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segunda-feira, 28 de julho de 2008

Serviços repetitivos

Ainda trabalhando no computador Número 2, mas sem a menor vontade de deixar a peteca cair de novo.

Começou lá no Orkut uma bela discussão, em cima de um texto do Stephen Kanitz sobre casamentos duradouros, que foi falsamente atribuído ao Arnaldo Jabor e me levou a uma observação de natureza conjugal-tradutória. Aqui, vou deixar de lado o aspecto conjugal da história e me dedicar ao tradutório, que é disto que trata (ou deveria tratar) este blog.

Muita gente se queixa que tradução técnica é repetitiva, que é chato demais fazer todo dia a mesma coisa, que as áreas não-técnicas são menos chatas.

Depende um pouco da situação, claro. Porque existe muita literatura de massa que segue moldes altamente repetitivos. Durante muitos anos li Perry Mason e a quantidade de repetição é espantosa, Bianca, Sabrina e Júlia deve ser ainda mais repetitivo. Mas, de modo geral, há que concordar que os textos financeiros que traduzo há quase 40 anos guardam entre si grande semelhança. Com o tempo, a lei (textos financeiros dependem muito de legislação: muda a lei, muda o texto) e as modas, foram mudando, mas, mesmo assim, ainda encontro expressões com que topei na minha primeira semana de tradutor.

Mas, note, os textos são repetitivos, o que não significa que as traduções devam ser. Muito do que aprendi sobre técnicas de tradução vem, exatamente, do ter traduzido mil vezes as mesmas coisas.

Da mesma forma que a cada vez que você revisa uma tradução aparece uma solução melhor para o mesmo problema, a cada vez que eu traduzo, de novo, uma frase cujo esqueleto já traduzi mil vezes, tenho uma chance de apurar a forma, testar novas soluções. Um processo absolutamente contrário ao de muitos colegas que dizem ter aprendido com a variedade de textos, com o em um dia traduzir um filósofo e no outro traduzir literatura erótica.

Ensinei inglês muitos anos e, às vezes, ainda penso como professor de inglês, vendo os meus textos repetitivos como um tipo de pattern drill em que se repete, à saciedade, um padrão sintático, com o objetivo de melhorar a cada repetição. É mais ou menos assim que vejo as minhas repetições.

Em suma, a repetição pode existir no original, mas não é obrigatória na tradução. Tradução não se repete: melhora-se. Cada sugestão da memória de tradução é um desafio que me ri na cara e diz: Vai, melhora o que você fez antes! Você não diz que é tradutor? Então? E a cada vez que não consigo aperfeiçoar uma tradução antiga, me sinto um derrotado.

Quer dizer, coincidências totais, os famosos e famigerados 100% matches, existem somente na memória de tradução. Mas quem diz que memória de tradução tem cérebro? Ou coração?

2 comentários:

Anônimo disse...

D.
Que ótimo ler isso. Para quem vê de fora, tradução juramentada é SÓ repetição. Aliás, TJ ganha os tubos só trocando nome e data e olha lá! Cada vez que pego algo parecido sinto o mesmo desafio que você: melhorar um pouco, nem que seja na formatação, deixar as colunas mais bonitinhas, usar uma fonte que se encaixe melhor, mesmo que num histórico escolar "History" vá ser traduzido por "História" até o Juízo Final. Já houve tempo em que a melhora me dava a sensação de ter enganado o cliente anterior, ter feito piorzinho para ele e agora estar fazendo melhorzinho para o seguinte. Mas a que cargas manter o pior a título de uma suposta "coerência"? Uma vez ouvi uma coisa engraçada em um evento onde estava trabalhando como intérprete simultânea: "Engraçado falarem tanto em processo de "melhoria contínua". Não é o óbvio? Ou por acaso alguém se dedicaria à "pioria contínua"?"
Beijo,
Raquel

tico disse...

Puxa, Perry Mason! Há quanto tempo não ouvia falar de meu personagem favorito quando comecei a interessar-me pelo idioma inglês. Li todos, ou quase todos os pocket-books que consegui pegar na época. Lembra da Della Street ? E, daquele maluco, o detetive cujo nome não me lembro agora ? Saudades daqueles livrinhos do Erle Stanley Gardner !