Minutos depois, irmão Patrick, recém-chegado da Irlanda para dirigir o colégio e ainda com um português meio capenga, chamou João Grande ao seu gabinete e pediu a Irmão Angelino que servisse de intérprete.
Aqui vai o diálogo entre os três, com as falas em inglês traduzias ao português por mim, porque nem todos os leitores do blogue sabem inglês, mas em negrito itálico, para deixar claro o que é o quê.
I. Patrick: O que aconteceu, João Grandão?
I. Angelino: O que aconteceu, João Grandão?
J. Grandão: O José Pequeno rolou a escada e, como de costume, estão pondo a culpa em mim, dizendo que fui eu quem empurrou. Sou grande mas não abuso dos pequenos.
I. Angelino: O José Pequeno rolou a escada e, como de costume, estão pondo a culpa em mim, dizendo que fui eu quem empurrou. Sou grande mas não abuso dos pequenos.
Essa é uma história que dá voltas na minha cabeça há tempos, sob várias formas. Note que João Grandão estava mentindo, porque tinha sido ele a derrubar o José Pequeno. Irmão Angelino tinha presenciado o acontecido e sabia que era mentira. Mas Irmão Patrick perguntou o que João Grandão dizia e João Grandão dizia que era inocente. Sendo assim, para dizer a verdade, Irmão Angelino teve de repetir uma mentira.
Dada a situação, Irmão Angelino podia agregar uma "nota do intérprete", contando ao Irmão Patrick que tinha testemunhado o incidente e que João Grandão estava mentindo. Mas nem sempre as coisas são assim.
2 comentários:
Oi Danilo,
Sou leitor desde a primeira hora e acho que é a primeira vez que discordo do que está escrito no blog.
Nesta situação, o irmão Angelino tinha duas opções, mas só podia escolher uma: interpretava (e a abordagem à interpretação deve ser exactamente igual à da tradução, não se deve acrescentar nem omitir nada - a opinião, experiência e conhecimentos do intérprete não devem interferir na transmissão da mensagem) ou dizia o que viu ao irmão Patrick (e nesse caso já não pode servir de intérprete). As duas ao mesmo tempo é que não!
O irmão Angelino é, sem dúvida nenhuma, um excelente intérprete mas se resolvesse agregar a tal "nota do intérprete", deixava de ser intérpete e passava a ser testemunha.
Se já devemos evitar as notas do tradutor, as notas do intérprete podem ser suicídio profissional...
Um tradutor tem sempre oportunidade de avaliar o que vai traduzir e decidir não o fazer por objecção de consciência. O intérprete não tem essa possibilidade porque não sabe o que vai ser dito e por vezes tem de engolir uns sapos.
Um abraço,
Mário Seita
Mário,
Não me fiz claro e é bom que você apontou a falta de clareza.
Como o Irmão Angelino trabalha no colégio, ele pode depois voltar a falar com o direitor e dar o seu depoimento. É a isso que me referia, a uma situação totalmente atípica. Mas, numa situação normal, nem pensar.
Quer dizer, num julgamento, por exemplo, se o cara diz "meu nome é Breno Dornelles e eu nasci e sempre vivi em Alegrete", mas o intérprete, por ser brasileiro, nota um sotaque carioca que desmente a afirmação, tem que traduzir exatamente o que ouviu. Num congresso, a situação é semelhante: traduz o que ouviu e ponto final.
Quis destacara que a situação do Irmão Angelino era absolutamente atípica.
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