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quarta-feira, 29 de julho de 2009

Mais uma Vez, a tal da Versão

Versão é o termo normalmente usado no Brasil para uma tradução que parte do português. É, de certa forma, mais difícil do que a tradução propriamente dita, que é chega ao português, partida de uma língua estrangeira. Digo “de uma certa forma”, porque se a língua preferencial do tradutor for uma língua estrangeira, para ele as coisas se invertem e ele fará, necessariamente, com mais facilidade a “versão” do que a própria tradução. Por isso não gosto da palavra. Também não gosto porque fica aquela coisa de “a tradução pode ser tradução ou versão”, mas isso é outra conversa.

O problema aqui é comentar o comentário do Marcos Zattar, ao artigo que vem logo abaixo, que toca no problema crucial do “devemos traduzir tendo como ponto de partida nossa própria língua e como chegada uma língua estrangeira?”

A rigor, não. Eu até que escrevo um inglesinho razoável, mas não é perfeito, e meus escritos em inglês “têm sotaque”. Minhas traduções para o inglês têm sotaque ainda mais forte que os textos que escrevo, digamos, para o Translation Journal, porque sou obrigado a dizer não o que me vem à telha, mas o que vêm a telha alheia, o que são outros quinhentos mil réis. E, ainda assim, me saio melhor do que muita gente que vive de “fazer versão”.

A “versão” existe porque a competência tradutória não é simétrica: por exemplo, há muito mais tradutores lusófonos que saibam inglês do que tradutores anglófonos que saibam português. Melhor dizendo, o que tem de tradutores anglófonos que saibam lidar com português não é suficiente para dar conta do recado. E, não conte para ninguém, por favor, uma boa parte deles é de uma incompetência constrangedora. Já me coube, mais de uma vez, revisar a tradução feita por um inglês de um texto escrito em português e foi muito divertido (ou trágico, sei lá) notar que o infeliz escrevia inglês muito mal e entendia português pior ainda.

Quer dizer, não basta ser falante nativo, tem que ser bom. E os bons são poucos, muito poucos, porque, lá como cá, semianalfabetos há e entender português quando não se estudou é coisa para cachorro grande.

Não quero dizer que não haja bons. Há, sim, mas em quantidade muito insuficiente. Então, fica-se com a prata da casa, mesmo, por falta de melhor opção.

Pode-se, claro, garimpar gente no exterior. Não é fácil, porque mandar £ 200 para Londres, como pagamento de uma tradução é um perereco. E, a bem dizer, também não há tantos tradutores bons de português por lá.

Essa assimetria afeta muito pouco o grupo que, no jargão das grandes empresas de tradução, se chama “English + FIGS”, ou seja, Inglês, Francês, Italiano, Alemão e Espanhol. Sai daí, entretanto, a coisa encrespa, um fato que agora está deixando a Comunidade Europeia maluca. Na CE, os cidadãos dos países membros têm o direito de escrever e receber respostas em suas próprias línguas. Quer dizer, um espanhol tem todo o direito de escrever a um órgão comunitário em espanhol e de receber sua resposta em espanhol. Na prática, o órgão vai analisar o escrito em inglês ou francês e não faltam bons profissionais anglófonos ou francófonos que traduzam do espanhol.

À medida que nos afastamos dos E+FIGS, a coisa complica. Por exemplo, quando o cidadão escreve em letão, maltês, grego, finlandês, checo, essas coisas. Aí, muitas vezes, a tradução tem de ser feita por um não-nativo, porque simplesmente não anglófonos e francófonos em quantidade suficiente para dar conta. Com sorte, dá para pedir a um nativo que revise o texto, mas o problema é que esse nativo não vai poder cotejar original e tradução, o que pode ter consequências catastróficas.

A coisa fica pior ainda se o documento tiver que ser traduzido para uma “não E+FIGS”. Aí, dá relé na cabeça. Mas disso eu falo outro dia. Por hoje, chega.


Não, não chega. Tenho duas coisas a dizer, ainda.

Primeiro, hoje, só faço versão para dois clientes, ambos falantes nativos do inglês. Se, mesmo sendo nativos, aceitam meu "sotaque", me sinto totalmente à vontade de trabalhar para eles.

Segundo, de vez em quando me aparece um brasileiro pela frente querendo que eu lhe revise uma "versão". A resposta é um "não" redondo. Para tudo tem que haver um limite.

Agora, chega mesmo.







3 comentários:

Petê Rissatti disse...

Versão? Tenho medo, não me arrisco a tanto para terceiros... mas um dia eu chego lá.

Igor Barca disse...

Eu até me arrisco a fazer algumas versões, mas reconheço que não saem tão boas assim. Costumo traduzir resumos científicos na universidade. Outro dia, um belga me pediu para traduzir um curso do francês para o inglês e eu aceitei o trabalho. Estou caminhando vagarosamente, revisando e trevisando, sempre com a ajuda do google, pois ele me deu bastante tempo.
Não posso negar que saiam com certo sotaque, mas também não ficam tão ruins. O único problema é quando o texto de origem é mal escrito, às vezes eu até reescrevo o texto, pedindo licença com jeitinho ao autor. Pode até ser inocência minha, mas acredito que só a prática da versão nos traz alguma melhora nessa mesma "modalidade".

Danilo Nogueira disse...

Na verdade, Igor, a prática da "versão", se você for atento, é ótima para aprender a fazer uma boa "tradução". Mas isso é assunto para um artigo inteiro.