Era uma vez uma empresa que achava que pagar tradutor para o inglês ainda vá lá – mas que traduzir do inglês qualquer funcionário podia e devia. Um dia, receberam a visita de um inspetor de segurança, vindo da matriz, que ficou horrorizado de ver, na fábrica, o pessoal fumando em baixo das placas de é proibido fumar e, por isso, incluiu no seu relatório um item enforce the smoking prohibition, querendo dizer, obviamente, que quando alguém se pusesse a fumar nas áreas onde era proibido fumar, deveria ser abordado por um dos seguranças e ser obrigado a apagar o cigarro.
Mas a regra da empresa era não pagar profissionais para traduzir do inglês, como eu disse, então, pegaram algum funcionário mais jovem, distraído e indefeso e disseram: aproveita o fim de semana para traduzir este relatório. O infeliz levou o papel para casa e traduziu, a duras penas e de muito má vontade. Entregou na segunda-feira de manhã e foi cuidar dos seus afazeres. Esse funcionário nem era, nem queria ser, tradutor. Sua profissão era talvez advogado ou engenheiro e, para ele (ou ela), tradução não era coisa nem séria nem importante. Então, esqueceu do incidente e foi se preocupar com coisas sérias.
A tradução era neessária porque o encarregado de segurança na fábrica era um funcionário mais antigo, do tempo em que a empresa ainda não fazia questão de que todos os funcionários "soubessem" inglês. Então, o encarregado da segurança pegou a tradução e começou a responder os quesitos. Primeiro: reforçar a proibição de fumar. Não sabendo inglês, não lhe poderia ter ocorrido que o reforçar era uma falsa tradução para enforce e aceitou a recomendação ao pé da letra – embora se sentisse algo ofendido: a fábrica tinha já uma quantidade enorme de placas de é proibido fumar. Por isso, sua resposta começou assim: embora a fábrica já conte com mais de 50 placas "e proibido fumar" grandes e visíveis, vamos mandar afixar mais outras tantas.
Pronta a resposta, e aprovada por quem de direito, me pediram para traduzir para o inglês. Foi só abrir o papel e senti, na hora, como você também teria sentido, o cheiro de enxofre. Alertei a secretária, que me olhou bem no fundo de meus olhos vesgos e disse Danilo, traduz o que te mandam. Traduzi, foi para os EUA, cobrei, recebi.
Não sei que fim teve a história. Aquela era uma empresa de rápidas mudanças de pessoal e rumo e nem sei se alguém leu a resposta que eu traduzi. Mas, se leu, deve ter achado o pessoal de São Paulo um bando de cenossões*.
*Uma explicação sobre cenossão. Há tempos circula a história de um aluno que escreveu cerumano em vez de ser humano. Pode ser mentira, mas é ótima. Baseado nessa história, lá na comunidade dos tradutores do Orkut, criei o termo cenossão, que é o sujeito tão sem noção que não sabe escrever sem noção. A mensagem original está aqui .
Obrigado pela visita e volte amanhã, a ver se tenho algo de bom para dizer.
2 comentários:
Fiquei sabendo de uma empresa que pagou curso de inglês para seus empregados para que eles mesmos fizessem as traduções. Aliás, pior: as versões Depois, claro, é só "mandar revisar". Uma dessas revisões caiu na minha mão. A bomba de vácuo, por exemplo, virou "vacuous bomb". Fiz o que pude, depois expliquei para a agência que teria sido mais fácil refazer o trabalho, mas que pelo menos eu tinha desativado todas as bombas.
Ainda bem, Emilio, que você mantém seu bom-humor. Sempre lembrando que aí há uma fila de cenossões. A empresa, que botou os coitados para traduzir antes da hora; quem traduziu, que podia dizer "ainda não estamos preparados"; e, provavelmente, até a agência, que, antes de aceitar a revisão, deveria ter dado uma olhada no texto.
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