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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O encontro da Casa das Rosas - 1

Este é o primeiro dos artigos sobre a Reunião da Casa das Rosas a respeito de direitos autorais dos tradutores. Não tenho a pretensão de resumir e aclarar tudo o que se disse lá em mais de duas horas de conversa. Entre outras coisas, como não traduzo para editoras nem muito menos literatura, algumas das coisas que lá se disseram acabaram por me escapar. Houve, por exemplo, umas tantas referências a personagens do mundo editorial, do tipo “como fazia fulano lá para 1980” que, para mim, não significam nada.

O ponto baixo da encontro, a meu ver, foi o nome: “Direitos autorais do tradutor literário”. Achei excludente e descortês para com a arraia miúda, gentinha como eu — e talvez você — que não reside no Olimpo dos que traduzem literatura, mas se acomoda no Ossujo da tradução não literária, muitas vezes chamada “tradução técnica” e que também somos filhos de Deus e São Jerônimo. A própria Denise Bottmann não traduz literatura, mas, aparentemente, foi considerada tradutora literária honoris causa.

Discuti o ponto com a Denise em particular. Ela discordou de mim, apresentou uma porção de razões, mas eu continuo achando que está errado. Errado porque quem traduzir obra protegida pelos direitos autorais é protegido pela legislação de direitos autorais, qualquer que seja o conteúdo da obra e é isso o que se discutia na Casa das Rosas. O fato de que o centro da discussão foi a saga da Lenita Esteves com  a Martins Fontes pelos seus direitos com respeito a “O senhor dos anéis” é acidental. Tudo o que lá se disse se aplicaria igualmente a uma tradução do “Manual de recauchutagem de pneus”, feita por Tradubaldo Trocaverbo, ou outro zé-ninguém qualquer. Por uma palavra, perderam a chance de unir mais a classe em torno de uma bandeira que é de todos nós.

Aquela era uma reunião para discutir uma questão jurídica: o que a lei concede a quem traduz um texto protegido pela legislação de direitos autorais. Bem por isso, a primeira a falar foi uma advogada, a Dra. Patrícia Luciane de Carvalho, que lançou, de maneira muito clara e didática, os alicerces da discussão. Muito do que se falou depois teria ficado difícil de entender. A fala dela foi a moldura do quadro.

Depois, falou Lenita Esteves, contando sua saga com “O senhor dos anéis”. Não li nenhum dos livros, não assisti o filme, por isso, algum detalhe me escapou, mas amanhã vou tentar resumir para você o que ela disse, antes que eu passe o dia escrevendo para o blogue. E, também, você não vai ter tempo de ler tanta coisa assim hoje.

13 comentários:

Bárbara disse...

Oi, Danilo! Meu nome é Bárbara e eu conversei com você depois da mesa redonda na Casa das Rosas na terça-feira. Acho muito interessante a gente discutir qual é (se é que existe) o direito do tradutor técnico. Sou novata na profissão, trabalho em uma agência de tradução e tenho certeza de que meu nome não aparece em nenhuma tradução que eu faço, desde os vários manuais de todos os tipos de aparelhos até os textos de revistas. Acho que é hora de olhar de novo o contrato com a empresa, rs. Amanhã volto para ler mais sobre o que foi discutido na Casa das Rosas. Abraços!

Danilo Nogueira disse...

Oi Bárbara, bom ver você aqui, comentando. Blogue sem comentário é bobagem.

Joana Canêdo disse...

Bom dia Danilo,
Gostaria de dizer que foi um prazer conhecê-lo pessoalmente na Casa das Rosas. Concordo com você quanto a não limitar o problema do direito autoral às obras literárias. Mas só como pequena observação para os que não conhecem, o evento foi promovido pela Casa Guilherme de Almeida, que é focada em estudos de tradução literária. Mas certamente no evento da ABRATES a coisa deve ser discutida de maneira mais ampla, certo? Pena que não poderei estar lá pessoalmente, mas continuarei acompanhando todas as discussões.
Abraço,
Joana
ps - lembro também que a Lenita Esteves conta o caso dela em detalhes no Translation Journal (Volume 9, No. 3, July 2005), em inglês.

Danilo Nogueira disse...

É o argumento da Denise, Joana. Mesmo assim, tendo ouvido vocês duas, senti-me excluído sem necessidade e creio que mais de um tradutor não literário deixou de ir, quando poderia ter ido e dado sua contribuição.

Algo como se eles promovessem um seminário sobre ortografia em geral e chamassem de "ortografia para poetas". Seria válido se fossem somente os problemas ortográficos específicos dos poetas — se é que isso existe.

Um tostãozinho de elitimo, Joana, talvez houvesse que reconhecer.

denise bottmann disse...

quaquá, adorei o "literária honoris causa"! tem razão, danilo. o "literário" em sentido lato tem muito essa coisa de abranger literatura e as áreas humanísticas em geral, deixando de lado o técnico, o comercial, o financeiro, embora também em larga proporção protegidos pela lda. mas vc tem que reclamar com a casa das rosas, não com a gente, né, querido? e, mágoa por mágoa, também fico triste com um monte de palestras e seminários mais técnicos que parecem esquecer o literário ;-)

adorei te conhecer pessoalmente - pena que foi tudo meio rápido. seria ótimo arranjar uma salinha e juntar as pessoas para conversar, não acha?

quanto à exposição da lenita, achei importante saber que afinal foi sacramentado um acordo entre as partes (um dos problemas da imprensa é a "descontinuação" das notícias...)

abraço bloguístico e muito obrigada pela oportunidade de lhe dar um abraço em carne e osso!

Danilo Nogueira disse...

Ah, não Denise, eu não estou reclamando com você, porque seria tão imbecil quando aquela velha louca que outro dia criou um caso no caixa do banco porque o dinheiro que ele deu para ela (a pensão do INSS) era insuficiente para ela viver bem. Você não tem nada com isso.

E eu não sou contra os eventos para tradutores literários. Só acho que este não era para tradutores literários e estava com o nome errado.

Quanto ao abraço em carne e osso, sim, foi ótimo e a recíproca é mais que verdadeira. Mas você esqueceu de que este seu amigo é composto de carne, osso e uma quantidade enorme de banha.

Jules disse...

A meu ver, o que faltou foi um bom trabalho de mediação pra mesa-redonda: alguém que orientasse o pessoal a não sair pela tangente, a se ater ao assunto em pauta, o que aproveitaria melhor o tempo, e que também guiasse os participantes a fechar o assunto, a juntar as pontas, dentro das possibilidades. Ficou tudo muito solto.

E também acho tola a divisão "tradutor técnico"/"tradutor literário". Acredito que a primeira coisa a se fazer para que ela deixe de existir é, paradoxalmente, fingir que ela não existe - todo mundo deveria se tratar de igual para igual, sem ressentimentos e sem pré-julgamentos, de ambos os lados.

Acho curioso que todo mundo sempre pense em tradutor "literário" (no sentido amplo de "tradutor de livros", não necessariamente de ficção) por ser o mais "visível" (porque seu nome aparece -- e nem sempre! -- nos livros) e ignore completamente que está rodeado de coisas que só existem pelas graças dos tradutores "técnicos" (manuais, textos em inúmeros meios de comunicação, adaptação de novas tecnologias etc.)

Bete Köninger disse...

Jules, acho importante você mencionar essa "invisibilidade" do tradutor em tantas áreas. A mim parece absurdo que até hoje a imprensa publique artigos de autores estrangeiros sem dar sempre crédito ao tradutor (e não falo só da imprensa brasileira). Há pouco li uma tradução excelente de uma crônica de um autor americano numa revista conceituada, mas o nome do tradutor não estava nem no início, nem no fim do texto e nem nos créditos do expediente, onde devia ter até nome do cara que faz café na redação. Triste.

Reginaldo disse...

Vale comentar que sempre me divirto muito com os nomes próprios do Danilo: Ossujo, Tradubaldo Trocaverbo, etc.
Abraços

denise bottmann disse...

jules: "ignore completamente que está rodeado de coisas que só existem pelas graças dos tradutores "técnicos" (manuais, textos em inúmeros meios de comunicação, adaptação de novas tecnologias".
o divisor é estabelecido por convenção internacional, jules: o princípio básico é que a tradução é juridicamente portadora de direito autoral quando a obra originária também o é. a "transmissão", digamos assim, do DA se dá por um dos direitos patrimoniais vinculados à obra originária, que é o chamado "direito de tradução". quando o detentor dos direitos da obra originária negocia o direito de que sua obra seja traduzida, o DA passa a proteger a obra que, pela tradução, derivou daquela obra originária.
mas não se preocupe, jules, todos nós, tradutores literários e não literários, temos plena consciência da identidade que nos une no ofício...

Jules disse...

Ah, sim, Denise, eu não fui muito clara: entendo perfeitamente que existe essa diferença quanto a proteção de direitos autorais entre os técnicos e os literários. Na verdade só citei a tal invisibilidade para completar o que eu havia dito sobre a tal animosidade velada entre os dois grupos. Mas foi bom, porque você falou no assunto, e seus esclarecimentos são sempre bem-vindos. (Sou a Juliana Lemos, aliás; falei contigo no fim da palestra, não sei se você vai lembrar).

denise bottmann disse...

ah, que legal, juliana, claro!

a gente tem que somar, não dividir, não esvaziar, não "animosar", não é verdade? os problemas estão lá fora, e só faltava agora os tradutores ficarem pegando no pé uns dos outros, em vez de focar a atenção no que importa.

foi uma alegria te conhecer.

Jules disse...

Bete, perdão, não tinha visto seu comentário ao vasculhar minha maçaroca de feeds. Sim, é triste não ver o nome do tradutor. Acho que adoraria ver o nome do tradutor em tudo, não só livros, desde que ele quisesse, é claro, e desde que fosse de comum acordo entre ambas as partes (cliente/tradutor).