Deu uma epidemia de concurso para Tradutor Público e Intérprete Comercial. Começou com Minas Gerais, depois veio Santa Catarina, Rio de Janeiro e, agora, Rio Grande do Sul. O edital está aqui, caso interesse.
Isso é muito bom. Deveria haver mais concursos para TPIC. Muitos TPICs ficam zangados quando eu digo isso, argumentando que se houver mais concursos e nomeações, cai o volume de serviço. Não é isso, evidentemente, o que diziam antes de ser nomeados, época em que defendiam, com unhas e dentes, a "abertura da porteira" — o que mostra que o conceito de verdade pode depender em grande parte do lado do muro em que você está.
A afirmação me parece errada, de qualquer modo, porque o objetivo do concurso é atender melhor o público, não garantir serviço para ninguém. Uma colega minha, partiu para a distorção "então, vamos aprovar qualquer um…". Não, eu não disse "aprovar qualquer um": o concurso tem que ser rigoroso, para que o público seja bem atendido.
De qualquer maneira, o campo está cheio de "quaisquer uns" que trabalham como terceirizados para TPICs, simplesmente porque se sujeitaram a receber o que lhes ofereceram. O problema está na terceirização indiscriminada, não no excesso de TPICs. Aliás, desconfio que exista até quarteirização e qunteirização nessa história — mas isso é só um desconfiar, porque não tenho nem provas nem indícios.
Mas, voltando ao RS, o edital tem uns aspectos interessantes. O primeiro, entre os que eu vi, está em II.A.h, onde se exige:
- licenciatura em letras, com especialização para o idioma para o qual se inscrever ou
- certificado de proficiência e formação em língua estrangeira no idioma para o qual se inscrever
É uma inovação. Nunca vi isso. Nem sei se é legal porque parece que não está nas leis que regem o ofício de TPIC, mas isso é coisa para advogado responder. Tradicionalmente, o exame é aberto e presta quem for cidadão brasileiro, residente no estado e mais umas coisinhas. Nunca se exigiu diploma de nada. Alguns dos melhores TPICs em SP são advogados que nunca fizeram curso de letras e, ao menos uma das melhores TPICs que conheço, jamais fez faculdade de coisa nenhuma.
Mas, tudo bem, exigir um diploma específico até que tem lá sua lógica, numa época como a nossa, de altas especializações. Agora, ainda que mal pergunte, por que licenciatura e não bacharelado? O TPIC não vai ensinar coisa alguma, ou vai? Para que precisa ser licenciado? Além disso, se é para pedir diploma, porque então não restringir a quem tenha especificamente diploma de letras tradutor?
E essa história do certificado de proficiência e formação em língua estrangeira, eu não entendi muito bem. Se você entendeu, por favor, poste um comentário me explicando.
Também fui dar uma olhada na empresa que vai conduzir o concurso: Hilda Ferreira de Moura ME, que aparece numerosas vezes no Google, algumas como localizada em Campo Grande, MS outras como localizada em Surubim PE. Está conduzindo concursos aos quilos por aí. Estranho que uma ME possa encarar tanto concurso junto. Deve estar cobrando uma ninharia e, por isso, ganhando todas as licitações. Será que tem gabarito para enfrentar um concurso para TPIC?
Sempre é bom lembrar que não sou TPIC nem nunca prestei concurso nem em SP nem em outro qualquer estado nem sou terceirizado de qualquer TPIC que se possa imaginar.
(Confesso que detesto essa história de "festas" e estou doido para que chegue janeiro e voltemos à vida normal.)
10 comentários:
Certificado de proficiência em língua estrangeira - imagino que um CPE (Certificate of Proficiency in English) deva ser aceito, não?
Danilo, como você sabe, eu sou TPIC, em São Paulo, aprovada em 2000. Não me incomodo com novos concursos - muito pelo contrário, também acho que deveriam ocorrer de acordo com um calendário fixo.
Quanto à enxurrada de concursos, posso estar um tanto descrente e até cínica. Para mim, me parece que é uma mina de ouro. A inscrição é cara, e muita gente se inscreve, inclusive de outros estados (o que eu acho que deveria ser coibido duramente - bastava requisitar o título de eleitor para inscrição, no meu entender...).
(um parênteses - acho que muita gente se inscreve porque não entende direito o que é ser TPIC).
Aí, aprovam-se algumas dezenas de pessoas e pronto...
Os editais no geral são falhos e me parecem feitos por pessoas que nada entendem do ofício em si. Como você disse - licenciatura??? Tudo bem que queiram exigir diploma de ensino superior, mas será que alguém formado em letras será melhor tradutor do que um advogado, que estude tradução depois na vida, mas que não queira enfrentar outra graduação?
Para mim, tem caroço nesse angu.
Sei que você faz parte do grupo que não tem medo da concorrência, Adri, o que me deixa muito satisfeito.
De fato, todos os editais são esquisitos. Não chegaria a dizer que existe aí algum dolo, mas, como diz o José Henrique Lamensdorf http://www.lamensdorf.com.br/as diversas JUCs não parecem se empolgar muito com a supervisão dos TPICSs.
E, como você diz, muita gente presta porque nem sabe o que é ser TPIC. Não digo que seja ruim, mas muita gente pensa que é moleza — e não é.
Obrigado pelo comentário.
Pensamentos meio desconexos de uma TPIC cujo dia favorito no ano é 26/12: o dia mais longe do próximo Natal! :-)
1) Por coerência, não sou contra novos concursos. Como disse o Danilo, antes de ser TPIC só faltou macumba para que abrissem um concurso "para mim".
2) Nem por isso acho que concurso, mesmo rígido, seja garantia de que o público será bem atendido, porque TPIC demais para demanda de menos significa TPIC (em especial aqueles que passaram sem nem saber direito para que) que jamais vai se profissionalizar a sério. Ou seja, o cliente não vai ser bem atendido por gente assim.
3) Acho que a epidemia de concursos resulta de um efeito dominó que começa com a crença de que não há TPICs em número suficiente para atender a demanda. Na imensa maioria das praças há, e sobra, nos mais variados idiomas. Eu mesma, TPIC muito bem estabelecida há mais de 20 anos, se resolvesse ser só e exclusivamente TPIC (abandonando minha empresa de interpretação simultânea) teria muuuuuuuito tempo sobrando para absorver novos clientes.
Raquel Schaitza
Esse negócio de licenciatura vai dar problema. Os egressos dos cursos universitários de tradução saem formados como bacharéis. Foram excluídos sumariamente.
Exatamente, JV. Não me fiz claro, mas é essa a história. Fazem um concurso para tradutor, exigem curso superior, mas afirmam que o curso superior de tradução não serve para ser tradutor.
Como bacharel em Letras com Habilitação de Tradutor, mesmo sem intenção de prestar o concurso do RS, sinto um nó na garganta e uma imensa revolta por essa história de exigirem Licenciatura em Letras. Meu palpite é que os organizadores do concurso sequer desconfiam que haja um curso superior para formar tradutores e imaginam que o mais próximo de um tradutor com formação universitária seria um professor de línguas com licenciatura em Letras.
E também concordo com Adri sobre a mina de ouro que são esses concursos, especialmente lembrando que a inscrição do de SC custava 300 reais.
Além do que você disse, Reginaldo, ainda acho que eles não sabem o que é "licenciado".
Alguém sabe de algum protesto organizado no RS contra essa bobeira toda?
A pedido dos bacharéis em Letras formados pela UFRGS, o edital foi alterado e publicado novamente. O novo texto agora inclui os bacharéis.
Obrigado, Janisa. O Guilherme Braga chegou primeiro e a notícia está aqui: http://www.tradutorprofissional.com/2009/12/tpic-no-rs-capitulo-2.html
Fiquei muito satisfeito. É bom quando uma autoridade reconhece o erro e vai lá corrigir.
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