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sexta-feira, 31 de julho de 2009

O que Veio Primeiro, a Galinha ou o Ovo?


Escreveu a Larissa:

Eu sou a Larissa e acabei de me formar em Letras-Tradução
pela Universidade de Brasília. Acompanho o seu blog já há muito tempo e gostaria de lhe fazer algumas perguntas, agora que vou ingressar no mercado de tradução. Já li muitos artigos seus onde você menciona que o ideal é trabalhar como pessoa jurídica, pois as agências de tradução e os clientes diretos exigem nota fiscal. No entanto, como seria viável manter uma empresa se ainda estou tentando conseguir clientes? E, ao mesmo tempo, como conseguiria clientes se não sou pessoa jurídica? Essa é uma dúvida que me persegue já há muito tempo e gostaria de saber se você tem alguma sugestão ou se você poderia contar como foi o seu início como tradutor e como conseguiu se firmar no mercado. De qualquer forma, desde já lhe agradeço, pois aprendi muito com seus artigos e o seu blog.

A pergunta, então, Larissa, é: o que veio primeiro, o ovo ou a galinha. Como todos sabem, foi o ovo. Havia animais botando ovo muito antes de haver galinhas. O problema é, aqui, descobrir o que é o ovo e o que é a galinha. Até aqui, escrevi 45 palavras, fiz uma graçola sem graça não ajudei em nada. Vamos ver se consigo dizer algo que se aproveite.

A primeira coisa a dizer é que como trabalhadora autônoma, vai ser muito difícil ir para a frente. Essa é uma hipótese que eu descartaria logo de cara.

Existem opções “informais” (um eufemismo para “ilegais”, mas, além da ilegalidade, pagam pouco. Ainda deve haver, por exemplo, algumas agências (não me peça nomes) que paguem "por fora". Mas essas agências são as que menos pagam, mesmo levando em conta que você não vai recolher impostos sobre o que receber. Pessoas físicas também não costumam pedir qualquer tipo de comprovante. Muitos tradutores repartem serviços com colegas, descontando do pagamento os impostos, mas sem exigir nota fiscal. Quer dizer, tem tudo isso e deve ter mais. O problema é que essa pseudoliberdade, além de ilegal, é uma prisão e uma prisão viciante. Você pode ficar nela anos, muitos anos, flutuando no espaço, sem jamais progredir profissionalmente.

Outa possibilidade absolutamente legal e viável é trabalhar para empresas estrangeiras, as quais não querem saber nem de RPA nem de nota fiscal. Você manda uma fatura em pdf, muitas vezes anexa a um e-mail e recebe o dinheiro. Temos um insigne colega que simplesmente fechou a firma no Brasil, para só atender seus clientes estrangeiros. Mas esse é um símio idoso, com uma clientela de elite. Eu já tive vontade de fazer o mesmo e teria feito se não fossem uns serviços de treinamento e consultoria que tenho aqui no Brasil, que me rendem algum dinheiro e muita diversão.

Nesse caso, pagam-se impostos via Carnê-Leão. O problema, aí, é conseguir clientes no exterior, um verdadeiro campo minado e, além de tudo exigentíssimo.

Mas, lembre-se: você tem que investir e arrisca. Todo profissional que trabalha por conta própria passa por isso. Muitos de nossos colegas se recusam a investir “Eu, gastar dinhero com programa de tradução assistida por computador? Não sou bobo!” É sim. Esses programas de pagam num instante e logo começam a dar lucro. Coisas desse tipo.

Pronto, a primeira metade de sua pergunta está respondida. A segunda, respondo durante o fim de semana.

Até lá, e obrigado por ter escrito.

O Tradutor e as Galinhas

A turma gosta de fazer chacota com as traduções para dublagem e legendagem e, de fato, tem muita porcaria. Mas a minha posição é, há muitos anos, que vale mais a pena procurar aprender com os acertos do que rir dos erros. Então, lá vou eu, agora, meter meu bedelho num assunto de que entendo muito pouco.

Hoje de manhã topei com este artigo,
escrito por Leonardo João Coelho. Não vou repetir o que ele disse, vá lá e leia o artigo, que vale a pena. Como exemplo, ele cita trechos de um filme chamado “The Chicken War”, que se chamou “A Fuga das Galinhas” nestes Brasis.

Num dos trechos citados, um personagem diz uma frase complicadíssima, vasada em linguagem médica. O outro pergunta, irônico: “Was that English?”

A tradução óbvia é “Isso era inglês?”. Mas para audiovisuais não se traduz assim, porque usar “inglês”, nesse contexto quebraria o “encanto” que cerca o assistir a um filme e se envolver nele. Por outro lado, não se pode dizer “Isso é português?”, porque estão obviamente falando inglês. Parada dura!

A legenda é genial: “Traduza!”, que, sem ser literal, é uma perfeita equivalência dinâmica, no sentido em que o usaria Eugene Nida. Aliás, me lembrou da Lia Wyler, numa palestra que fez na USP recentemente. Alguém da plateia fez uma pergunta toda enroscada num engrimanço acadêmico incompreensível para mim. A Lia talvez tenha entendido, mas, gozadora como sempre, disse “Traduz!” e aguardou a reformulação para um português menos complexo, antes de dar uma resposta.

Legendador tem que ser conciso, porque o problema de falta de espaço para eles é pior do que o do tradutor de texto quando enfrenta ppt. Legendador não usa duas palavras quando uma chega.

O tradutor da dublagem tinha um problema diferente: a tradução tem que encaixar nos movimentos labiais do personagem, mesmo que seja uma galinha de massinha. Então, um mero “traduza” não ia dar certo, porque ia deixar a boca (ou o bico, para ser mais preciso) do personagem se mexendo sem som. Então, saiu com um “que língua é essa?”, uma excelente tradução, um pouco mais literal que a do legendador, mas que, também, preserva o “encanto” do filme.

Bom, seria de perguntar, por que o legendador não traduziu também como “que língua é essa?”, que caberia perfeitamente na tela, respeitando as restrições aplicadas às legendas. Porque legenda é uma obstrução que, com todas as vantagens que tenha sobre a dublagem, desvia a atenção da imagem e prejudica o “encanto”. Assim, quanto mais breve, mais tempo sobra para “ver o filme”.

Da próxima vez que assistir a um filme, seja no cinema ou na TV, procure atentar para essas coisinhas. Muito mais útil que ficar procurando defeito para depois se exibir perante os amigos.

Antes de encerrar, um agradecimento a minhas amigas tuiteiras Claudia Mello, Juliana Müller e Val Ivonica, (por ordem alfabética de primeiro nome!) que, bem mais cinéfilas do que eu, me deram informações sem as quais este artigo não sairia. Os erros são de minha responsabilidade.

Obrigado pela visita.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Mais uma Vez, a tal da Versão

Versão é o termo normalmente usado no Brasil para uma tradução que parte do português. É, de certa forma, mais difícil do que a tradução propriamente dita, que é chega ao português, partida de uma língua estrangeira. Digo “de uma certa forma”, porque se a língua preferencial do tradutor for uma língua estrangeira, para ele as coisas se invertem e ele fará, necessariamente, com mais facilidade a “versão” do que a própria tradução. Por isso não gosto da palavra. Também não gosto porque fica aquela coisa de “a tradução pode ser tradução ou versão”, mas isso é outra conversa.

O problema aqui é comentar o comentário do Marcos Zattar, ao artigo que vem logo abaixo, que toca no problema crucial do “devemos traduzir tendo como ponto de partida nossa própria língua e como chegada uma língua estrangeira?”

A rigor, não. Eu até que escrevo um inglesinho razoável, mas não é perfeito, e meus escritos em inglês “têm sotaque”. Minhas traduções para o inglês têm sotaque ainda mais forte que os textos que escrevo, digamos, para o Translation Journal, porque sou obrigado a dizer não o que me vem à telha, mas o que vêm a telha alheia, o que são outros quinhentos mil réis. E, ainda assim, me saio melhor do que muita gente que vive de “fazer versão”.

A “versão” existe porque a competência tradutória não é simétrica: por exemplo, há muito mais tradutores lusófonos que saibam inglês do que tradutores anglófonos que saibam português. Melhor dizendo, o que tem de tradutores anglófonos que saibam lidar com português não é suficiente para dar conta do recado. E, não conte para ninguém, por favor, uma boa parte deles é de uma incompetência constrangedora. Já me coube, mais de uma vez, revisar a tradução feita por um inglês de um texto escrito em português e foi muito divertido (ou trágico, sei lá) notar que o infeliz escrevia inglês muito mal e entendia português pior ainda.

Quer dizer, não basta ser falante nativo, tem que ser bom. E os bons são poucos, muito poucos, porque, lá como cá, semianalfabetos há e entender português quando não se estudou é coisa para cachorro grande.

Não quero dizer que não haja bons. Há, sim, mas em quantidade muito insuficiente. Então, fica-se com a prata da casa, mesmo, por falta de melhor opção.

Pode-se, claro, garimpar gente no exterior. Não é fácil, porque mandar £ 200 para Londres, como pagamento de uma tradução é um perereco. E, a bem dizer, também não há tantos tradutores bons de português por lá.

Essa assimetria afeta muito pouco o grupo que, no jargão das grandes empresas de tradução, se chama “English + FIGS”, ou seja, Inglês, Francês, Italiano, Alemão e Espanhol. Sai daí, entretanto, a coisa encrespa, um fato que agora está deixando a Comunidade Europeia maluca. Na CE, os cidadãos dos países membros têm o direito de escrever e receber respostas em suas próprias línguas. Quer dizer, um espanhol tem todo o direito de escrever a um órgão comunitário em espanhol e de receber sua resposta em espanhol. Na prática, o órgão vai analisar o escrito em inglês ou francês e não faltam bons profissionais anglófonos ou francófonos que traduzam do espanhol.

À medida que nos afastamos dos E+FIGS, a coisa complica. Por exemplo, quando o cidadão escreve em letão, maltês, grego, finlandês, checo, essas coisas. Aí, muitas vezes, a tradução tem de ser feita por um não-nativo, porque simplesmente não anglófonos e francófonos em quantidade suficiente para dar conta. Com sorte, dá para pedir a um nativo que revise o texto, mas o problema é que esse nativo não vai poder cotejar original e tradução, o que pode ter consequências catastróficas.

A coisa fica pior ainda se o documento tiver que ser traduzido para uma “não E+FIGS”. Aí, dá relé na cabeça. Mas disso eu falo outro dia. Por hoje, chega.


Não, não chega. Tenho duas coisas a dizer, ainda.

Primeiro, hoje, só faço versão para dois clientes, ambos falantes nativos do inglês. Se, mesmo sendo nativos, aceitam meu "sotaque", me sinto totalmente à vontade de trabalhar para eles.

Segundo, de vez em quando me aparece um brasileiro pela frente querendo que eu lhe revise uma "versão". A resposta é um "não" redondo. Para tudo tem que haver um limite.

Agora, chega mesmo.







Por que a "Versão" Saiu tão Ruim?

Escreve o colega que se assina "Wildcat". Abreviei a mensagem.

Minha maior desgraça foi um texto de umas cinco páginas, também de português para inglês, […]. Tinha duas razões para não aceitar o trabalho: o texto era horrível e eu não tinha conhecimento suficiente do assunto. […] Uma pergunta: a versão saiu horrível porque o texto original era horrível ou porque eu não tinha bom conhecimento do assunto e fui incapaz de reproduzir o texto com coerência na língua inglesa, ou as duas coisas? O que você acha? O tradutor deve assumir a responsabilidade de fazer um texto ruim virar um bom texto na língua de chegada?

Não posso falar especificamente do seu caso, porque não vi o serviço. Entretanto, posso dizer que traduzir para uma língua estrangeira é um risco enorme. Mesmo gente que até que escreve bem na língua estrangeira acaba fazendo muita bobagem, porque há uma grande diferença entre escrever o que você quer e traduzir para as que os outros escreveram. A maioria dos textos traduzidos para o inglês por brasileiros que eu conheço é assustadora e constrangedoramente ruim.

Se o texto for ruim, então, nem se fale. A sua obrigação é traduzir o que está escrito, não o que o autor deveria ter escrito se soubesse escrever, mas traduzir um texto mal escrito, seja para a nossa língua seja para uma língua estrangeira, é sempre um horror. Um dos meus bordões favoritos é “Traduzir Shakespeare é difícil porque ele escrevia tão bem, traduzir o Zé das Couves é igualmente difícil porque ele escreve tão mal”.

Não conhecer o assunto já foi um problema pior do que é, porque hoje temos a Internet. Mas buscar informações na Internet é uma arte e, pela quantidade de gente que cai aqui no blogue procurando coisas que não poderiam estar aqui de modo algum, cheguei à conclusão de que poucos conseguem dominar as técnicas. Além disso, pesquisar toma tempo, o que significa que quando o prazo é breve, a pesquisa tende a ser mais breve ainda.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Lilian Carmona, Profissional entre as Profissionais

Lilian Carmona é esta aqui. O vídeo é de uma de suas famosas oficinas de bateria e ela está na verdade dando uma demonstração de como o baterista dá conta de uns certos problemas no acompanhamento de uma “big band”. A parte da banda está sendo feita por um tecladista, por motivos econômicos. No auditório, estudantes, iniciantes e profissionais da bateria, que, no fim, agradecem a aula com aplausos. Além de professora de muitos e mestra de muitos mais, Lilian já tocou com muita gente ilustre, como você pode ver clicando aqui.

Uma vez, teve de acompanhar um cantor de boleros, já meio em decadência. Ora, pedir para a Lilian Carmona acompanhar cantor de bolero é algo como pedir a Haroldo de Campos que traduza livros de autoajuda. Mas a Lilian tinha uma obrigação a cumprir e, profissional entre os profissionais, foi lá e deu o recado direitinho. Numa entrevista, contou que não estava muito animada com a perspectiva, mas ao ver a felicidade dos casais dançando de rosto colado, casais para os quais muitos dos melosos boleros que ela não tinha em muito alta conta eram “a nossa música”, começou a ficar emocionada e a tocar com cada vez mais gosto. No fim, acabou sendo uma noite excelente, não pelo conteúdo artístico, mas pelo contentamento trazido à audiência.

A próxima vez que você tiver que traduzir um texto que ache desagradável, lá sei eu, Bianca, Sabrina e Júlia, ou autoajuda ou o que quer que você ache meio assim “sub”, pense na Lilian Carmona e na satisfação de quem vai ler o que você traduziu e capriche como a Lilian caprichou nos boleros. Aos poucos, agindo assim, aumenta sua satisfação com a profissão e a qualidade de seu trabalho vai melhorar.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Por que o Nível das Traduções é Tão Baixo?

De vez em quando, alguém me pergunta por que o nível das traduções no Brasil é tão baixo.

Agora, assim, logo de início, tenho que fazer uma digressão: acho um absurdo como tanta gente, inclusive gente que deveria saber das coisas, fala de problemas universais como se fossem exclusivamente brasileiros. O nível das traduções é baixo no mundo todo e, creiam-me, não é mais baixo no Brasil que lá fora. Já peguei mais de uma tradução do português para o inglês, feita nos EUA ou no RU que dava medo de tão ruim e lá eles se queixam exatamente dos mesmos males que aqui. Fim da digressão. Voltemos ao assunto.

Por que o nível das traduções (e das revisões, já que estamos falando dessas coisas) é tão baixo? Uma vez foi uma professora de inglês, que me fez a pergunta, com um sorriso sarcástico. Respondi na lata: "porque o ensino do inglês é fraco demais". Ela não gostou muito, mas quem fala o que quer ouve o que não quer e eu sou um velhinho muito mal educado.

Mas, de fato, o nível das traduções e revisões é baixo, sim. Não há como negar. Por quê? Porque tradução e revisão são atividades muito mais complexas do que pensa a maioria dos usuários e mesmo muitos dos profissionais da área. Só isso. São tarefas que exigem conhecimentos enormes de problemas de linguagem (e de suas soluções: não adianta saber que está errado, precisa saber fazer melhor, o que é outra coisa), uma paciência de santo e um tempo enorme.

Tudo isso custa dinheiro, muito mais que o cliente quer pagar. Quem paga três centavos de real por palavra não pode reclamar de qualidade. Se tiver sorte, vai até pegar algum profissional bom, mas a tendência é de os bons profissionais logo subirem para as faixas de preço mais altas ou arranjarem outro serviço.

Reclamam que é difícil conseguir e reter bons profissionais, que o mercado não permite pagar mais. Está bom, que não permita. Não vou discutir isso. Mas o fato é que nós — tradutores e revisores — também temos que procurar o que é melhor para nós e não temos a obrigação de trabalhar a um determinado preço quando temos oportunidades melhores.

Não sei se já contei isso aqui, mas um dia um cliente me disse que tinha uma cotação por metade do meu preço. Respondi que era como restaurante: tinha de todo preço e cabia a ele escolher a que restaurante ele ia levar o cliente dele. Se achasse um barato e bom, não havia razão para pagar mais caro. Mas se escolhesse o mais barato e desse problema, a responsabilidade era dele. O cliente não replicou, mas poderia ter dito que, às vezes, o mais restaurante mais barato é o melhor, no que teria toda a razão. Mas a responsabilidade continuava sendo dele. Quer arriscar, arrisque, mas não se esqueça que quem não arrisca não vira petisco.

Por hoje é só. Obrigado ao Tom Fernandes pela ideia.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Nós e a Tradução Automática

Hoje, abro espaço para dois amigos da casa. Primeiro, Renato Motta, que, há pouco tempo, era exclusivamente professor de inglês com vontade de ser tradutor literário. O original está aqui.
Para ser tradutor você precisa saber muito bem a língua de origem (inglês, por exemplo), saber melhor ainda a língua de destino (português), ser curioso, ler muito, gostar de aprender coisas novas, ler muito, adquirir cultura, ler muito, viajar sempre que possível, ler muito, estudar até o olho arder e ainda ficar com vontade de ler mais, aprender outras coisas e ir além.

Traduzir não é copiar em outro idioma. É criar, recriar, adaptar, transformar, permutar, dissociar, ressoar, reescrever, revisar e ter pique para começar tudo de novo porque o texto não ficou legal.

É ter um senso crítico apuradíssimo misturado com uma humildade infinita, por mais que tais conceitos pareçam contraditórios (e talvez sejam).

É lapidar a frase de um romance, a cláusula de um contrato ou a instrução de um manual até ficar perfeita, inequívoca, bela, claríssima e dizer: “Queria ver o tradutor do Google fazer isso”.
É saber que as palavras têm sons, têm cores, têm aromas, têm texturas, têm sabores. É aprender a misturá-las em uma receita exótica que não poderá ser duplicada. É ter a certeza de que se centenas de bons profissionais traduzirem o mesmo texto, nenhum deles será igual ao seu, e curtir a beleza dessa insegurança.

Bonito, não? Mais que bonito, de uma grande agudeza. Preste atenção em quanto há aqui, em menos de quarenta palavras: “É lapidar a frase de um romance, a cláusula de um contrato ou a instrução de um manual até ficar perfeita, inequívoca, bela, claríssima e dizer: “Queria ver o tradutor do Google fazer isso”. Bom ouvir, do Renato, que uma cláusula de contrato e a instrução de um manual merecem a mesma atenção que a frase de um romance, verdade que não penetrou até hoje em muitas cabeças de gente que se acha entendedora do que seja tradução.

Acho que o Renato jamais ouviu falar do Terence Lewis — nem o Terence do Renato, tampouco. O Terence é um tradutor inglês que, um dia, resolveu criar um software de tradução do holandês para o inglês. Ele vai aparecer aqui de novo, várias vezes, porque, gentilmente, está me ajudando a entender melhor o mundo da tradução automatizada. Aliás, viveu no Brasil e só me escreve em português corretíssimo. O Terence, outro dia, passou um tuite em que ele dizia (não era para mim, portanto, veio em inglês e a tradução aqui é minha), naquele estilo conciso e incisivo que o meio exige.

Meu software vai só até certo ponto, e talvez nem seja muito longe. Mas o tradutor que quiser sobreviver vai ter de ir muito além.

Não pude analisar o Trasy, o software criado pelo Terence, porque não sei holandês. Mas, pelo que ele me diz, deve estar quilômetros adiante to Google. Se não estivesse, não teria sido adotado pela Siemens.

Mesmo assim, nas palavras do próprio criador, vai só até certo ponto, e talvez não seja muito longe. Cabe a nós, se quisermos sobreviver, seguir o conselho do Terence e ir bem mais além do que o Google e, inclusive, bem mais longe que qualquer software de tradução automática de alta qualidade, que há muitos.

Bom, e como é que se consegue ir mais além do que alcança o software? Fácil, é só seguir o conselho do Renato.

Felizmente, este artigo conta com a colaboração da Kelli, que anda meio que sumida do blogue.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Concurso para TPIC no Rio

Parece que, desta vez, sai o concurso para TPIC no Rio. O G1 publicou esta nota, com dois links que remete à documentação. Dei uma olhada assim, muito por cima. Estou atarefado demais para comentar agora, espero comentar amanhã.

Informação postada por Ágata Sousa no Twitter, num sensacional furo de reportagem.


sexta-feira, 17 de julho de 2009

A Tradução Automática da Microsoft

O Igor Medeiros, que deixou o comentário que resultou no artigo de ontem, disse, entre outras coisas "A Microsoft está usando uma ferramenta de tradução de suas páginas de suporte para várias línguas e só me dei conta disso depois de ler uma página quase que inteira e no final notei um pequeno erro se sentido no emprego das palavras". Não sei se é questão de sorte, de meu olho de tradutor ou talvez de puro despeito, mas nunca achei uma daquelas páginas da Microsft traduzidas a máquina que não fosse ridícula. Eita servicinho mal feito!

O que me surpreende, é exatamente a má qualidade. Não porque eu esperasse que a MS, por ter um vasto plantel de programadores, fosse obrigada a ter um programa perfeito. Em informática, como em todos os outros ramos do conhecimento, existe sempre o problema da vocação. Uma empresa pode ter vocação para desenvolver programas gráficos, por exemplo, e ser péssima em processadores de texto. O problema é outro e vou tentar explicar agora.


Todo software de tradução tem suas limitações. Essas limitações muitas vezes são desconhecidas do público e mesmo escondidas dele, por motivos comerciais, mas devem ser perfeitamente conhecidas pelo desenvolvedor. Um dos modos de contornar essas limitações é usar linguagem controlada, quer dizer, um subconjunto da língua que a máquina consiga processar. Meio complicado de explicar, mas, mal comparando, podemos dizer que é semelhante àqueles livros em inglês simplificado, onde se usa inglês correto e idomático, mas as estruturas e vocabulário são limitados. Por exemplo, num livro para iniciantes, não se diz "What are they up to over there down under?", mas sim "What do they intend to do in Australia?" Perde-se no estilo, ganha-se na facilidade de compreensão.


Existem dois métodos de usar linguagem controlada: ou os autores são treinados para escrever de acordo com as limitações impostas, ou os textos são reformulados por um revisor profissional que domine o sistema. O produto da tradução automática deve lucrar muito, mas o problema é que o sistema é caro. Quer dizer, caro, em termos. No caso da MS, sairia barato, porque o mesmo texto é traduzido para muitas línguas, diluindo o custo da reformulação em linguagem controlada.


Então, de duas uma, ou eles não usam linguagem controlada, ou o programinha é ruim mesmo.


Ainda tenho muito a dizer sobre isso, mas vamos com calma. Obrigado pela visita.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Por que Somos Odiados?

Falou o Igor Medeiros, num comentário a este tópico:

O seu desemprego é inevitável. A tecnologia não para de evoluir. A Microsoft está usando uma ferramenta de tradução de suas páginas de suporte para várias línguas e só me dei conta disso depois de ler uma página quase que inteira e no final notei um pequeno erro se sentido no emprego das palavras. Pesquisei e descobri que a tradução foi feita por máquina. Fiquei impressionado. Falta pouco para traduções perfeitas. Quer uma sugestão? Faça um curso profissionalizante enquanto tem tempo.

Este foi um dos comentários menos azedos e agressivos dos muitos deixados naquele tópico. Ao menos, é educado e escrito em bom português, o que não se pode dizer de muitos dos outros, certamente postados por semianalfabetos.

Mas mal oculta um tanto do que se chama em alemão Schadenfreude, a alegria com a desgraça dos outros: você vai perder o emprego, laralalááá! Eu vou manter o meeu! E seeem vocêê! laralaláá.

Vá lá, leia os outros comentários e veja o veneno.

Por que somos tão odiados? Somos a ponte que transpõe o abismo linguístico e conduz a um conhecimento que, sem nós, seria inatingível. Ou levamos o produto (seja um serviço, ou um produto intelectual ou produto físico) a regiões que, sem nós, seriam inalcançáveis. Mas somos vistos não como a ponte que viabiliza a passagem, mas sim como a barreira que a impede.

E como se detesta pagar tradutor! Paga-se tudo: chope, cigarro, chocolate, pintor, encanador, advogado, aluguel, prestação - mas tradução a turma quer grátis. O sujeito tem um professor de inglês e paga as aulas direitinho, mas fica surpreso quando o professor quer cobrar por uma tradução.

No meu tempo de orkuteiro ativo, tinha um perfil que me identificava como tradutor e uma participação em uma comunidade de tradutores. O que eu recebia de solicitações de tradução grátis, de gente que eu nem conhecia, era uma barbaridade. Se eu fosse fazer tudo aquilo grátis, não tinha um momento para mais nada na vida. E todos os pedidos tinham uma boa justificativa: era para a escola, era só uma música, era só… Mas, ainda que mal pergunte, por que eu vou trabalhar grátis, quando posso fazer serviço remunerado, e ficar com menos dinheiro no bolso para os outros ficarem com mais dinheiro no bolso deles?

Por que, para pagar o tradutor, nunca se tem dinheiro? Comprou roupa, tomou chope, foi na balada. Para o tradutor, bom, aí… Por acaso, na loja de roupas, no boteco, na balada, eles dão desconto "porque é para a escola"?

Quanto à tradução automática de que fala o Igor, sim, melhorou muito e está melhorando constantemente e essa melhora vai provocar muitas mudanças na nossa profissão. Sobre isso, falo amanhã, porque, por hoje, é só. Obrigado pela visita.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Como se Traduz Hernando's Hideaway?

Já contei a história do Hernando's Hideaway? Talvez você devesse primeiro ouvir a música clicando aqui. É a referência a um boteco, onde o amasso era permitido. Os compositores são Richard Adler e Jerry Ross e a música faz parte de "Pajama Game", musical da Broadway, baseado em um livro e que deu origem a um filme de sucesso no final da década de 50, no século passado.

Mas este é um blogue sobre tradução e é de tradução que vamos falar.

Traduzir letra de música para o português é uma tarefa árdua. Principalmente quando a peça é descritiva e o letrista-tradutor tem que, de um modo ou de outro, encaixar a história toda dentro do leito de Procusto da melodia, ainda mantendo os acentos tônicos nos tempos fortes. Sem essa de "a tradução portuguesa é sempre mais longa e não dá para acompanhar a métrica". Não cabe? Faz caber e pronto!

Você pode gostar da música ou não, isso não vem ao caso. Mas preste atenção ao que acontece aos 50 segundos: a cantora canta o breque "Hernando's Hideaway, oh-lay!" Como se traduz isso para o português? Esconderijo do Fernando, olé? Tente cantar essa frase dentro das oito notas do breque. Sobram duas sílabas, ou faltam duas notas, como queira. Dá para mastigar duas sílabas, mas fica horrível. Além disso, a rima, coitada, morre.

Como é que faz então? Note que estou falando de uma "versão" (é assim que é costume chamar as traduções de letra de música) para ser cantada em auditório, em baile, ou no chuveiro, gravada em disco, essas coisas. Não para ser lida. O problema aqui é diferente do enfrentado pelo legendador e suas restrições quanto a número de caracteres por linha e tempo de permanência da legenda na tela. O problema, aqui, é encaixar na melodia.

O letrista brasileiro, cujo nome esqueci e não consegui encontrar na Web (se você souber, por favor, me conte), partiu do princípio que o "olé" do breque era essencial, com o que concordo. O "olé" consome duas das oito notas do breque, tantas quantas o "oh-lay" do original. Até aí, tudo bem.

Mas o nosso "olé" termina numa vogal aberta, ao passo que o "oh-lay" do original termina num ditongo fechado, da mesma forma que "hideaway". Quer dizer, mesmo que o letrista preservasse o nome do estabelecimento, sob a alegação de que é nome próprio e nome próprio não se traduz, ia perder a rima. Podia esperar que o "olé" fosse dito à espanhola, com vogal fechada, mas não ia dar certo, porque o "Hideaway" termina em ditongo, não em volgal. Além disso, o nome no original ia ser um problema para o público brasileiro, naquela época muito menos acostumado a ouvir e usar termos em inglês. Estamos falando de 1957, lembre.

Então, é necessário traduzir o nome do estabelecimento, de modo que a última sílaba rime com "olé" e, além disso, tenha o nome do proprietário no fim, a boa moda portuguesa, que manda dizer "Esconderijo do Fernando" em vez de "Fernando'do Esconderijo". Inglês é tudo de trás para diante, como já notava Obelix. Então, o letrista trocou o "Hernando" por "José", o que rima direitinho e ocupa mais duas notas, ao contrário do "Hernando's", que ocupa três. Sobram quatro notas para o "hideaway", mas "esconderijo do" tem seis. Então o letrista traduziu o "esconderijo do" por "Na Toca do", que tem quatro sílabas. Veja que, na tradução de letra de música, sobrarem notas é tão ruim quanto faltarem

Agora, exercite seus dotes canoros e cante "Na toca do José, ooooooooo-lé" junto com a Gladys Hotchkiss, ali, na hora do breque, e veja como cai bonitinho, inclusive com os acentos tônicos nos mesmos lugares que em inglês. Se entender de música, você vai perceber que tanto as tônicas do inglês como as do português coincidem com os tempos fortes da melodia.

Perfeito, não é? Agora, é disto que eu estava falando, no artigo anterior, ao falar em relevância: o relevante, no caso, não era o nome exato do boteco, porque não aparecia no disco nem no baile nem no chuveiro: qualquer nome servia, desde que transmitisse a idéia de "oculto". O fato de que Hernando não é José e que "hideaway" não é propriamente uma toca não tem tanta importância quanto o metro e o ritmo e a ideia de que era um lugar discreto que levava o nome de seu proprietário. Quer dizer, vão-se os aneis, ficam os dedos.

A tradução da legenda do filme (que eu não vi) deve ter sido bem diferente. Mas as restrições impostas pelo meio legendagem são totalmente diferentes das impostas pelo meio canção, como também são totalmente diferente daquelas impostas pela dublagem e é por isso que quando a gente pega um filme dublado e legendado, o que os atores dizem nunca é exatamente o que está nas legendas. Mas isso é papo para outro artigo. Por hoje, chega.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Você Conhece o Professor Horrendo?

Há tempos ando querendo falar aqui sobre o Professor Horrendo. O Professor Horrendo é um casca de ferida, para dizer a verdade. Incapaz de traduzir uma página de qualquer porcaria que seja, é um gênio quando se trata de meter o pau em serviço alheio. Num texto de mil páginas, encontra aquela palavra que, a bem dizer, poderia ser substituída por outra melhor e faz um carnaval de todos os diabos. Adora os cadernos literários e é adorado por eles, que sempre lhe abrem espaço.

Muitas vezes, Professor Horrendo tem razão: de fato, o tradutor fez uma escolha infeliz. Outras vezes, entretanto, está totalmente errado, porque tradução, por natureza, por definição, inclui um tanto de distorção e, para minimizar o efeito negativo dessa distorção, o tradutor faz certas escolhas, privilegiando o que acha importante em detrimento do que acha irrelevante. Vem lá o Professor Horrendo e aponta que em tal parágrafo, se o tradutor tivesse escolhido "X" em vez de "Y", teria preservado melhor um determinado elemento do original.

Teria mesmo. Por outro lado, teria prejudicado a transmissão de outro elemento, que o tradutor considerou mais importante: ou um ou outro.

Aí está um das características mais essências do bom tradutor: aprender a distinguir o essencial do acessório, privilegiando, no seu trabalho, o que é mais importante, porque tudo, tudo, tudo, não se pode traduzir. O Professor Horrendo não entende isso, ou talvez entenda e faça que não entende, sei lá.

Dizem que quem sabe faz, quem não sabe ensina, uma frase que me parece injusta para com os professores. Mas tenho por certo que quem não tem competência nem para traduzir nem para ensinar a traduzir, dedica-se a achar erro na tradução dos outros.

A existência do Professor Horrendo é uma descoberta de Sara Blackburn, divulgada por Gregory Rabassa e Clifford Landers, entre outros tradutores.

domingo, 12 de julho de 2009

O Concurso para TPIC é Inconstitucional?

Escreve o Michael, em um comentário que prefiro publicar aqui, com a omissão de um breve trecho que nada tem que ver com tradução, por me parecer de interesse mais geral. Fala aí, Michael!

É impressiona-te com todos sabem e ninguém faz nada: o concurso para TPIC é inconstitucional, afronta o direito de exercer sua profissão livremente (e para seu sustento). O "agentes auxiliares do comércio" é ultrapassado! e como é do conhecimento de todos, não são funcionários públicos, ou servidores, como queiram.

Têm que trabalhar duro, pagar impostos, levar calote, e AINDA PRESTAR UM CONCURSO que é exigido por um Resolução Normativa (infraconstitucional). Precisamos juntar forças e entrar com um Ação Direta de Inconstitucionalidade.

O CONCURSO É INCONSTITUCIONAL!!!!!

Michael, já tinha visto muitas críticas à legislação que rege o ofício de TPIC, mas nunca tinha ouvido falar que o concurso fosse inconstitucional. Não estou dizendo que não seja. Estou dizendo que nunca tinha ouvido ou lido a informação. Quer dizer, se "todos sabem" eu estou fora do "todos".

Não sou parte interessada: jamais quis ser TPIC e, não é agora, nos meus 66 anos, que vou mudar de ideia. Mas se você é parte interessada e acha que o concurso é inconstitucional, sugiro que você prepare sua argumentação e monte um blogue (custo zero, como este) e comece a arregimentar interessados para sua ADI. Se você fizer isso, divulgo sua campanha aqui e alhures, com todo o prazer, como já divulguei outras, que me pareceram igualmente merecedoras de divulgação.

Minha posição é sempre a mesma: se você acha que ninguém faz nada, vá e faça você. Não diga "precisamos juntar forças", assuma você a tarefa de começar a juntar forças. Outro dia, ainda escrevi sobre isso, ao tratar da luta da Denise Bottmann contra os plágios. Ela achou um abuso essa história de plágio e em vez de reclamar que ninguém fazia nada, resolveu ela fazer - e está dando certo, muito certo.

Este blogue mesmo é a realização desse conselho: eu achava (e acho) que alguém tinha que analisar certas questões relacionadas com nossa profissão e achava um horror que ninguém analisasse. Discuti o assunto com diretores de uma das associações representativas de nossa profissão — mas a discussão morreu no nascedouro. Em vez de reclamar que "ninguém faz nada", criei este blogue estou fazendo eu. A sensação é ótima. Nem todos concordam com minhas opiniões, mas isso é outra coisa.

sábado, 11 de julho de 2009

Artigo Longo, Antipático e Desagradável.

Mensagem simpática e agradável, de uma estudante querendo lugar como estagiária. Lamento, não tenho o que fazer com uma estagiária, seria desonesto contratar.

Mas, se estivesse procurando uma, dificilmente escolheria essa candidata, por simpática que me tenha parecido. Além do já tradicional "estudo inglês a X anos", outros erros de gramática, pontuação, essas coisas. Erros de português numa mensagem pedindo emprego de estagiária de tradução são absolutamente impensáveis. Esse tipo de mensagem deve sempre se lido, relido e requetecontrarrelido e polido até brilhar.

Procura estágio, portanto, está na faculdade - e nem é das que tenha pior fama entre nossos estabelecimentos. Como escreve tão mal? Há tempos, conversei com um professor de curso superior sobre esse assunto, e ele me explicou, não sem alguma condescendência, que não cabe à faculdade ensinar português básico aos alunos, eles têm que aprender essas coisas no curso médio. O professor de curso superior tem que partir da premissa que o aluno sabe essas coisas.

Bom, que seja. Mas o aluno não sabe e os professores sabem que não o aluno não sabe, porque hão de ler os mesmos erros nos trabalhos apresentados. Quer dizer, constroem o prédio sem que haja alicerce. Mas, então, como se permite que ingressem nos cursos superiores alunos que não tenham o alicerce necessário para construir o prédio? Como essa moça, aparentemente séria, honesta e disposta a trabalhar, é recebida num curso para o qual não está preparada? Para que serve o vestibular?

Como se podem construir os andares superiores sem o alicerce? Tudo há de balançar, com o risco de ruir. Mas a nossa academia prossegue, ereta: cumprem sua obrigação, se os outros não cumpriram a deles, não é problema da academia. Vão dormir satisfeitos, em paz com suas consciências: amanhã, tem mais.

Mas, ainda que mal pergunte, quando é que esse pessoalzinho que está na faculdade, muitos pagando bom dinheiro, acreditando que, ao sair, vai ter lugar no mercado, vai aprender a pontuar e a distinguir entre "a", "à", "á", "há" e "ah"? Que a gente diz "houve casos"? Que o certo é "vendem-se casas"? Que se diz "mal feito"? E mil outras coisas a mais, coisas que, se ignoradas, barram qualquer candidato na porta de entrada de uma editora ou agência de traduções? Quando é que esses pontos vêm a baila, se nunca são exigidos?

Tive vontade de perguntar ao meu amigo professor se ele concordaria que, além do compromisso de ensinar o que quer que ele julgasse sua obrigação de ensinar a seus alunos, a Universidade, como instituição, tem o duplo compromisso de garantir ao formado que está preparado para enfrentar ao mercado e garantir ao mercado que seus diplomados são competentes para exercer a profissão que consta em seus diplomas.

Ah, e ainda digo mais: formar profissionais da tradução sem ensinar a usar ferramentas de tradução assistida por computador é muito feio. Mas isso eu já disse mil vezes.

Se você está fazendo faculdade e quer se dedicar à tradução como profissional, pegue aqueles livros de português para concursos públicos, cheios de testes e de questões de concurso, e resolva todas as questões. Todas. Depois pegue outro e mais outro. Até conseguir responder a todas as perguntas corretamente sem pestanejar. E, se tiver alguma dúvida, procure numa boa gramática, a do Bechara, por exemplo, ou o livro dele sobre análise sintática. E estude como uma fanática. Não adianta saber falar inglês bonitinho e claudicar no português: sua vida vai muito mais escrever português do que qualquer outra coisa.

Se não vai a bem, que vá a mal.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Não tenho Tempo para Aventureiros

Há algum tempo, alguém postou uma pergunta muito boba em uma lista de discussão. Um colega nosso, muito gozador, respondeu assim "de acordo com a página tal do Collins Gem, a tradução é tal". A consulente ou não entendeu ou se fez de desentendida: agradeceu e sumiu do mapa. Mas, tem dó, postar uma pergunta numa lista sem se dar ao trabalho da abrir um dicionário antes, é abuso. Além disso, queima o filme. As listas são uma vitrina e eu posso traçar cada um dos clientes que tenho hoje à minha ativíssima participação na trad-prt, num outro momento da lista, momento que considero mais feliz do que o atual.

Aos poucos, foram me oferecendo serviços e oportunidades que foram me elevando do dez reau por baciada para patamares de remuneração mais elevados. E ninguém vai oferecer serviço para que posta na lista perguntas que poderiam ser respondidas por uma consulta a qualquer dicionário. Quer dizer, cada um forma sua própria reputação.


Postar perguntas é bom e, creiam-me, se a gente aprende muito sobre um profissional lendo as respostas que dá aos colegas, muito mais se aprende lendo as perguntas que posta. Uma pergunta bem formulada, sobre um problema complexo, conquista para o consulente a reputação de profissional interessado em fazer um bom serviço. Perguntas cretinas, por outro, conquistam para o consulente a reputação de…cretino.


Não vai faltar quem responda às perguntas bobas, claro. Alguns, por um senso de caridade que difere do meu ou às, vezes, por motivos que eu consideraria menos nobres.


Há algum tempo, soltei os cachorros em alguém que tinha postado uma série de perguntas cuja resposta se encontra em qualquer dicionário que se preze e até em alguns que não se prezam. Uma colega me repreendeu "Ah, seu Danilo, o senhor nunca foi principiante, ou já se esqueceu daquele tempo?" O "senhor" aí, não era demonstração de respeito - ninguém me chama de "senhor", exceto minhas sobrinhas - mas sim um daqueles sarcasminhos baratos tão correntios na Internet.


O fato é que censurei a consulente exatamente por me lembrar de quando era iniciante. Não havia Internet, naquele tempo, nem em sonho, mas eu já fazia perguntas - mas só quanto tivesse esgotado todos os recursos próprios. Aliás, essa é uma das características que distinguem, de um lado, o principiante, que merece todo o nosso respeito, porque todos nós um dia fomos principiantes e porque o principiante bisonho de hoje é o bom colega de amanhã, e, de outro o aventureiro, porque o aventureiro de hoje é o picareta de amanhã.

O principiante tem um compromisso com a profissão e dá um duro danado para fazer um bom serviço e se desenvolver, acumulando recursos e fazendo o melhor uso possível deles. O aventureiro, simplesmente quer entregar o serviço, de um modo ou de outro, e "pegar o dindim". À primeira palavra para a qual não lembrar imediatamente de uma tradução, posta dúvida na lista: alguém que lhe resolva os problemas, porque ele não está muito interessado em resolver nada. Não passa de um chupim, de um sanguessuga.


Desculpem, mas não tenho tempo para aventureiros.

A volta dos que não foram

Este blogue ficou fora do ar três dias por única e exclusivamente por cretinice minha. Não foi a primeira, não foi a única, não será a pior. Por outro lado, agora você pode chegar aqui simplesmente com http://www.tradutorprofissional.com/, quer dizer, estamos chiques, com domínio exclusivo e tal.


Outras idiotices eu vou cometer nos próximos dias, pelas quais peço já desculpas. Mas não vou sumir de todo, não. Quer dizer, não adianta ficar festejando.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Assim, não pode ficar!

Ninguém faz nada? Alguém precisa fazer alguma coisa! Assim, não pode ficar!

Nossa colega Denise Bottmann, irritada, para não dizer revoltada, com uns tantos plágios de tradução que ela e outros colegas descobriram, chegou à conclusão óbvia de que alguém tinha que fazer alguma coisa. Em vez de ficar clamando aos céus que "ninguém nesta terra faz nada", como é a praxe nessas horas, resolveu que "Alguém" tinha o nome civil de "Denise Bottmann" e partiu para a luta. Só pelo fato de que ela resolveu se mexer, em vez de reclamar que ninguém se mexe, já merece medalha de ouro.

Foi além: em vez no seu blogue publicar aqueles artigos tipo lança-chamas, cheios de alusões vagas e de acusações ainda mais vagas, do tipo "contra tudo e contra todos" comporta-se como atiradora de elite: faz mira contra um determinado plágio, compara edições diferentes e depois diz "o livro tal e tal publicado pela editora tal e tal como tradução de fulano de tal na verdade é uma cópia da tradução de beltrano de tal publicada pela editora qual e qual no ano tal". Quer dizer, faz mira, cuidadosamente, e dá um tiro certeiro, bem no meio da testa da criatura. Se alguém quiser prova, é só pedir.

Deu em alguma coisa? Ah, sim, deu em muita coisa.

No princípio, a turma foi tirando o corpo fora. Sabe como é, aquela conversa mole de relações públicas, diz que não, que talvez, que não é bem assim, mera coincidência, perdemos nossos arquivos, lamentavelmente, porque, sabe, então, houve um mal-entendido, a senhora está prejudicando o setor do livro e tal e coisa e loisa e nossa editora pauta-se melhor respeito e mais o diabo que os carregue a todos eles para o meio dos infernos, que é seu lugar.

Mas a Denise não desistiu e continuou disparando seus tiros certeiros.

Pelo menos uma editoria constituiu advogado e enviou à Denise uma intimação extrajudicial, uma cartinha educada onde, traduzido para o popular, se diz "cala a boca ou eu te processo". Pensaram que, com isso, acabava a história. Acabou, nada. A Denise é igual a clara de ovo: quanto mais apanha, mais cresce.

Conseguiu que uma grande editora reparasse o erro cometido e – briguenta mas honesta – publicou um artigo elogioso em seu blogue. Ela não quer acabar com as editoras, quer acabar com os plágios, no que está certíssima.

Está conseguindo, o que é muito importante, apoio em alguns outros cantos, por exemplo, no Ministério Público Estadual. Agora, está virando caso de polícia, o que, aliás, sempre foi.

Se você está se perguntando porque eu conto o milagre e não conto o santo, é para você ir lá, ler o blogue da Denise, do qual só tenho uma reclamação: o hábito de só escrever com minúsculas. Oh, troço difícil de ler. Mas o conteúdo vale o esforço.

Ah, e se você quiser entrar na campanha, a Denise aceita colaborações. Mas nada de denúncias bobas do tipo "uma amiga me disse sobe de uma conhecida que a editora tal…". Faz à moda da Denise, pega o original, pega a edição que você pensa que foi plagiada e compara. Depois, fala.

O blogue dela está aqui.



quinta-feira, 2 de julho de 2009

Um Pouco mais sobre Preços

De vez em frequentemente, alguém me pergunta quanto cobrar. Desculpe, mas essa é uma pergunta à qual não respondo. Até já disse quanto cobrava; quanto os outros devem cobrar, eu não digo. Se você está querendo saber quanto deve cobrar, dê uma olhada na tabela do SINTRA.

A tabela do SINTRA está acima da média do mercado e, por exemplo, nenhuma agência vai pagar aqueles valores. Por outro lado, as agências têm suas próprias tabelas e vão dizer a você direitinho quanto pagam. Sempre se pode tentar negociar um preço melhor, mas nem sempre se consegue alguma coisa. As melhores editoras e os clientes diretos estão chegando cada vez mais perto da tabela do SINTRA. Cabe a você decidir quanto vai cotar por seu trabalho.

O problema principal, e eu já disse isso aqui mil vezes, é cotar com firmeza. Nada de dizer Bom, sabe como é, a turma aí está cobrando 10, mas a gente procura não cobrar tanto… Isso não é coisa de profissional. Profissional diz, calma mas firmemente, eu cobro X por palavra. Se o cliente pedir desconto, a melhor resposta é é o preço que eu cobro de todos os clientes, não faria sentido cobrar menos do senhor.

Sempre deixe as coisas muito bem claras e por escrito. Muitos clientes mandam um pedido ou ordem de serviço para seus fornecedores. Se receber um destes, leia atentamente e releia mais atentamente ainda, antes de começar e peça uma emenda escrita se estiver algo errado. Não adianta o cliente dizer ah, desculpe, erro de preenchimento, a gente dá um jeito. Na hora do vamos ver, vale o que está escrito e você se ferra.

Se o cliente não mandar pedido nem ordem de serviço, mande um e-mail dizendo mais ou menos: A tradução de tal coisa vai custar tanto para ser pago no dia tal. O prazo de entrega é de tantos dias a contar do recebimento de um e-mail confirmando a aceitação desta proposta. E especifique se você vai dar nota fiscal de pessoa jurídica ou RPA, para evitar problemas posteriores.

Cuidado, muito cuidado, com o cliente que te telefona e diz que a proposta está aceita, mas que o e-mail vai só amanhã. Dá menos trabalho enviar um e-mail do que fazer um telefonema e há uma grande probabilidade de que esse cliente meramente queira fugir à aprovação por e-mail, que vale como prova em juízo.

Agora, vamos mudar de assunto um pouco, por favor. Outra hora a gente volta a falar em preços.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Linkedin, ATA e o trabalho grátis

O velho código de ética da ABRATES (que, posteriormente, deu lugar ao SINTRA e foi recriada posteriormente) proibia trabalhar grátis para quem pudesse pagar.

Acho essa disposição magnífica. O que tem de gente que pode pagar e arranja uma boa desculpa para procurar extrair tradução de graça não é pouca coisa. E, o que é pior, o que tem de tradutor inocente caindo nessas histórias também não é pouco.

Recentemente, me aparece a Linkedin, que diz que é uma rede de profissionais e o escambau, com o golpe do João sem Braço, uma "pesquisa" querendo saber quantos tradutores estavam dispostos a traduzir "por diversão" ou "em troca de um distintivo". Deu o que falar, claro. A turma botou a boca no trombone e soprou forte.

O capítulo mais recente da noveleta é um ofício assinado pelo presidente da ATA, e endereçado ao presidente da Linkedin, soltando os cachorros no homem — e não sem razão. Leia aqui, e fique de olho nessa turma que pede serviço de graça. Às vezes, é uma ONG onde todos ganham bem, mas o dinheiro acaba na hora de pagar o tradutor. Outras vezes, é coisa pior ainda.


Mais "You", para quem gostou

O artigo abaixo, sobre a tradução de "you", escrito meio por brincadeira, causou um certo impacto. Cabe, talvez, adicionar, que só conta uma história, mas não pretende esgotar o assunto.

Edson Cortiano, num comentário ao artigo, nos lembra que "you" pode ser "a contratada". Pode ser, também "a contratante", porque muitos contratos em inglês, principalmente nos EUA, são escritos usando a segunda pessoa onde nos usaríamos a terceira e diriam "… you shall deliver…" onde nos diríamos "a contratada entregará".

Também pode ser o contrário, quando o vendedor é quem redige o contrato, por isso, não vá traduzindo todos os "you" encontrados em contratos como "a contratada". O objetivo profundo deste artigo e do anterior é relembrar que piloto automático em tradução não existe.

O "you" também se traduz por "seu", em expressões como "you shit!" (seu merda!). Além disso, tem uma tradução maneira como "a gente": "you have to leave your dog outside" (a gente tem de deixar o cachorro fora), exemplo que, aliás, tirei do dicionário dos irmãos Vallandro.

Já tratei do mesmo assunto, com um pouco mais de seriedade, aqui.