Tenho uma conhecida, a Mary que nasceu na anglofonolândia, aquele aglomerado de países onde as criancinhas falam inglês desde bem pequenininhas. Essa minha conhecida não perde a mais leve chance de lembrar que sua língua-mãe é o inglês e, ipso facto, é autoridade no assunto. Leu algumas traduções para o inglês feitas por brasileiros e morreu de rir com o tupiniquinglish.
Dessas observações, tirou algumas conclusões válidas e outras nem tanto, porque baseadas em generalizações exageradas. Como esse assunto é discutido tão freqüentemente onde quer que se reúnam pessoas interessadas em tradução, deixa eu cá dar meu palpite.
Minha conhecida tem, de fato, um inglês impecável, embora os ingleses mesmo provavelmente torcessem o nariz para uma que outra construção que ela usa, assim como os portugueses torcem o nariz para torneios de frase que, para nós brasileiros, parecem perfeitos. Fosse ela inglesa, seriam os americanos, canadenses e o que mais seja que achariam algumas das frases dela algo estranhas.
Nem todos os nascidos na anglofonolândia, entretanto, escrevem bem. Lá como cá, há uma cambada de semi-analfabetos que dá dó, fato suficientemente discutido na imprensa de lá, e não é de hoje. Quer dizer, a Mary escreve bem porque estudou e se esforçou por aprender a escrever bem e porque tinha talento para tanto, não por ter nascido lá. É fato indiscutível que quem nasceu do lado de cá jamais pode esperar atingir a perfeição no inglês, mas também é indiscutível que o ter nascido lá não garante nada.
A Mary morre de rir do tupiniquinglish, e não sem razão. Nenhum de nós brasileiros vai jamais dominar o inglês perfeitamente. A maioria dos brasileiros que acha que tem inglês perfeito tem mesmo é falta de autocrítica.
Lamentavelmente, para o cliente brasileiro, que sabe pouco inglês, o tupiniquinglish parece bem melhor que o inglês mais autêntico e essa turma tem serviço adoidado. Sei de uma história divertidíssima de uma empresa onde uma tradução esmerada, de um colega nosso nascido e criado na Inglaterra, com um inglês magnífico e sólidos conhecimentos de português, foi reescrita pela diretoria da empresa em tupiniquinglish, que eles achavam mais claro e correto.
Por outro lado, o estrangeiro que traduz do português muitas vezes não entende o original suficientemente bem e escreve umas coisas estranhas, que o autor nunca pensou em dizer. Já vi isso mais de uma vez. A Mary mora aqui e sabe das coisas, mas, principalmente na Europa, tem uma turma que estudou francês na faculdade, pegou espanhol como segunda opção, acha que sabe português porque passa as férias no Algarve e vem traduzir português brasileiro. As interpretações dessa turma são muito divertidas.
Por fim, e para não me estender demais sobre um assunto do qual já tratei mil vezes, sempre existe o risco de contaminação. Quer dizer, se o cara não for bom, mesmo, se não for firme na sua língua materna, vai acabar deixando o português contaminar seu inglês e vai escrever tupiniquinglish como nós.
Quer dizer, ter nascido lá é uma indicação, mas não uma certeza.
Meu computador primário está em manutenção e estou escrevendo do reserva. Às vezes fica complicado, mas eu não desisto fácil.
2 comentários:
E ainda tem o cliente que vira pra você (e isso me aconteceu semana passada) e pede o seguinte:
- Olha, usa só palavra fácil, hein? Tenho que fazer essa apresentação em inglês, e você sabe, meu inglês é pessimo. Não capricha no vocabulário.
Que tal?
;-)
Passeando pelo blog em busca de algo que encontrei aqui a algum tempo e encontrei isto. Hum. Sei não. Esse pessoal do Caribe anglofônico devia pensar duas vezes antes de sair dizendo "sou falante nativo de inglês". Pelo menos aqui na região, não é novidade pra ninguém que o inglês lá é na verdade uma segunda língua, e que a primeira língua mesmo é algum tipo de crioulo. Você reconheceria expressões como "Wah gwan?" "Ah who she?" "Meh deh ya town" "Ah no me dat" "Mi bredda deh pon de beach" como inglês? Se, sim, então tá, pra você a primeira língua deles é inglês. Só que se trata de um "inglês" que uma pessoa inglesa não entenderia, a menos que tivesse tido algum contado para apreder.
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