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sexta-feira, 31 de julho de 2009

O Tradutor e as Galinhas

A turma gosta de fazer chacota com as traduções para dublagem e legendagem e, de fato, tem muita porcaria. Mas a minha posição é, há muitos anos, que vale mais a pena procurar aprender com os acertos do que rir dos erros. Então, lá vou eu, agora, meter meu bedelho num assunto de que entendo muito pouco.

Hoje de manhã topei com este artigo,
escrito por Leonardo João Coelho. Não vou repetir o que ele disse, vá lá e leia o artigo, que vale a pena. Como exemplo, ele cita trechos de um filme chamado “The Chicken War”, que se chamou “A Fuga das Galinhas” nestes Brasis.

Num dos trechos citados, um personagem diz uma frase complicadíssima, vasada em linguagem médica. O outro pergunta, irônico: “Was that English?”

A tradução óbvia é “Isso era inglês?”. Mas para audiovisuais não se traduz assim, porque usar “inglês”, nesse contexto quebraria o “encanto” que cerca o assistir a um filme e se envolver nele. Por outro lado, não se pode dizer “Isso é português?”, porque estão obviamente falando inglês. Parada dura!

A legenda é genial: “Traduza!”, que, sem ser literal, é uma perfeita equivalência dinâmica, no sentido em que o usaria Eugene Nida. Aliás, me lembrou da Lia Wyler, numa palestra que fez na USP recentemente. Alguém da plateia fez uma pergunta toda enroscada num engrimanço acadêmico incompreensível para mim. A Lia talvez tenha entendido, mas, gozadora como sempre, disse “Traduz!” e aguardou a reformulação para um português menos complexo, antes de dar uma resposta.

Legendador tem que ser conciso, porque o problema de falta de espaço para eles é pior do que o do tradutor de texto quando enfrenta ppt. Legendador não usa duas palavras quando uma chega.

O tradutor da dublagem tinha um problema diferente: a tradução tem que encaixar nos movimentos labiais do personagem, mesmo que seja uma galinha de massinha. Então, um mero “traduza” não ia dar certo, porque ia deixar a boca (ou o bico, para ser mais preciso) do personagem se mexendo sem som. Então, saiu com um “que língua é essa?”, uma excelente tradução, um pouco mais literal que a do legendador, mas que, também, preserva o “encanto” do filme.

Bom, seria de perguntar, por que o legendador não traduziu também como “que língua é essa?”, que caberia perfeitamente na tela, respeitando as restrições aplicadas às legendas. Porque legenda é uma obstrução que, com todas as vantagens que tenha sobre a dublagem, desvia a atenção da imagem e prejudica o “encanto”. Assim, quanto mais breve, mais tempo sobra para “ver o filme”.

Da próxima vez que assistir a um filme, seja no cinema ou na TV, procure atentar para essas coisinhas. Muito mais útil que ficar procurando defeito para depois se exibir perante os amigos.

Antes de encerrar, um agradecimento a minhas amigas tuiteiras Claudia Mello, Juliana Müller e Val Ivonica, (por ordem alfabética de primeiro nome!) que, bem mais cinéfilas do que eu, me deram informações sem as quais este artigo não sairia. Os erros são de minha responsabilidade.

Obrigado pela visita.

5 comentários:

Bianca Bold disse...

É sempre bom ver profissionais fazendo essa campanha de "aprenda com os acertos dos outros", principalmente num universo tão exposto como é o da legendagem (o da dublagem nem tanto, já que o original não está ali para ser cotejado).

Parabéns! =)

Leonel Morgado disse...

Oi Danilo,

Concordo plenamente com o que é dito, mas as palmas vão para o tradutor da dobragem! Acho que o "Traduza!" tem um grande defeito, apesar de seguir a linha certa (de tentar manter a fluidez): quem está a ouvir sente-se estranho, porque ouve uma pergunta no inglês (sim, nota-se a interrogação, sente-se bem); mais estranho se sente porque ouve um chorrilho de palavras, uma frase inteira e vê só uma, só um desabafo, uma ordem! Fica desconfiado, sente-se na pela daqueles que vêm o intérprete dizer uma frase quando o interlocutor javanês falou meia hora...

Danilo Nogueira disse...

Oi Andabata. Seu comentário é muito interessante e carregado de razão. Nota-se, de fato, a interrogação e o tradutor deveria ter pensado nisso.

Emilio Pacheco disse...

Eu não tinha me dado conta, mas o nosso "traduza, por favor" equivale ao "in English, please".

Mags disse...

Oi Danilo

Achei seu comentario super relevante especialmente para tradutores aspirantes como eu! E arte de ser tradutor em pratica!