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segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Duas armadilhas

Interrompemos nossas transmissões para comentar uma mensagem da Claudia, colega nossa que levou uma bronca da agência.

Fiz uma tradução técnica cuja introdução tinha falhas de pontuação o que deixava o texto bastante confuso. Tive menos de 48 horas para traduzir 100 páginas. Ou seja, não houve tempo para ler o documento primeiro (como costumo fazer). Comuniquei à empresa de traduções intermediadora e expus o problema. Fui orientada a fazer a tradução de qualquer jeito para não perder o cliente. Não modifiquei o texto por receio de interferir no seu significado (já que eu não estava entendendo muita coisa). Resultado: o cliente reclamou que a minha tradução estava confusa e que era minha obrigação, como tradutora, reestruturar o texto traduzido. Quais são os limites do tradutor? Se o texto técnico está confuso, o tradutor tem a obrigação de modificar totalmente o original? Até que ponto o tradutor pode interferir em um texto técnico originalmente mal elaborado?

Claudia, não importa o que o cliente diga, chore, prometa de joelhos, jure, garanta, arranque os cabelos, mais dia menos dia você vai ser responsabilizada pela qualidade da tradução. No seu caso, temos dois problemas separados e, por isso, vamos tratar deles separadamente.


Primeiro, o prazo. Não sei o que você quer dizer com "100 páginas". Páginas, há de todo tamanho. Mas, de qualquer maneira, parece uma barbaridade para 48 horas. Se for metade do que eu penso, eu teria recusado. Não é possível fazer coisa que preste em tão pouco tempo. E a agência que hoje diz "não faz mal, faz de qualquer jeito, não podemos deixar de atender esse cliente" é aquele mesma que, amanhã, te repreende porque o cliente não gostou da tradução.

Mas isso, se você não sabia, aprendeu agora.

Segundo, a qualidade do texto. Se o texto está mal escrito, mesmo que você tivesse tido tempo, provavelmente não conseguiria arrumar, por não ter conhecimentos técnicos da área. Você é tradutora e, portanto, traduz. Os americanos têm uma frase, garbage in, garbage out, que se traduz por se o que entra é lixo, o que sai também é lixo. É muito comum o cliente querer de nós o serviço de um especialista na área, que iria levar dois meses para fazer o serviço e cobrar muito mais do que nós. Há tempos, me mandaram um pacote de contratos para traduzir de acordo com a lei brasileira, um belo subterfúgio para conseguir consultoria jurídica a preço de tradução, porque esse tipo de acerto é coisa de advogado, não de tradutor. E, se tentasse arrumar, poderia fazer alguma besteira.


Como você discutiu essas coisas com a agência? Se foi por telefone, babau. Essas coisas a gente faz por escrito e, mesmo assim, é complicado e arriscado.


Quer dizer, você não caiu em uma armadilha, caiu em duas. Também eu já cai nas duas, só que separadamente. Agora, não adianta reclamar. É lamber as feridas e aprender a dizer "não", uma palavra tão útil que os tradutores têm tanto medo de dizer.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa, Danilo. Que chata a situação da Claudia! Clientes picaretas existem aos montes, isso todo mundo sabe. Pior são os que acham que temos todo o tempo do mundo para perder 48 horas traduzindo 100 páginas com todo o rigor de um especialista. Não que não existam tradutores capazes de fazer isso, aliás, eu os admiro. Mas, para a maioria dos mortais isso é muito complicado. Especialmente para os iniciantes, que são os mais escravizados dessa forma, pois tendem a aceitar "qualquer parada" para ganhar uma graninha. Já passei por situações como essa e até piores. Hoje tento selecionar os clientes que me chegam, correndo o risco de perder a "graninha" extra no fim do mês. Digo "não" com tanto remorso! Mas, é melhor assim. Ainda aguardo o momento em que só possamos fazer acordos desse tipo com toda a garantia que nós merecemos. Caso contrário, babau! risos