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sexta-feira, 2 de março de 2007

Há tempos, li uma crítica de teatro no jornal. Não vi a peça e, portanto, não posso dizer se a crítica era justa. Mas acho que a história vale a pena.

Um grupo encabeçado por Jorge Dória apresentou uma peça de Molière. Nunca vi Jorge Dória em ação, mas dizem que ele é gozadíssimo. Segundo o crítico, cujo nome agora me foge, a peça estava divertidíssima e Jorge Dória, um improviso atrás do outro, levava a platéia a paroxismos de hilariedade. No fim, a casa veio abaixo com os aplausos.

O crítico, entretanto, fez reparos ao espetáculo. Estava muito divertido, sim, mas as alterações tinham sido tantas, que já não era mais Molière: era uma outra obra. Quer dizer, pode ser ótima, mas não pode mais ser apresentada com sendo Molière.

Não entendo de teatro nem quero agora me meter a crítico teatral. Mas, no que tange à tradução, a crítica é pertinente. Colocando as coisas em uma linguagem bem chã, traduzir é dizer o que o autor disse, não aquilo que o tradutor acha que o autor deveria ter dito. Ando cansado do retorno à moda do que há muito tempo se convencionou chamar as belles infidèles: textos que podem até serem bons, mas que não têm muito que ver com o original.

Acho curioso elogiar a qualidade de uma tradução sem comparar com o original. Pode-se criticar uma tradução sem ver o original, por exemplo, quando se encontram falhas óbvias, falsos cognatos, coisas assim. Mas elogiar sem ver o original, não me parece possível. Sempre me lembrava disso ao entrar na sala principal do MASP (Museu de Arte de São Paulo) onde havia uma obra chamada O Conde-duque de Olivares, de Velázques. É um quadro magnífico. Será bom como retrato? Não sei, porque nunca vi o tal do conde-duque para saber se ele tinha aquela cara mesmo. O mesmo se dá com as traduções. Nem todo texto bonito é uma boa tradução. Para saber é bom enquanto tradução, precisa ver o original.

Sou tradutor técnico e sou obrigado a uma rígida disciplina de dizer o que diz o texto original, tão precisamente quanto me permitirem minha capacidade e os recursos da língua portuguesa. Essa disciplina, creio eu, é essencial ao tradutor, inclusive ao tradutor literário.

NB: Sei, Jorge Luis Borges e uma carrada de críticos e teóricos não concordam comigo. Fazer o quê? Como dizia o falecido irmão Martinho, Hier stehe ich, ich kann nicht anders.

Obrigado pela visita. Por hoje é só. Amanhã tem mais.

Um comentário:

Emilio Pacheco disse...

Danilo, Jorge Dória é conhecido entre seus pares como o "rei do caco". "Caco" é fala fora do script, talvez o "ad-lib" do inglês. Dias Gomes certa vez comentou que Jorge Dória era um notório "caqueiro" e o próprio ator conversou sobre isso em entrevista a Jô Soares. Eu acho isso uma tremenda falta de profissionalismo, mas o Jorge Dória parece orgulhar-se dessa sua característica e ter feito dela uma espécie de marca registrada. Então acho que isso explica as alterações, que podem não ter sido por culpa do tradutor.