Há tempos ando querendo falar aqui sobre o Professor Horrendo. O Professor Horrendo é um casca de ferida, para dizer a verdade. Incapaz de traduzir uma página de qualquer porcaria que seja, é um gênio quando se trata de meter o pau em serviço alheio. Num texto de mil páginas, encontra aquela palavra que, a bem dizer, poderia ser substituída por outra melhor e faz um carnaval de todos os diabos. Adora os cadernos literários e é adorado por eles, que sempre lhe abrem espaço.
Muitas vezes, Professor Horrendo tem razão: de fato, o tradutor fez uma escolha infeliz. Outras vezes, entretanto, está totalmente errado, porque tradução, por natureza, por definição, inclui um tanto de distorção e, para minimizar o efeito negativo dessa distorção, o tradutor faz certas escolhas, privilegiando o que acha importante em detrimento do que acha irrelevante. Vem lá o Professor Horrendo e aponta que em tal parágrafo, se o tradutor tivesse escolhido "X" em vez de "Y", teria preservado melhor um determinado elemento do original.
Teria mesmo. Por outro lado, teria prejudicado a transmissão de outro elemento, que o tradutor considerou mais importante: ou um ou outro.
Aí está um das características mais essências do bom tradutor: aprender a distinguir o essencial do acessório, privilegiando, no seu trabalho, o que é mais importante, porque tudo, tudo, tudo, não se pode traduzir. O Professor Horrendo não entende isso, ou talvez entenda e faça que não entende, sei lá.
Dizem que quem sabe faz, quem não sabe ensina, uma frase que me parece injusta para com os professores. Mas tenho por certo que quem não tem competência nem para traduzir nem para ensinar a traduzir, dedica-se a achar erro na tradução dos outros.
A existência do Professor Horrendo é uma descoberta de Sara Blackburn, divulgada por Gregory Rabassa e Clifford Landers, entre outros tradutores.
segunda-feira, 13 de julho de 2009
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4 comentários:
Que coincidência! Hoje mesmo escrevi sobre o mesmo assunto em meu blog. O título do post é "Traduzir é trair?". A tradução é um ofício de risco, ao optar por uma palavra e não por outra, podemos enfatizar algo que o autor não desejava; é preciso ter cuidado para não recorrer ao erro. Mas perdas, acredito eu, sempre existirão, por mais minucioso que seja o tradutor.
O endereço do meu blog é: www.traduz-se.blogspot.com . Passe lá e faça-me uma visita! =]
Danilo,
O professor Horrendo é um ávido cinéfilo, que adora achar erros nas traduções dos outros, apesar de nunca ter tentando fazer um diálogo caber em linhas de 32 caracteres.
Como você diz, o bom tradutor sabe "distinguir o essencial do acessório". Infelizmente, para chegar a esse ponto, o tradutor tem que vencer a barreira de ver o original como uma prisão e ver a fidelidade como virtude. Boas traduções muitas vezes são livres e infieis. Isso fica bem claro nas traduções publicitárias.
Ótimo artigo, como sempre! Só acrescento que dentro de cada um de nós, tradutores, habita um Professor Horrendo (ou pelo menos um protótipo dele), mas ou menos recôndito a depender da vasão que se dá a ele, como na história do médico e o mostro. Basta ver nas listas de discussão de tradutores. Dominar o bicho é um grande desafio.
Outra coisa é que o Professor Horrendo só aparece quando há plateia. Ou seja: se ninguém der atenção, ele se acalma. :-)
O professor Horrendo precisa ler Umberto Eco:
"uma vez que em um texto de finalidade estética se apresentam relações sutis entre os vários níveis de expressão e os de conteúdo, é sobre a capacidade de identificar estes níveis, de reproduzir este ou aquele (ou todos, ou nenhum), e de saber colocá-los na mesma relação em que estavam no texto original (quando possível), que repousa o desafio da tradução."
Tradução livre de trecho de "Dire La Stessa Cosa", Umberto Eco, Ed. Bompiani (2003).
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