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sexta-feira, 21 de março de 2008

Tradução de dieta para uma criança

Às vezes, o sangue sobe à cabeça. Já fui muito cabeça quente, já fui de passar grandes descomposturas nos que ousavam se opor a mim. A idade me fez mais tolerante (ou mais bobão, como queiram) e hoje sou razoavelmente contido. Mas tenho alguns episódios bons para lembrar.

Há muito tempo, fui chamado ao escritório da vice-presidência de uma multinacional para cotar um serviço. Era terrível, aquilo: não havia fax, não havia serviço de motoqueiro, não havia Internet e a gente tinha de vestir a roupinha de ver cliente, pegar o ônibus, esperar para ser atendido e, muitas vezes, como neste caso, sair de mão abanando.

Fui atendido pela secretária do vice-presidente, que me mostrou três folhas de papel e perguntou quanto custava a tradução, frisando que se tratava de uma dieta para uma criança doente. Falar em criança doente, naquele contexto, significava simplesmente pedir um desconto.

Tenho horror a chantagem emocional. Ou a criança era filha do vice-presidente da empresa e o pai tinha dinheiro suficiente para me pagar, ou o vice-presidente estava fazendo gentileza para com um amigo, caso em que seria recomendável fazer a saudação com o próprio barrete, não com o meu. Quer dizer, presente a gente dá com o dinheiro da gente, não com o dos outros. Caridade pede quem precisa.

Mas essas choradeiras todas, eu faço de conta que não ouço. Olhei, dei uma contada no texto, apliquei minha taxa e dei o preço. Nem me lembro qual era a moeda na época, mas lembro claramente que o preço era 180 alguma coisa. A secretária pegou o serviço da minha mão e, segurando as folhas com ambas as mãos, encostou os papéis no peito, dizendo, por esse preço, faço eu.

Aí, ferveu. Deu vontade de estalar uma bofetada na bochecha esquerda da cretina. A mão, deu para controlar; mas a língua assumiu o comando da situação. Disse um – Então, faça! – com a voz mais serena que encontrei no momento, virei as costas e fui embora sem nem um bom-dia nem o famoso passar bem.

Não dou descontos, mas acho normal que peçam. Até para pedir um desconto, entretanto, é necessário um tanto de boa educação.

Nunca mais me chamaram para nada. Ficou bom para todos: eles provavelmente acharam alguém que ficasse satisfeito com menos, eu me livrei de um cliente casca de ferida. Ou quem sabe a moça fez a tradução, sei lá.

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