De vez em quando, alguém me pergunta por que o nível das traduções no Brasil é tão baixo.
Agora, assim, logo de início, tenho que fazer uma digressão: acho um absurdo como tanta gente, inclusive gente que deveria saber das coisas, fala de problemas universais como se fossem exclusivamente brasileiros. O nível das traduções é baixo no mundo todo e, creiam-me, não é mais baixo no Brasil que lá fora. Já peguei mais de uma tradução do português para o inglês, feita nos EUA ou no RU que dava medo de tão ruim e lá eles se queixam exatamente dos mesmos males que aqui. Fim da digressão. Voltemos ao assunto.
Por que o nível das traduções (e das revisões, já que estamos falando dessas coisas) é tão baixo? Uma vez foi uma professora de inglês, que me fez a pergunta, com um sorriso sarcástico. Respondi na lata: "porque o ensino do inglês é fraco demais". Ela não gostou muito, mas quem fala o que quer ouve o que não quer e eu sou um velhinho muito mal educado.
Mas, de fato, o nível das traduções e revisões é baixo, sim. Não há como negar. Por quê? Porque tradução e revisão são atividades muito mais complexas do que pensa a maioria dos usuários e mesmo muitos dos profissionais da área. Só isso. São tarefas que exigem conhecimentos enormes de problemas de linguagem (e de suas soluções: não adianta saber que está errado, precisa saber fazer melhor, o que é outra coisa), uma paciência de santo e um tempo enorme.
Tudo isso custa dinheiro, muito mais que o cliente quer pagar. Quem paga três centavos de real por palavra não pode reclamar de qualidade. Se tiver sorte, vai até pegar algum profissional bom, mas a tendência é de os bons profissionais logo subirem para as faixas de preço mais altas ou arranjarem outro serviço.
Reclamam que é difícil conseguir e reter bons profissionais, que o mercado não permite pagar mais. Está bom, que não permita. Não vou discutir isso. Mas o fato é que nós — tradutores e revisores — também temos que procurar o que é melhor para nós e não temos a obrigação de trabalhar a um determinado preço quando temos oportunidades melhores.
Não sei se já contei isso aqui, mas um dia um cliente me disse que tinha uma cotação por metade do meu preço. Respondi que era como restaurante: tinha de todo preço e cabia a ele escolher a que restaurante ele ia levar o cliente dele. Se achasse um barato e bom, não havia razão para pagar mais caro. Mas se escolhesse o mais barato e desse problema, a responsabilidade era dele. O cliente não replicou, mas poderia ter dito que, às vezes, o mais restaurante mais barato é o melhor, no que teria toda a razão. Mas a responsabilidade continuava sendo dele. Quer arriscar, arrisque, mas não se esqueça que quem não arrisca não vira petisco.
Por hoje é só. Obrigado ao Tom Fernandes pela ideia.
8 comentários:
Olá, Danilo!
Você deve se lembrar de mim, o cara louco da mensagem "quilométrica".
Eu nunca traduzi muita coisa, o maior texto com que trabalhei - de português para inglês - tinha cerca de 20 páginas. Neste, eu me saí bem, ou pelo menos o cliente pareceu satisfeito.
Minha maior desgraça foi um texto de umas cinco páginas, também de português pra inglês, em que um cara tentava vender seu peixe como analista de sistemas. Eu tinha duas razões para não aceitar o trabalho: o texto do cara era horrível e eu não tinha conhecimento suficiento do assunto. Por exemplo, eu não sabia que há certa diferença entre "databank" e "database", pra mim era a mesma coisa. Disse que fazia num prazo que não dava. Resultado: dor de cabeça. Uma pergunta: a versão saiu horrível porque o texto original era horrível ou porque eu não tinha bom conhecimento do assunto e fui incapaz de reproduzir o texto com coerência na língua inglesa, ou as duas coisas? O que você acha? O tradutor deve assumir a responsabilidade de fazer um texto ruim virar um bom texto na língua de chegada?
Na minha opinião, boa tradução ou versão requer conhecimento das línguas com que se trabalha, conhecimento do assunto de que trata o texto traduzido e habilidade na produção de texto. Em Roraima, onde moro, é difícil conseguir cursos na área de tradução. Por isso, eu ingressei este ano num curso de letras com habilitação em inglês na Universidade Federal de Roraima. A grade curricular oferece muitas disciplinas que são de grande importância para quem trabalha ou quer trabalhar com tradução. Pretendo também estudar em português e inglês sobre os assuntos que pretendo traduzir: agricultura, viagem e turismo, sociologia e algo bem diferente: engenharia mecânica e coisas parecidas. Também pretendo comprar uma licença do Wordfast, o qual estou aprendendo a usar com a versão trial e com o auxílio da apostila que baixei de seu site. Aliás, sem aquela apostila, eu nem consegui entender como funcionava, nunca tinha visto um software de memória de tradução pessoalmente. Valeu. Inté.
Danilo,
Tenho acompanhado seu blog e gostaria de parabenizá-lo pelo conteúdo. Você dá voz a muitos dos sentimentos e pensamentos que me sondam.
Grande abraço,
Sandra
Sandra, obrigado. Nem todos concordam comigo, mas eu procuro dar um pouco de lucidez às questões aqui analisadas.
Vou te responde num artigo para o blogue nos próximos dias.
Acabo de ler um livro e, já de início, senti uma tradução rançosa, estranha. Avancei, pois o livro é bem interessante e pensei hoje, quando acabei o pequeno tomo: coitado do autor que teve sua obra traduzida à la Frankstein: remendo atrás de remendo. Pode ser pelo pagamento safado, por incompetência da tradutora ou dos revisores, mas penso no seguinte: se você aceita um trabalho, dê o seu melhor. Se não pode dar o seu melhor, não se meta. Se não se meter, vai fazer um grande favor aos profissionais qualificados: não manchará a imagem deles.
Cada vez mais cresço um pouquinho aqui no seu canto, Danilo. Obrigado, sempre.
Wildcat, você teve azar de, de cara, já pegar uma questão controversa na área de sistemas. O que os americanos chamam de "database" ou "data base", nós chamamos de "banco de dados". E alguns profissionais brasileiros consideram "base de dados" uma visão do banco de dados. Certa vez tive uma discussão sobre isso com um analista. Já "data bank" é de uso mais raro em inglês e se refere ao repositório físico onde os dados se encontram.
Mais uma vez, parabéns pelo blog. Você citou o ensino do inglês, imagine de outras línguas! Trabalho com o espanhol e o que tem de gente que acha que português e espanhol são a mesma coisa, não está escrito! Acredito que uma das razões das traduções "porcas" seja mesmo a fraca qualidade de ensino e formação dos ditos tradutores, e nem digo formação acadêmica, pois existem ótimos profissionais que nunca sequer cursaram uma faculdade. Não há segredos, há de se ter comprometimento com o que se faz. Um abraço e parabéns mais uma vez pelo blog.
Para Wildcat: Veja a resposta aqui:
http://www.tradutorprofissional.com/2009/07/por-que-versao-saiu-tao-ruim.html
Felipe, vou comentar o caso do espanhol ainda esta semana e posto o link aqui.
Obrigado pelos comentários.
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