Uma colega nossa terceirizou um trabalho e se deu mal. A pessoa contratada fez metade, a colega contratante fez algumas observações sobre qualidade, a contratada devolveu a segunda metade do trabalho sem fazer, dizendo "sou tradutor, não redator, procure outra pessoa para terminar".
Não vi o trabalho nem sei quem fez, portanto, estou analisando o problema em tese, presumindo que o relato acima seja um retrato fiel do acontecido. Se não for, pouco se perde, porque não estou mencionando nem insinuando nomes. Estou só tentando tirar alguma lição de um caso que é mais frequente do que se pensa.
A primeira regra do profissionalismo é "aceitou, tem que fazer, tem que fazer direito e tem que fazer no prazo". Só se devolve um serviço em caso de força maior (doença, luto em família, computador que pega foco, coisa assim) ou quando o serviço difere do combinado (cliente disse "mil palavras para amanhã", mas são dez mil).
O problema da qualidade é mais complicado, porque qualidade de tradução tem um elemento de subjetividade e, entre outras coisas, depende em grande da postura teórica do avaliador. Mas há certos procedimentos considerados indispensáveis: passar revisor ortográfico, conferir se nomes, números e datas estão corretos e de acordo com a praxe da língua de chegada, conferir para ver se não houve saltos. Além disso, se houver memória de tradução ou glossário, é obrigação do tradutor respeitar. Se achar que a terminologia é absolutamente inaceitável, deve se entender com o contratante. Desrespeitar de motu proprio, jamais.
Quando o comprador da tradução é intermediário, cabe a ele o dever de mandar revisar o serviço. Mas isso não dá ao tradutor o direito de não aplicar os procedimentos citados no parágrafo anterior. Revisão existe para aperfeiçoar tradução boa, não para consertar tradução ruim. Tradução ruim a gente joga fora e faz de novo, que sai mais barato.
Roxa de raiva, a colega deve pagar o tradutor, por menos profissional que o serviço lhe tenha parecido. Há quem diga que, juridicamente, não tem nada a pagar. Pode ser. Mas, do ponto de vista da estratégia, é melhor pagar, para não passar por caloteira.
Claro que esse tradutor jamais vai trabalhar de novo para nossa colega. Mas vai trabalhar para outros e vai criar os mesmos problemas. Enquanto não mudar de postura, dificilmente vai fazer carreira. Vai ficar sempre com as raspas de tacho de serviço, reclamando da profissão.
Lamentavelmente, existe mais de um lugar onde se possa reclamar de um cliente (intermediário ou cliente final) que não tenha pago, mas não há um santo lugar onde se possa postar uma mensagem reclamando de um tradutor que não tenha feito sua parte.
A gente reclama, e não se razão, que trabalhar para intermediário é grande risco. Mas intermediar não é risco menor.
4 comentários:
Eu estava colocando em dia a leitura da The ATA Chronicle e achei que este trecho caía como uma luva aqui:
"Be professional. This, above all other things, will get you work. There are lots of qualified translators out there who are bright individuals,
but a PM would rather let the project go undone than work with them again, simply because they act unprofessionally. Be nice to the PM. Make sure your delivery arrived, and not just through a read-receipt. If your translation is being proofread, ask to see the proofread version so
you can learn how to do a better job for the LSP next time. In other words, cooperate."
>> Grow Your Client Base, Increase Your Rates, and Make LSPs Love You: A How-to, By Terena Bell and Madalena Sánchez, The ATA Chronicle, March 2009.
Sim, Bianca. Traduzir PROFISSIONALMENTE exige mais do que simplesmente traduzir bem. E é disso que trata este blogue, da tradução enquanto PROFISSÃO. Muitos tradutores competentes jamais se tornam PROFISSIONAIS bem sucedidos por não perceber esse ponto.
Encaminhei trabalho ao um senhor em Cabo Frio uma vez, e ele decediu que partes do texto para traduzir não foram relevantes ao cliente final, pois, deixou de traduzir-as.
Pode imaginar? Alem disso, nem tentou de formatar ou documento final igual o de fundo. Gostei esse senhor, poir havia conversado com ele atra vez de listas e chats varias vezes. NO final, eu perdei tempo explicando para ele que não é para nos decider o que é relevante pelo cliente. Se o cliente manda documento para traduzir, traduzimos tudo, a não ser que o cliente especificamente indicar diferentemente, e etc., etc. Apesar de gostar desse senhor, também nunca o o enviei trabalho outra vez. Ao outro lado, ja aconteceu comigo que tive cliente que exigiu muito mais do que é razoável num projeto, depois que tudo ja foi arrumado nos POs e orçamentos, etc. Fiz tudo que pediu pelo projeto, sendo que ja havia aceitado o trabalho (e ainda que pediu mais do que foi indicado inicialmente), mas nunca mais aceitei trabalho dele.
Encaminhar trabalho aos outro sempre implica algum risco perigo...Meu nome e o nome da minha empreza depende na qualidade do trabalho final que entrego aos clientes.
Por isso, estou feliz que a Bianca (sim, estou mencionando nomes) ja trabalha comigo desde anos. Nunca tive problema nenhum como trabalho dela.
This post was NOT sent to Bianca for revision, pois se meu português ficar ruim, não é culpa dela.
Mas, antes entregar aos clientes qualquer coisa que EU escrever em PT, envio para ela correger.
Mas, sabe...sim, tem como indicar que um tradutor é bom. Pelo menos, em proz tem o WWA (willing to work again). Fora disso, pode sempre recomender esse tradutor, também, quando a oportunidade surge.
Ja falei bastante.
Antes que alguém se surpreenda, o comentário acima foi enviado pelo Tony Baldwin, que traduz para o inglês.
Você acha o português dele arrevesado? Eu também. Mas isso não importa, porque ele não traduz para o português, mas só para o inglês. Escreve em português como cortesia para com os leitores do blogue, alguns dos quais trabalham com outras línguas e não entendem muito inglês, cortesia a qual eu agradeço.
Por outro lado, traz o ouvidinho aqui pertinho de mim que eu quero contar um segredo, só para você, bem baixinho, para nós dois: o português do Tony, atormentado como é, é bem melhor do que o inglês de muita gente por aí que aceita serviços de "versão" e escreve um tupiniquinglish que dá nojo aos cães.
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