A sessão saudade aí acima foi motivada pela pergunta de um colega no Orkut, que queria saber se nós traduziríamos filmes eróticos, que trafegou por vários campos inclusive pela diferença entre erótico e pornográfico.
Antes de discutir o problema ético, gostaria de abordar o problema técnico: nunca traduzi filme algum, muito menos eróticos ou pornográficos, mas não creio que seja tecnicamente fácil. Todo tipo de tradução tem sua dificuldade específica e, para os filmes eróticos/pornográficos, como para todos os outros, deve haver bons e maus tradutores e más traduções. É claro que a audiência não está muito interessada na tradução, mas isso não isenta o tradutor da obrigação de caprichar.
Depois vem a história da oposição entre erótico e pornográfico, que me parece importantíssima, porque conduz a uma reflexão mais ampla. Não existe uma linha divisória clara entre erótico e pornográfico. Os extremos de cada gênero são facilmente identificáveis. O filminho que eu vi no colégio era decididamente pornográfico, mas existe muita coisa que fica, assim, com um pé de cada lado da divisa. É uma gradação contínua, que vai do mais vil pornográfico até a mais aguada comediazinha de família, passando pelos filmes meramente picantes, o que quer que isso signifique. E isso sem pensar nos documentários e filmes de treinamento, por exemplo.
Do ponto de vista ético, temos um quadro ainda mais interessante. O jovem colega que fez a pergunta diz que estuda em uma Universidade Cristã e que esse tipo de indagação é normal por lá. Sem dúvida, digo eu, que sou agnóstico. O que é anormal é alguém pensar que preocupações éticas são peculiares a estabelecimentos religiosos. Agnósticos e ateus têm tremendas preocupações éticas, talvez mais pesadas ainda que as enfrentadas pelos religiosos, porque entre agnósticos e ateus, não recorremos a fonte nenhuma que não a nossa consciência para resolver esses problemas. Quer dizer, não transferimos a responsabilidade para o pastor que conduz a grei ou para um livro sagrado. Ser agnóstico é muito complicado. Ser ateu também deve ser.
Mas a pergunta é, eu, Danilo Nogueira, traduziria? Acho que sim, sem maiores problemas. Provavelmente, ia enjoar no segundo e recusar o terceiro, mas isso não teria nada que ver com ética. Digo mais, acho que há filmes muito piores que os do cinema erótico/pornográfico, filmes de uma violência ímpar, que banalizam o mal e me parecem muito mais danosos que qualquer cena de sexo explícito.
Entretanto, cada caso é um caso e há certas coisas que eu recusaria. Ouvi dizer que há filmes com estupros e isso, para mim, não é erotismo nem pornografia: é violência e crime. Também é crime a pedofilia e, mesmo que não fosse, meu estômago não iria aceitar. Não se pode generalizar.
Agora, uma pergunta final às pessoas religiosas e que levam sua religião a sério. Imagine a seguinte situação: você recebe um filme para legendar, começa a rodar o filme e fica revoltado: a primeira cena é uma criança sendo estuprada. Contendo o ódio, nojo e revolta, você telefona para a polícia e denuncia. Certo? Meia hora depois, liga um membro da sua igreja e diz estamos montando um comitê de ação sobre pedofilia e precisamos legendar um filme para uso do comitê. Vou avisando que é brabo. Você topa? Ao examinar o filme, você vê que é exatamente o mesmo que você tinha recebido pouco tempo antes. E aí, o que você faz?