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terça-feira, 14 de agosto de 2007

De dicionários e plágios

Este artigo foi postado ontem de noite com um erro meu, que foi notado mas não pode ser corrigido imediatamente. Passou a noite substituído por uma nota seca dizendo que tinha sido retirado temporariamente, mas agora está aqui, corrigido. Pretendo voltar ao assunto posteriormente.

Quando saiu, em 2004, minha casa estava o caos, o escritório nas garras de pedreiros e pintores, eu trabalhando num canto da nossa microssala de visitas – e achei que comprar mais um livro seria loucura no momento. Mas fiquei chateado, frustrado mesmo, porque o dicionário foi anunciado como o resultado de longos lavores de especialistas, com direito a elogios na imprensa e tudo.

Passada a tempestade da reforma comprei outras coisas, mas aquele tal do "Dicionário Jurídico e de Finanças", de autoria de Maurício Faragone e de Ricardo Pignatari, jamais comprei. Não que me faltem dicionários, porque tradutor velho tem carradas deles, mas, se era como diza a editora,

Um dicionário criado por profissionais da área de tradução em conjunto com profissionais da área jurídica;

- Aproximadamente 40 mil verbetes e 160 mil definições;

- Mais de 1.000 siglas de órgãos dos governos Brasileiro e Americano em Português/Inglês e Inglês/Português;

não seria de pouca ajuda para mim. O livro foi muito elogiado, inclusive por gente que sabe das coisas.

Só faltou dizerem que era a salvação da lavoura. De qualquer modo, tenho o Maria Chaves de Mello, gentileza da autora, e o Noronha, que comprei com meu dinheiro, e fui resolvendo meus problemas com eles.

A verdade é, entretanto, que jamais concordei com muita coisa que o Noronha diz. Mas eram meras opiniões impressionistas e subjetivas: nunca tinha me debruçado sobre o livro, para fazer uma análise detida e aprofundada. Quem fez foi Luciana Carvalho Fonseca Corrêa Pinto, (ou Luciana Carvalho, como é mais conhecida), que resumiu suas conclusões no congresso da ABRATES em 2005, numa apresentação feita com o ímpeto natural da alguém jovem como ela e uma firmeza intelectual que muita gente não atinge nem em idade madura. Mais dia, menos dia, a Luciana publica algo mais carnudo sobre seu trabalho, o que vai ser bom para todos nós. De qualquer maneira, sua análise foi útil e confirmou o que eu já pensava.

Como eu dizia, não gosto muito do Noronha. Entretanto, se eu não gosto muito do Noronha, o Noronha gosta ainda menos do Faragone e do Pignatari, tanto que ingressou em juízo contra eles. Não por achar o dicionário deles ruim, mas por achar que era plágio do seu.

Alegar plágio é fácil. Provar plágio é mais complicado do que parece. Plágio de dicionário bilíngüe, então, é questão mais que complicada. Deixe dar um exemplo: pegue as definições de qualquer verbete em dois dicionários unilíngües e vai ver que diferem. Se o Aurélio dá como primeira acepção de mesa “Móvel, comumente de madeira, sobre o qual se come, escreve, trabalha, joga, etc.”, o Houaiss, para descrever exatamente o mesmo objeto, diz Rubrica: mobiliário. móvel composto de um tampo horizontal, de formatos diversos, repousando sobre um ou mais pés, e que ger. se destina a fins utilitários: refeições, jogos, escrita, costura, apoio etc. Quer dizer, não pode usar a mesma definição. Se usar, é plágio e encrenca na justiça. O caso dos bilíngües é mais complicado: não há como ter mesa sem a tradução por table. Então, fica assim: o autor da ação reclama que foi plágio, os réus dizem que não foi plágio coisa nenhuma e perguntam: se não puder traduzir “mesa” por “table”, vou traduzir como? Foi mais ou menos isso que alegaram os réus da ação.

É assim mesmo que funciona. Um diz que sim, outro diz que não e o juiz diz quem tem razão. Neste caso, o juiz da 24ª Vara Cível de SP, Wagner Roby Gídaro, encarregado de julgar a ação, decidiu que, antes de dizer quem tinha razão, deveria perguntar algumas coisas para quem sabia e nomeu uma perita. Lamentavelmente, não tive acesso ao laudo pericial. Entretanto, o juiz faz várias citações na sua sentença, que se encontra aqui e, pelo que se lê, o laudo deve ser verdadeiramente suculento.

O juiz fala em “a Senhora Perita”, sem citar o nome. Curioso por saber quem poderia ter dado cabo da reputação de dois dicionários com uma só cajadada, perguntei à Luciana Carvalho. Não que ela tenha obrigação de saber, mas como ela é interessada nesses assuntos, talvez soubesse. A verdade é que sabia. A “Senhora Perita” se chama Rena Singer e um dos seus assistentes foi Stella Tagnin, que evidentemente a Luciana conhecia por ser sua orientadora.

Adotaram uma estratégia de trabalho interessante: catalogaram as falhas encontradas nos dicionários e rotularam as coincidências de falhas como indícios de plágio. Quer dizer, quando ambos estão certos, poder-se-ia alegar que chegaram à conclusão correta independentemente. Mas quando há falhas, é difícil crer que sejam coincidências: só se pode crer que sejam casos de plágio. E as falhas coincidentes encontradas não foram poucas, algumas das quais a sentença menciona:

A Sra. Perita Judicial também verificou a existência de termos não técnicos e absolutamente dispensáveis que foram encontrados exclusivamente nas obras elaboradas por autores e requeridos, comparando com outras obras do gênero: abrasion, annoyance, commotion, (defeat, to), injustice e neophyte (fls. 1571/1572). Nesse ponto esclareceu a Sra. Perita Judicial: A apreciação do Quadro leva a supor que um exame seqüencial da obra dos réus em relação ao do autor Noronha teve em vista a presença de termos não jurídicos presentes exclusivamente nas duas obras (fls. 1571).

As últimas manifestações da Sra. Perita Judicial então trazem a conclusão irrefutável a este Juízo. Descreve inicialmente que deve ser privilegiada a informação a respeito dos dados qualitativos da comparação das obras, ainda que este Juízo tenha utilizado essa informação para abrir esta fase de fundamentação.

Segue, entretanto, relacionando as mesmas falhas de revisão e apresentação dos mesmos termos que “não cumprem seu papel de ordenar as denominações de seus sistemas de conceitos”.

Além disso, “a primeira parte das obras não é um espelho às avessas da segunda parte”, ou seja, os mesmos termos que serviram para a tradução do inglês para o português não foram utilizados para a tradução do português para o inglês. A Sra. Perita Judicial também alerta para a existência de “denotativos” e “lista de falsos cognatos” e “conotativos” “pouco usuais, incomuns ou impróprios em uma obra de referência especificamente jurídica e de finanças, e peculiares exclusivamente às duas obras” (fls. 1582), nesse ponto exemplificando: O termo beleguim consta da seguinte forma: - na obra de Noronha: bailiff’s official; police agente / esses termos não existem no vice-versa – na obra de Pignatari/Faragone: bailiff’s official / no vice-versa existem. A Perita não conhecia o significado do termo e recorreu ao Aurélio Século XXI, que apresenta as seguintes acepções: “agente de polícia; esbirro; galfarro; malsim, mastim, meirinho, quadrilheiro, tira”. A primeira acepção, agente de polícia, consta da seguinte forma: - na obra de Noronha: agentes de polícia – policiman; constable; - na obra de Pignatari/ Faragone: agentes de polícia – policeman; constable. (Negrito da Perita) Nas duas obras verificam-se os mesmos erros: plural em português e singular em inglês. Não consta em nenhuma obra de referência que na língua portuguesa a forma plural seja a usual e, na inglesa, o singular seja a norma. (fls. 1582). Com isso, a Sra. Perita Judicial foi analisando as falhas e constatando a coincidência delas nas duas obras e com exclusividade, eis que seu trabalho se pautou pela análise qualitativa e comparativa (fls. 1582/1586).

Perante um laudo desses, o juiz evidentemente decidiu que se trata de plágio e condenou os réus a recolherem do comércio sua publicação e a mais outras obrigações, além da sucumbência. Sucumbência significa que os réus além de tudo tiveram de fazer um pagamento de honorários aos advogados dos autores, ente outras coisas.

Quem clicar aqui, vai ver que a editora dá o livro por esgotado, o que é um eufemismo dos bons.

Quem sabe, agora, alguém, talvez o próprio Dr. Noronha, aproveita os conselhos da “Senhora Perita” para fazer um bom dicionário jurídico. Ou, melhor ainda, contrata os serviços de um lexicógrafo profissional para fazer as tarefas que lhe cabem.

Há males que vêm para bem, ou, ao menos, podem vir.

Por hoje, é só. Espero você no sábado de tarde, na Reunião na Sala 7, que é a distância e grátis.

2 comentários:

Drianis disse...

Danilo, eu seeempre leio seu blog (aliás, permita-me comentar que quase morri de saudades durante sua ausência de notícias), mas sempre em silêncio, sem deixar comentários.

Entretanto, essa foi boa demais pra deixar passar em branco: conheço a Rena Singer desde criança (eu era a criança, obviamente), e acredito que ela tenha feito esse trabalho para lavar a alma. Ela tem muita experiência com plágios, pois tanto ela quanto minha mãe (que escrevia dicionários bilíngues com ela) já sofreram muito com esse tipo lamentável de prática!!

Um abração, e continue sempre com seus textos, que eu adoro! Seu blog está salvo nos meus Favoritos, sabia?

:*

Adriana

Leandro disse...

Parabens pelo blog... excelente artigo e bela dica de leitura.

Achei o dicionário da Dra. Maria Chaves aqui na net, me desculpem por fazer o download, poupando um pouco de tempo e grana, porem que deleto o arquivo assim que usa-lo... e recomendo a quem traduz a comprá-lo.
Parece ser uma pessoa muito dedicada pra ter seu trabalho copiado por download ou cópia de xérox comuns nas faculdades.

ainda parabenizando-o pelo excelente blog,,, me desculpo por postar como anônimo...
aqui nao tão aceitando minha conta google...
meu nome é LEANDRO
e to no msn leandro-fire@hotmail.com à sua disposição