveis do leitor estiverem um tanto queimados, o que é bem o caso.

Por isso, não se zangue, darei uma última pancadinha na tecla do desvio do cerne, mas prometo que será a última, salvo alevantar de clamor mais alto ou solicitação masoquista em contrário.

Talvez por razão das áreas de onde vem a maior parte de meu trabalho, áreas tecnológicas, é forte em mim a noção de que o que é objetivo deve ser tratado objetivamente, justamente o contrário do que está acontecendo com a crítica objetiva da blogueira Rosana ao discurso arrevesado (segundo ela) em português de um livro que leu.

Quando alguém critica objetivamente a redação em português de meu trabalho, tenho, como profissional, duas opções: detecto o erro como meu, peço desculpas, vejo se há o que fazer a respeito e mantenho a cabeça baixa até a onda passar; abomino o erro como meu, recuso a exprobração, fundamento a recusa e peço ao exprobrante que aponte suas baterias em outra direção. Até o momento, não se fez nem uma coisa, nem outra. Ao invés disso, o eixo da discussão foi deslocado do português ruim para a tradução ruim, caso clássico de cuecas virando calças, o que, além de desconfortável, é socialmente vexatório.

Assim, se o colega Carlos Irineu e sua parceira de faina, a colega Maria Helena, acharem por não bem rebater publicamente as críticas públicas que receberam, não o façam, estão no direito, e que administrem posteriormente o ônus, se houver, da omissão. Contudo, se decidirem pela rebatida, acredito que esta deva ser reta, direta e centrada no fulcro da crítica, qual seja, o português ruim.

Da mesma forma, quem quiser dar pitaco na questão, como nós, tem que manter o mesmo foco. Qualquer outra discussão é circunlóquio, daqueles que dão labirintite e deixam a gente sem entender de onde viemos e para onde vamos, e isso, convenhamos, é ruim pra chuchu.