Uma tradutora conhecida minha disse que quando pegava serviço mal pago, picaretava. Como justificativa, afirmava que não valia a pena trabalhar direito a 3 centavos por palavra.
Complicado, isso. Faz lembrar da história daquele cozinheiro de restaurante que, por ser mal pago, cuspia na comida. O dono continuava pagando pouco, o cozinheiro continuava recebendo pouco: quer dizer, não adiantava nada. Mas o infeliz que comia no restaurante, coitado, que não tinha nada que ver com o peixe, comia comida com cuspe. E quem come a nossa comida não é nem a agência nem o cliente da agência, mas sim o leitor. Quer dizer, pagam os inocentes pelos pecadores.
Entendo a posição dela – e que dá vontade de dar uma bela duma picaretada na tradução, lá isso dá. Mas, independentemente do problema ético, vem lá um problema estratégico.
Minha estratégia é diferente: faço uma força enorme para conseguir mais um tostão por palavra mas e, muitas vezes, recuso o serviço porque acho o preço baixo demais. Porém, quando aceito, faço sempre o melhor que posso.
A maioria (quer dizer, muitas mas não todas) as agências não está muito disposta a pagar um tostão a mais por qualidade, mas, mantido o preço, procuram primeiro quem possa fazer no prazo e, em seguida, quem tenha a melhor qualidade. No quesito prazo, a gente nunca sabe. Hoje você pode atender, amanhã talvez não possa. Então nem é bom pensar.
Se puder, certamente, a agência vai preferir o melhor tradutor disponível –mantido o preço. Quer dizer, num primeiro momento, trabalhar bem granjeia mais serviço. E, claro, mas convites para próximos serviços. E assim, aos poucos, você enche o seu tempo todo. E aí chega a hora de recusar serviço com preços menores, ou dos que demoram para pagar, ou dos que são chatos demais da conta. E, claro, quando surgir algum serviço que exija mais responsabilidade e pague mais, vão procurar quem?
Nunca esqueça que, quem avalia uma tradução jamais leva em conta o quanto foi pago. O cliente não diz, essa infeliz recebeu três centavos por palavra, o que você esperava? Diz quem foi a irresponsável que fez esse serviço porco? Nós pagamos isso?
Para finalizar, eu acho que cuspir na comida é coisa de porco, mesmo. Tem dó! Coisa nojenta!
3 comentários:
Olá, Danilo. Eu sou revisora e adoro o seu blog. Alguns assuntos acabam valendo também para a minha profissão e mesmo aqueles específicos me trazem algo de interessante. E esse post me fez lembrar de uma discussão sobre o mesmo assunto num curso de revisão que fiz. A professora também era tradutora e falou sobre isso, de pagarem pouco e o trabalho ser feito "de qualquer jeito". Ganhando pouco ou muito, no fim das contas, é a nossa imagem como profissional que permanece.
Um grande beijo e parabéns pelo blog,
Cássia
Bom dia, Danilo
Descobri o blog ha' pouco tempo, e desde então tenho feito constantes visitas.
Gostaria que você escrevesse um pouco sobre o mercado para os tradutores de lingua não inglesa, como o francês, espanhol etc..
Abraços
Olá, Danilo. Inspirei-me na sua pergunta para um artigo em meu blogue.
Você tem toda razão. Nem o leitor e nem mesmo o cliente têm culpa se aceitamos os valores que nos oferecem.
Abraço,
Pablo
http://cadeorevisor.wordpress.com
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