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quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Você decide – traduzir ou não traduzir? - meus comentários

Antes tarde do que nunca, estou voltando a este Você decide, para meus comentários finais, o que não significa que você não possa fazer mais um comentário, se quiser: sempre é tempo. O artigo foi mais uma vítima das famosas festas de fim de ano. Acho que você deveria ler o artigo inicial e os comentários, que estão aqui, antes de continuar com este texto.

A maioria do pessoal optou por traduzir “na bucha”, como diz a Raquel, em caso de simultânea, com alguns dizendo que, em caso de consecutiva, pediriam confirmação do orador. Resumidamente, os comentaristas afirmam que o conteúdo e forma da mensagem são de responsabilidade do orador e sua transmissão é de responsabilidade do tradutor-intérprete e que cada um deve cumprir com suas responsabilidades, com o que concordo.

Muitos intérpretes não concordam e, tanto neste caso, quanto no caso que ocorreu na África, que comentei aqui, como no caso da “merda”, que ocorreu algo mais tarde, creio que os intérpretes erraram. Erraram, não só por subirem além do sapato, arvorando-se em censor do orador, mas também por sua ingenuidade, achando que poderiam tapar o sol com uma peneira, porque, mais dia ou menos dia, a verdade aparece.

O Renato Motta lembra a necessidade de proteger o vínculo de confiança que deveria haver entre tradutor/intéprete e leitor/audiência, o que me parece muito sensato.

A história da consulta ao orador em consecutiva me fez imaginar a cena, aí já na história da merda, onde, mais uma vez, um intérprete, dessa vez de LIBRAS, censurou a palavra do presidente. Imagine a situação, o  orador dizendo Senhor Presidente, o senhor falou em "merda". Devo traduzir como “merda” mesmo ou não seria melhor usar um termo, digamos, mais palatável para a audiência? Sendo nosso presidente quem é, mal posso imaginar a resposta. Nem, muito menos, a festa que a imprensa faria no dia seguinte: depois de uma breve cochichada com Lula,…

No caso do estupro, fico imaginando a cara do americano ao ouvir um intérprete conferenciando com o candidato e, depois, “pulando o pedacinho”.

Um dos comentaristas disse: Não vejo como encarar essa questão (ou qualquer outra) sem contextualizar, nem observar os aspectos políticos. Estabilidade do país, liberdade de imprensa, pluralidade de opiniões na imprensa são relevantes.

O comentário é relevante e merece uma resposta separada. Primeiro que o contexto foi dado, não só por mim como pela imprensa e não foi negado por ninguém. A única dúvida era se o Presidente galhofava ou tinha de fato falado a sério e essa variável mereceria análise mais profunda. Não vejo como a liberdade de imprensa tenha algo que ver com a situação: intérprete não é jornalista.

Quanto à estabilidade do pais estar nas mãos (ou na boca, se quiserem) de um intérprete, há uma história holandesa famosa, do menino que, tendo visto água escorrendo por um buraco em um dique, tampou o furo com o dedinho, até que chegasse socorro, assim tendo salvo o país de uma inundação. A história é bonita, graciosa, daquelas coisas que, na minha infância, os pais contavam aos filhos para lhes instilar o senso de responsabilidade e dever individuais. Mas é uma lenda. Não há como um menino pudesse tampar com o dedo um furo em um dique que pudesse ameaçar a segurança da Holanda. 

Antes que seja mal interpretado: não sei se essas coisas que nosso presidente diz em seus discursos ameaçam a estabilidade do país, mas tenho certeza de que, se ameaçarem, não vai ser o intérprete que vai salvar a pátria censurando as palavras do presidente.

Por hoje é só. Amanhã tem mais.




6 comentários:

Raquel Schaitza disse...

Danilo,

Só a minha visão muito particular sobre o caso antigo da omissão do comentário do Lula na Namíbia.

O intérprete que acompanha o presidente desde sempre é super hiper experiente e competente, além de prá lá de escolado nos meandros dessas visitas oficiais e tudo que as rodeia.

Nunca perguntei pessoalmente ao Sérgio Xavier, o intérprete em questão, mas tenho certeza que ele pensou algo mais ou menos assim: "o presidente está querendo fazer um elogio e cometendo um ato falho, vou traduzir até onde foi o elogio pretendido. Tenho certeza absoluta que a imprensa vai se encarregar de divulgar aos quatro ventos as palavras exatas e todos saberão, na Namíbia, no Brasil e além. Isso não ficará sem tradução para sempre, mas não vou criar um incidente diplomático aqui e agora".

Acho que ele deu a cara a tapa muito conscientemente. Mais uma entre as milhares de decisões que um intérprete tem que tomar numa fração de segundos e aguentar as consequências.

Raquel Schaitza

Danilo Nogueira disse...

Tenho certeza de que foi isso que aconteceu, Raquel, mesmo sem conhecer o intérprete. Amanhã, vou escrever sobre isso, aqui no blogue. Você me lembrou de dois excelentes causos.

Bete Köninger disse...

Danilo, pena não ter visto esse tópico antes. Muito interessante e pertinente.
Só queria deixar registrado meu pedido de que a Raquel continue dando "parpite". Os comentários dela são valiosíssimos e resumem muito bem a complexidade do trabalho do intérprete. Eu admiro essa turma.

Danilo Nogueira disse...

Ah, Bete, você então recebe a carteirinha nº 3 do fã-clube Raquel Schaitza.

Raquel Schaitza disse...

Ai meus sais... todo mundo gosta de um elogio, em especial logo de manhã cedo, mas eu fico tão super hiper sem graça quanto o Sérgio Xavier é super hiper competente! :-)

Danilo Nogueira disse...

Diga-se de passagem que nem de longe sugeri que ele fosse incompetente. Fazer o que ele faz, abrandando as coisas que o Lula diz, sem perder a batida, exige muita competência.

Não concordo com a filosofia, só isso.

Numa comparação manquitola, é como o Yamandú Costa. O cara domina o violão como poucos, uma competência única. Mas, com uma que outra exceção, não gosto do modo como ele toca.