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quinta-feira, 31 de julho de 2008

Como escolher entre duas traduções:

Você já se viu em dificuldade para escolher entre duas traduções possíveis para a mesma frase? O meu sistema de escolha é este:

  1. Dentre duas traduções, prefira a que mais precisamente refletir o sentido do original.
  2. Dentre duas traduções que satisfaçam a condição anterior, prefira a que estiver menos aberta a falsas interpretações.
  3. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a que for mais correta gramaticalmente.
  4. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a que melhor refletir a forma do original.
  5. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a que melhor fluir na língua de chegada.
  6. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a que usar o vocabulário mais conhecido.
  7. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a mais breve.
Mas note que as perguntas devem ser feitas em seqüência; não vale simplesmente escolher a mais breve se não satisfizer os seis critérios anteriores.

Espero que você goste e comente.
Este é um dos processos que vamos aplicar nas Oficinas de Tradução a Distância. Depois falo um pouco mais delas. Se eu não bater o meu bumbo, ninguém mais vai bater – mas um pouco de suspense não faz mal a ninguém.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Revisar “versões”?

Eu já acho fazer “versão”, quer dizer, traduzir da minha língua para uma língua estrangeira, uma temeridade. A maioria das “versões” para o inglês feitas por brasileiros que tenho visto é de péssima qualidade – e olhe que inglês não é minha língua materna. Se fosse, provavelmente acharia ainda mais besteiras.


Já fiz muita “versão”, entretanto e, ao que tudo indica, não me dei de todo mal. Porém, de tempos para cá, só tenho feito “versões” para clientes cuja língua nativa é o inglês. Quer dizer, se ele aprova, não tenho o que temer do meu tupiniquinglish. As outras, tenho recusado. Fico mais tranqüilo, assim.


Uma vez, uma colega me pediu a revisão de uma “versão”. Fiz e me arrependi. Não acredito que eu tenha competência para revisar o inglês alheio e garantir que o resultado tenha nível profissional. Não aceito mais esse tipo de serviço.


No tempo em que eu ainda fazia muita “versão”, tinha um funcionário de um cliente que insistia em escrever “direto em inglês”, para minha revisão, para se ganhar tempo e ele ir “treinando”. Aqui, temos um problema inicial: eu presto serviços de tradução, não de ensino em inglês. Se o cliente quer treinar o seu inglês, por favor, que procure um professor. Há muitos e bons. Comigo não, violão.


O segundo problema deixaria alguns teóricos da tradução irritadíssimos. Para mim, toda tradução (ou “versão”) pressupõe um original, dele depende e a ele tem de ser fiel. Não é possível revisar uma tradução (ou “versão”) sem ter ao lado o original, que nos esclareça se o texto que o cliente nos enviou é fiel. Então, tive um pega com o sujeito. Fiz pé firme. Ele disse que eu era teimoso e eu dei a famosa resposta de Mário Covas: teimoso é você, que teima comigo! Cravei os cascos na lama e não aceitei. Não aceitei e não aceitei. E quando eu digo que não aceito, é porque não aceito e pronto.


Como revisor, eu sou o goleiro e, quando a bola entra no gol, o culpado sou eu. Não adianta dizer que o texto do cliente estava confuso e tal. Se der meleca, sou eu o acusado de incompetente. Por isso, não aceito. Prefiro perder o cliente. Mas não perdi. Havia muito serviço de “versão” na casa e era eu quem fazia. Só havia um cara que queria escrever direto em inglês.


Um dia, o cara saiu da firma e foi trabalhar em outro lugar. Tempos depois, me ligou e perguntou se eu estava disposto a aceitar um novo cliente. Eu já previ o que era, mas deixei que ele se enforcasse na própria corda. Aceitei. Ele mandou o texto via e-mail. Com todo jeito de inocente, pedi o original. Ele disse que não tinha. Então eu disse que não podia revisar e, de novo, cravei os cascos na lama. Ele desistiu e nunca mais tentou fazer contato. Não fez falta.

terça-feira, 29 de julho de 2008

O que engorda o gado

Sempre achei que o que engorda o gado é o olho do dono significava que a atenção do proprietário é que garante o bem-estar do rebanho. Um dia, me apareceram com uma explicação diferente: disseram que por mais triste e raquítico que seja o rebanho, o dono sempre vai ver como uma beleza, animais fortes e bonitos, coisa de ganhar prêmio em exposição.

Foi enquanto pensava nesta segunda interpretação que me veio à mente a história do serviço fácil. O cliente liga e oferece um serviço. Já vai dizendo, logo de cara, que é fácil, pouca coisa, meia dúzia de pagininhas, nada de muito técnico, você faz num instante. Claro, em clientês isto significa que ele está cavando um desconto.

Mas você vai ver é uma meleca dos demônios, um daqueles textos enfezados, escritos por algum disléxico com mania de grandeza e que a meia dúzia de pagininhas é um pdf borrado em Arial Narrow 4 e que, de fato, não é técnico. Antes fosse, porque, se fosse técnico, era até capaz de fazer algum sentido.

Podem chorar o que quiserem, podem fazer o discurso que quiserem, não dou desconto. Não dou desconto por texto fácil porque nenhum cliente jamais vai aceitar adicional de texto difícil. Então, os extremos se cancelam e pronto. Aliás, não acredito na existência de textos fáceis de traduzir, mas isso é outra conversa.

A maior prova de que tem carne debaixo do angu é que normalmente esse cliente quer um desconto sem que você veja o texto. Não quer, porque está escondendo alguma coisa.
Eu não dou descontos por facilidade nem cobro acréscimos por dificuldade. Se for difícil, azar meu; se for fácil, sorte minha. Quando o cliente insiste no desconto de facilidade eu digo isso e acrescento que o risco de dificuldade é meu e que se, em um serviço dele, der algum pepino, eu não vou cobrar a mais. E encerro a conversa. Ponto final. Não cedo. Não cedo um centímetro. Principalmente, tenha em mente que, se você disser se o texto for fácil mesmo, dou um desconto, até o fim dos tempos o cliente vai dizer que você prometeu um desconto e vai esquecer a primeira parte da frase.

Uma vez, uma colega me disse que eu não cedo porque já conquistei meu lugar ao sol. Errado! Eu conquistei meu lugar ao sol por saber dizer não, por saber quando dizer não e por saber como dizer não.

Para terminar, uma história divertida: a secretária me diz que tinha um serviço de uma meia dúzia de páginas e pergunta quanto ficava. Dei o preço por palavra, explicando que poderia haver páginas muito cheias ou muito vazias e, por isso, o número de páginas, em si, não fazia diferença. Depois de resmungar um pouco, mandou o serviço. Era, de fato, uma meia dúzia de páginas cheias de texto e mais uma boa vintena de páginas com uma meia dúzia de linhas em cada uma. Eu, sempre muito espírito de porco, fiz o serviço e mandei anexo em um e-mail onde dizia: prezada fulana, aqui vai sua meia dúzia de pagininhas, numeradas consecutivamente de um a vinte e cinco.

E, por hoje, é só. Espero eu continuar a escrever todos os dias. E dê uma olhada aqui do lado, onde está escrito Texto e Contexto, para ver os cursos a distância via Aulavox.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Quanto paga uma editora

A este artigo a Ana Cristina postou este comentário: Falou muito e não disse nada. Depois desse show de cultura, porque não responde?Quanto paga uma editora por lauda traduzida do inglês para o português? Texto corrido geral.


Bom, Ana Cristina, ninguém tinha perguntado quanto pagam as editoras, a pergunta era quanto ganha um tradutor, que é outra conversa, entre outras coisas porque a maioria dos tradutores não trabalha para editoras, que representam, se tanto, uns 5% do nosso mercado.


Mas, se tivessem perguntando, eu não teria como responder, porque o valor pago – e mesmo o tamanho da lauda – varia muito de uma editora para outra. Para piorar, não sei o que você quer dizer com texto corrido geral. Quer dizer, vou ficar devendo, mesmo.


Mesmo que eu tivesse uma resposta, ainda ficamos com uma pergunta: quantas a Ana Cristina consegue traduzir em um mês, mas disso eu falei no artigo postado.

Serviços repetitivos

Ainda trabalhando no computador Número 2, mas sem a menor vontade de deixar a peteca cair de novo.

Começou lá no Orkut uma bela discussão, em cima de um texto do Stephen Kanitz sobre casamentos duradouros, que foi falsamente atribuído ao Arnaldo Jabor e me levou a uma observação de natureza conjugal-tradutória. Aqui, vou deixar de lado o aspecto conjugal da história e me dedicar ao tradutório, que é disto que trata (ou deveria tratar) este blog.

Muita gente se queixa que tradução técnica é repetitiva, que é chato demais fazer todo dia a mesma coisa, que as áreas não-técnicas são menos chatas.

Depende um pouco da situação, claro. Porque existe muita literatura de massa que segue moldes altamente repetitivos. Durante muitos anos li Perry Mason e a quantidade de repetição é espantosa, Bianca, Sabrina e Júlia deve ser ainda mais repetitivo. Mas, de modo geral, há que concordar que os textos financeiros que traduzo há quase 40 anos guardam entre si grande semelhança. Com o tempo, a lei (textos financeiros dependem muito de legislação: muda a lei, muda o texto) e as modas, foram mudando, mas, mesmo assim, ainda encontro expressões com que topei na minha primeira semana de tradutor.

Mas, note, os textos são repetitivos, o que não significa que as traduções devam ser. Muito do que aprendi sobre técnicas de tradução vem, exatamente, do ter traduzido mil vezes as mesmas coisas.

Da mesma forma que a cada vez que você revisa uma tradução aparece uma solução melhor para o mesmo problema, a cada vez que eu traduzo, de novo, uma frase cujo esqueleto já traduzi mil vezes, tenho uma chance de apurar a forma, testar novas soluções. Um processo absolutamente contrário ao de muitos colegas que dizem ter aprendido com a variedade de textos, com o em um dia traduzir um filósofo e no outro traduzir literatura erótica.

Ensinei inglês muitos anos e, às vezes, ainda penso como professor de inglês, vendo os meus textos repetitivos como um tipo de pattern drill em que se repete, à saciedade, um padrão sintático, com o objetivo de melhorar a cada repetição. É mais ou menos assim que vejo as minhas repetições.

Em suma, a repetição pode existir no original, mas não é obrigatória na tradução. Tradução não se repete: melhora-se. Cada sugestão da memória de tradução é um desafio que me ri na cara e diz: Vai, melhora o que você fez antes! Você não diz que é tradutor? Então? E a cada vez que não consigo aperfeiçoar uma tradução antiga, me sinto um derrotado.

Quer dizer, coincidências totais, os famosos e famigerados 100% matches, existem somente na memória de tradução. Mas quem diz que memória de tradução tem cérebro? Ou coração?

domingo, 27 de julho de 2008

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa

Ontem, na Reunião na Sala 7, prometi que ia postar aqui no blog uns endereços para cadastramento de tradutores. Lamentavelmente, meu computador titular deu problema e estou trabalhando no regra 3, em cujo HD não estão todas as informações que quero. Então, vai ter de esperar um pouco. Mas não impede que eu escreva sobre outro assunto que vem me preocupando muito, a história do amo a língua inglesa (ou francesa, ou turca, ou o que diabo seja). A turma estuda tanto, mas tanto, a língua estrangeira, que acaba descuidando do português. Ama tanto a língua estrangeira, que despreza a sua própria. E traduzir é, principalmente, escrever português.

O problema menor, a meu ver, são os erros de português encontrados nas traduções. É muito mais grave o problema dos tradutores que começam a escrever tradutorês nos seus textos originais em português. Vou dar dois exemplos, ambos do inglês e ambos mascaradinhos, para não criar caso demais da conta. Mas o essencial está preservado.

Uma colega escreve eu fui oferecida um trabalho de revisão. Santo Deus! Misericórdia! Eu fui oferecida um trabalho é tradução literal de I was offered a job e é coisa que, em boca de gringo tem lá sua graça. Mas brasileiro nascido e crescido aqui, que estudou aqui toda sua vida e que se considera profissional da língua (e revisora!), escrevendo uma barbaridade dessas – e, tenha certeza – não foi brincadeira.

Outro me escreve falhei em lembrar. Ora, pipocas, falhei em lembrar, em língua de quem come arroz e feijão, significa lembrei e isso foi uma falha da minha parte. O que o colega quis dizer é não lembrei, mas achou chique copiar o inglês I failed to remember.

Que essas coisas se escrevam numa tradução já é mau, já revela um grave problema de contaminação. Que se escrevam em mensagens e recados e cartas e coisas escritas originalmente em português, é alarmante. Daqui a pouco, vão dizer faz você gostar para comer panquecas?

Mas, se a gente corrige, ficam zangados, somos acusados de falta de coleguismo, arrogância, o diabo – e lá vem aquele sarcasmo internético irritante do tipo peço humildes desculpas pelo meu terrível erro… Instalou-se, lamentavelmente, a cultura da crítica construtiva, que muitos interpretam como só dizer coisas boas e nunca apontar os erros.

Então, vou começar esta nova fase do blog sendo destrutivo, arrogante, antipático e espírito de porco: gente, é o seguinte: quer ser tradutor? Estude português. Leia menos inglês e mais português. Ame menos o inglês e mais o português. Compre o Lições de português pela análise sintática do Evanildo Bechara e leia de ponta a ponta. Consulte um dicionário antes de escrever subtotal para não bota hífen onde não deve. Aprenda a usar maiúsculas direito, em vez de acompanhar o hábito americano de salpicar o texto de maiúsculas como se fosse ketchup. Em outras palavras, não escreva português como gringo. Português é português, inglês é inglês. Ou, na expressão da moda, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Até amanhã.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Reunião na Sala 7 - Grátis, a Distância

Tema: Técnicas de desenvolvimento de clientela.

Um encontro mensal para discutir aspectos profissionais da tradução. Coisas como preços, mercado, clientela, formas de atendimento, enfim, todas aquelas coisas que interssam a nós que vivemos para traduzir e, por isso, queremos viver de traduzir.

Sempre na Sala 7 da Aulavox. O moderador é Danilo Nogueira, profissional com 37 anos de carreira e que já fez inúmeras palestras em vários estados do Brasil, na Argentina e nos Estados Unidos.

O formato agora está mais dinâmico e interativo, com mais oportunidades para discutir as questões propostas no chat.

A participação é grátis, mas você precisa se inscrever antecipadamente. É permitida a inscrição de grupos. Compareça e avise seus colegas.

Data: 26 de julho de 2008
Horário: 14h às 16h
Carga horária: 2 horas
Investimento: gratuito.

http://www.aulavox.com/2008/07/danilo-n/sala7-2607.htm

(Divulgue, por favor - se receber em duplicata, desculpe)

terça-feira, 15 de julho de 2008

Uma dica, por favor

O termo dica me apareceu pela frente em torno de 1970 quando o Curso Objetivo estava revolucionando o mercado de cursos pré-vestibular em SP. As apostilas estavam cheias de dicas disto e daquilo. O termo talvez fosse antigo, mas foi naquela época que se popularizou em São Paulo, ao menos.

A dica, de certa maneira, corresponde ao pulo do gato, àquela informação que faz uma grande diferença. O problema está na tendência de achar que tudo nesta vida se resume a uma meia dúzia de dicas, que estão em algum lugar e que é necessário descobrir para progredir. Rápido e rasteiro, meia dúzia de linhas em um e-mail e pronto.

As dicas originais do Objetivo vinham no meio das apostilas, em destaque. Com ou sem elas, a turma tinha que estudar feito loucos e eu me lembro disso porque um conhecido estava se preparando para medicina e vivia com o nariz nas apostilas e enchia resmas de papel com exercícios. Alguns, claro, os mais espertos, liam somente as dicas. A diferença é que meu conhecido entrou na faculdade e os espertos ficaram para trás.

É raro o dia em que não me pedem dicas, geralmente dicas de como conseguir serviço. Aliás, é disso que vamos falar na próxima Reunião na Sala 7, no dia 26 (VOLTOU!!!!). O fato é, entretanto, que não há dicas que substituam o trabalho árduo. Uma série de boas dicas pode facilitar as coisas, mas aprender línguas no nível necessário para traduzir, ingressar no mercado e viver de tradução exigem muito esforço e os que pensam que vão viver de traduzir em torno de mesas de chope na Vila Madalena podem esperar algumas boas surpresas na vida.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Estou sendo explorada?

Uma colega me faz essa pergunta. Conta que tem um grau de doutora e, por qualquer motivo, resolveu se dedicar à tradução em vez de à profissão em que se havia doutorado. Diz que recebe entre R$ 0,03 e R$ 0,04 por palavra da agência para que trabalha.

Pergunta se está sendo explorada.

Não gosto da palavra explorada neste sentido e não vou mais usar aqui. Mas sempre há algumas coisas que posso dizer à colega.

Comecemos dizendo que o fato de ela ser doutora não diz nada sobre a qualidade de sua tradução. Tradução é como pudim: precisa provar para saber se está bom - e eu não vi a tradução dela. Aliás, nem tenho como ver.

Por outro lado, a faixa citada é a mais baixa que as agências pagam. Portanto, se você está nessa faixa, ou precisa melhorar a qualidade de sua tradução ou procurar clientes que paguem melhor.

Resposts Mal-educadas


Já faz tempo, pelo menos em termos de Internet. No dia 7 de junho de 2004, acordei com espírito de porco e postei o texto abaixo, em inglês, na TCR-D uma lista de discussão internacional. O texto andou por aí, de seca em Meca e, hoje de manhã, uma amiga me avisou que tinha sido repostado em uma lista espanhola. Eu tinha completamente perdido o texto e fiquei satisfeito de recuperar, por cortesia dela. É uma série de respostas mal-educadas que eu usei em um outro momento da minha vida profissional. O LSD$ é uma moeda imaginária, o Lower Slobovian Dinar, ou Dinar da Baixa Eslobóvia, que eu inventei para não ter que dar preços reais. Espero que você goste das historinhas.

–O que você faz?
–Sou tradutor.
–É mesmo? Bacana, mas eu queria saber o que você faz para viver.
–Você quer dizer trabalhar? Eu não trabalho. Ganho tanto dinheiro com as traduções, que não preciso trabalhar.

–Dá para fazer esta tradução em três dias? Estou com uma pressa danada.
–Claro.
–Quando vai custar?
–LSD$ 1500.
–Não é demais para três dias de trabalho?
–Posso fazer em uma semana, se você preferir.

–Dá para fazer um precinho mais camarada para a gente?
–Por quê?

–Você ganha mais que eu!
–É mesmo? Então, porque você não vira tradutor?

–Temos uma cotação mais razoável para este pedido. Tem muito tradutor disposto a pegar o serviço a taxas mais razoáveis.
–Tem sim. Mas também tem muito cliente disposto a pagar a taxa que eu cotei.

–Temos uma cotação uns bons vinte por cento mais baixa que a sua.
–… [Silêncio]
–Oi! –Eu disse que temos uma cotação uns bons vinte por cento mais baixa que a sua.
–Sim, eu ouvi.
–E o que você me diz disso?
–Nada.

[para um cliente estrangeiro]
–Qual é sua menor taxa? –LSD$ X.
–Taxa muito alta para o Brasil.
–Sim, eu sei disso. É bem por isso que eu não trabalho para clientes brasileiros. Eu só vivo no Brasil, mas não trabalho aqui. O melhor dos dois mundos, sabe? Viver no Brasil, trabalhar no exterior.

–Qual é sua menor taxa?
–LSD$ X.
–Santo Deus, como é que você chegou a esse valor astronômico?
–Oferta e demanda.

–Qual é sua menor taxa?
–LSD$ X.
–Tudo isso por uma folha de papel?
–Não, o papel é grátis. É simplesmente a embalagem da tradução. O preço é pelo trabalho de pôr as palavras no papel.

–Os espaços não se traduzem, Por isso, a gente não paga os espaços.
–Muito bom. Vou entregar a tradução sem espaços.

–Conheço uma pessoa que cobra menos que você.
–E eu conheço muita gente que cobra menos que eu.
–Eles são bons tradutores?
–Não faço idéia. Nunca vi o trabalho deles.
–Tá bom, eu conheço um tradutor muito bom que cobra menos que você.
–Então, você tem o problema de decidir quem vai fazer a sua tradução.

–Fulano cobra menos do que isso.
–Você está falando comigo, agora.

–Você ficou maluco!
–Sim, sei disso. Meu psiquiatra cobra uma fábula. Por isso que minhas taxas são tão altas.

–Lamento muito, mas LSD 0,0001 por palavra é o máximo que podemos oferecer. É um projeto muito grande. Estamos fazendo uma proposta para 25 línguas.
–Minha proposta é só para português.

–Lamento muito, mas LSD 0,0001 por palavra é o máximo que podemos oferecer. Vamos ter prejuízo com este projeto.
–Fala comigo quando conseguir um contrato lucrativo.

–Vai ter mais trabalho no futuro.
–Então, vai se acostumando com o preço.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

O Leão está Doente II

O Ivan, num comentário aí abaixo, diz Com certeza! No caso de uma empresa, são necessárias outras competências e habilidades para que o negócio não afunde... Certíssimo, Ivan. Traduzir é uma coisa, dirigir uma agência de tradução é outra.

Aí, então, vem uma das minhas birras prediletas, que é a confusão entre os dois papéis. Alguns tradutores são excelentes administradores, da mesma forma que alguns tradutores são excelentes cozinheiros ou trombonistas, mas não tem nada que ver uma coisa com a outra. Uma das coisas que me irritam é o tradutor que critica o dono de agência dizendo vi traduções horríveis dele. E daí?

O que eu espero do dono da agência é que me pague bem e no prazo e não me atormente a vida com perguntas e exigências idiotas. Se o sujeito sabe traduzir, cozinhar ou tocar trombone, não faz a mais remota diferença.

Mas o caso da Lionbridge, que é uma sociedade de capital aberto e, portanto, deveria estar nas mãos de gestores profissionais, parece ser outro. Não se trata de tradutores metidos a gestores, trata-se de gestores profissionais que não conseguiram entender como funciona a tradução.

Estamos sofrendo muito com as Lionbridges todas, porque nos pagam mal e tardiamente e porque consideram o pagar cada vez menos a única estratégia possível. Não sei muito bem onde isto tudo vai dar, mas fico pensando nos dinossauros, que foram crescendo, crescendo, até se tornarem inviáveis, enquanto as baratas continuam aí. Não que eu goste de baratas ou me considere uma, mas acho que você entendeu o que eu quis dizer.