Minha maior desgraça foi um texto de umas cinco páginas, também de português para inglês, […]. Tinha duas razões para não aceitar o trabalho: o texto era horrível e eu não tinha conhecimento suficiente do assunto. […] Uma pergunta: a versão saiu horrível porque o texto original era horrível ou porque eu não tinha bom conhecimento do assunto e fui incapaz de reproduzir o texto com coerência na língua inglesa, ou as duas coisas? O que você acha? O tradutor deve assumir a responsabilidade de fazer um texto ruim virar um bom texto na língua de chegada?
Não posso falar especificamente do seu caso, porque não vi o serviço. Entretanto, posso dizer que traduzir para uma língua estrangeira é um risco enorme. Mesmo gente que até que escreve bem na língua estrangeira acaba fazendo muita bobagem, porque há uma grande diferença entre escrever o que você quer e traduzir para as que os outros escreveram. A maioria dos textos traduzidos para o inglês por brasileiros que eu conheço é assustadora e constrangedoramente ruim.
Se o texto for ruim, então, nem se fale. A sua obrigação é traduzir o que está escrito, não o que o autor deveria ter escrito se soubesse escrever, mas traduzir um texto mal escrito, seja para a nossa língua seja para uma língua estrangeira, é sempre um horror. Um dos meus bordões favoritos é “Traduzir Shakespeare é difícil porque ele escrevia tão bem, traduzir o Zé das Couves é igualmente difícil porque ele escreve tão mal”.
Não conhecer o assunto já foi um problema pior do que é, porque hoje temos a Internet. Mas buscar informações na Internet é uma arte e, pela quantidade de gente que cai aqui no blogue procurando coisas que não poderiam estar aqui de modo algum, cheguei à conclusão de que poucos conseguem dominar as técnicas. Além disso, pesquisar toma tempo, o que significa que quando o prazo é breve, a pesquisa tende a ser mais breve ainda.
4 comentários:
Danilo,
você tocou em dois lados da questão: o domínio que o tradutor tem da língua inglesa – que chamo aqui de qualidade linguística – e a capacidade de utilizar a terminologia adequada – a qualidade terminológica. Quanto ao primeiro fator... bem, aqui na Europa é tabu um tradutor ter como língua de chegada um idioma que não seja o materno. Claro, a oferta de mão-de-obra para as mais diversas línguas europeias abunda. Inglês não é uma exceção. Por outro lado, em época de franco amadurecimento da globalização e queda das fronteiras geográficas, me pergunto que cliente/empresa no Brasil engajaria um não-falante nativo do inglês para fazer o que os brasileiros chamam de "versão"? Falta de informação do cliente? Uma mera questão de custo? Tradição? Suponhamos que o Wildcat seja mesmo fera no inglês. Ainda assim, conforme o tipo de texto, um revisor deixa de ser um luxo. É só imaginarmos que, num mundo tradutório ideal, até as nossas traduções para o PT, nosso idioma materno, deveriam ser revisadas por outra pessoa - o chamado princípio dos quatro olhos. Trocando em miúdos: meu inglês é muito bom, mas se desse xabú em uma tradução que eu fizesse pro inglês e não fosse revisada, o primeiro lugar onde eu procuraria o culpado seria em mim mesmo.
(Marcos Zattar)
(continuação)
Quanto ao segundo fator de qualidade, o terminológico - bem, esses são outros quinhentos. Outros novecentos, eu diria até. Conheço "tradutô jurameintadu" que trabalha a toque de caixa, mal pesquisa os assuntos e a respectiva terminologia, não sabe o que é a função de concordância de uma CAT e vai tocando o barco, cheio de trabalho! Êêêêê beleza... Usar a Web a nosso favor é, sem dúvida, um diferencial de qualidade. Saber encontrar a informação certa num lugar confiável é fruto de paciência, curiosidade e muita, muita vontade de descobrir a "verdade". Alguns não têm essa paciência, outros não querem sacrificar o tempo precioso, que poderia ser usado no shopping gastando os gordos honorários. E outros ainda não compreenderam direito o que é traduzir. Quanto ao fato de Wildcat afirmar que "não tinha conhecimento suficiente do assunto", conto a minha experiência, certamente bastante representativa do mercado tradutório: a não ser que seja uma área especialíssima e cabeludíssima, ou muito exótica, meto as caras. Afinal, traduzir é aprender, e cabeça não foi feita só pra usar chapéu ;-) Claro, ao desbravar novos territórios, o ritmo do trabalho diminui devido às pesquisas e intermináveis leituras. Suponhamos que o assunto do texto do Wildcat não tenha sido tão cabeludo e o problema tenha sido mesmo a baixa qualidade do texto de partida. Aí não tem jeito. Com ambiguidades e passagens em que a compreensão é difícil ou até impossível, só chamando o santo. Ou ficando em comunicação direta e contínua com o autor. Ou explicando a situação pro cliente *antes* de começar o trabalho.
Abraço,
Marcos Zattar
Marcos, obrigado pelo comentário. Você toca em uma questão tão importante, que vai virar assunto do próximo artigo para o blogue.
Obrigado pela participação. Não me canso de dizer que comentários inteligentes valorizam o blogue.
e aqui vai a segunda parte, que deve ter ficado lost in translation...
Quanto ao segundo fator de qualidade, o terminológico - bem, esses são outros quinhentos. Outros novecentos, eu diria até. Conheço "tradutô jurameintadu" que trabalha a toque de caixa, mal pesquisa os assuntos e a respectiva terminologia, não sabe o que é a função de concordância de uma CAT e vai tocando o barco, cheio de trabalho! Êêêêê beleza... Usar a Web a nosso favor é, sem dúvida, um diferencial de qualidade. Saber encontrar a informação certa num lugar confiável é fruto de paciência, curiosidade e muita, muita vontade de descobrir a "verdade". Alguns não têm essa paciência, outros não querem sacrificar o tempo precioso, que poderia ser usado no shopping gastando os gordos honorários. E outros ainda não compreenderam direito o que é traduzir. Quanto ao fato de Wildcat afirmar que "não tinha conhecimento suficiente do assunto", conto a minha experiência, certamente bastante representativa do mercado tradutório: a não ser que seja uma área especialíssima e cabeludíssima, ou muito exótica, meto as caras. Afinal, traduzir é aprender, e cabeça não foi feita só pra usar chapéu ;-) Claro, ao desbravar novos territórios, o ritmo do trabalho diminui devido às pesquisas e intermináveis leituras. Suponhamos que o assunto do texto do Wildcat não tenha sido tão cabeludo e o problema tenha sido mesmo a baixa qualidade do texto de partida. Aí não tem jeito. Com ambiguidades e passagens em que a compreensão é difícil ou até impossível, só chamando o santo. Ou ficar em comunicação direta e contínua com o autor. Ou explicar a situação pro cliente *antes* de começar o trabalho.
Abraço,
Marcos
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