Pediram para você tirar umas fitas, quer dizer, o cliente gravou alguma coisa, uma aula, uma palestra, um discurso, uma discussão e quer que você transcreva as fitas gravadas para ele? Quer um orçamento?
Então deixa eu contar uma história que aconteceu comigo, quando eu tinha uns oito ou nove anos de experiência e pensava que sabia tudo. Hoje tenho 37 de profissão, sei que não sei nada e, mesmo sobre isso, tenho lá minhas dúvidas. Mas vamos à história: e apareceu pela frente um vizinho que tinha uma palestra do Jacques Cousteau, feita em inglês, gravada em cassete e queria que eu traduzisse. Pediu um orçamento.
Todo cioso dos meus conhecimentos, pedi para ouvir a fita. Meio capenga, mas dava para ouvir. Ouvi cinco minutos, atentamente. O Cousteu falava inglês com forte sotaque, mas vagarosamente e com pronúncia muito clara. Bico, pensei eu.
Mas logo me dei conta de que, para transcrever uma hora de palestra, ia precisar mais que uma hora. Imaginei três. Três é uma espécie de número mágico. Uma hora de palestra, três horas de trabalho. Ótimo.
Em três horas, traduzia umas oito laudas da editora para que trabalhava (laudas daquela época, não de hoje). Cobrei o equivalente a dez laudas, para ter uma folga. O vizinho achou uma loucura, tudo aquilo por uma simples palestra de uma hora. Se fosse em francês, que o vizinho falava fluentemente, ele próprio faria numa tarde. Mas era inglês. Fiz pé firme, ele aceitou.
Foi uma tragédia. A gravação era horrível, o homem era chato. A platéia, que tinha começado em silêncio começou a ficar inquieta. Depois de meia hora, viraram a fita sem pedir para o homem calar a boca e perdi um pedaço da palestra. Lá pelas tantas, ele começou a se cansar da chatice da própria palestra e a mastigar a pronúncia.
Perto do fim, deu uma lista do equipamento usado numa certa expedição e foi aí que o bicho pegou. Numa conversa com meu vizinho, que tinha estado presente, soube que naquele momento o Cousteau pescou um papelucho do bolso e leu inteiro em coisa de segundos, sem parar pra tomar fôlego. E eu a adivinhar o que raio era o xpaltogrpherwis398 - lthamcuwmu - raio - que - os - parta - a - todos - os - palestrantes.
De tanto ir e vir, meu gravador cassete quase morre, o pobrezinho. Moral da história, o que recebi mal pagou a conta da aspirina.
Numa conversa sobre esse assunto, nossa colega Ana Julia Perrotti-Garcia disse que, pela experiência dela, cada minuto de fita em inglês exige
O cliente vai achar um roubo e talvez não queira o serviço, saia batendo os pés, soltando fogo pela goela e fumo pelas ventas, em busca de alguém que faça algo mais
É até possível que encontrem alguém inexperiente que diga, nossa, que horror, a gente tem que cobrar o preço justo, é ou não é? e faça por bem menos. Mas isso faz parte da vida. Como também faz o você não acreditar na Ana Julia nem em mim, cobrar um preço camarada por um serviço desses e depois se arrepender. Mas eu ao menos avisei. E a Ana Julia contribui com os dados objetivos.
Ah, e tem mais, para fazer uma transcrição sem enlouquecer, precisa ter o equipamento certo. Mas acho que disso vou ter que falar outro dia, porque por hoje é só.
6 comentários:
Danilo, é até bom acontecer esse tipo de situação (o tradutor fazer um orçamento que lhe traga prejuízo financeiro), pelo menos uma vez na vida. É assim que a gente passa a valorizar o próprio trabalho e a pesar todas as circunstâncias antes de informar o preço do serviço.
Danilo, também já passei por isso.
Mas foi só uma 'vezinha', juro. O cliente queria que eu fizesse uma transcrição a partir do audio da tradutora simultânea em um Grupo de Discussão.
Eu nunca tinha feito isso, mas já tinha feito transcrição em português, e nos meus cálculos, no inglês eu gastaria 5 minutos para 1de áudio. Cada grupo de discussão tinha 2:30. A princípio, seriam 10 horas de áudio. Pedi 2 semanas. E avisei ao cliente:
"-Olha, eu nunca fiz isso. Não sei quanto tempo leva de verdade, não tenho experiência, só sei tenho condições técnicas de fazer."
Deixei o cliente devidamente avisado - isto é, fazendo que ele assumisse o risco - topei.
Realmente, levou 5 para 1. Só que o cliente queria que eu fizesse em uma semana apenas. Levei 3 dias para fazer o primeiro. E que trabalho cansativo!
Depois, fiz o cálculo da transcrição por laudas e, se eu tivesse traduzido a transcrição, o valor seria o dobro.
Mas foi uma experiência excelente, assim como a sua. Foi muito edificante para mim e agora eu sei que cobrarei, no mínimo, o dobro.
=D
Também aprendi a duras penas o tempo que leva pra fazer uma transcrição. E agora digo para o cliente logo de início: em um dia de trabalho transcrevo de 20 a 30 minutos de áudio. E cobro pela tabela do Sintra.... Ah sim, e só faço esse tipo de serviço se a coisa tá mesmo preta, porque acaba com qualquer um.
Só para completar: no meu caso, também usei a tabela do Sintra como referência. Dividi o risco com o cliente porque eu sabia que, para mim, seria uma experiência muito gratificante. E foi.
Só que agora custa o dobro!!!
;-)
Oi, Danilo
Passeando pela internet, licitações e quetais, vi seu texto, seu blog. É sempre bom ler o que vc fala, com sua experiência...Estou bem sem tempo de ler as listas de tradutores, então...
Forte abraço,
Gisele C. Batista Rego
Legal ler o seu texto e os comentários.
Estava pesquisando sobre
transcrição, que farei de algumas aulas de uma amiga e cheguei aqui por acaso. Não sou tradutora.
Sei que seu trabalho é de tradução, mas tem idéia do tempo levaria para transcrever em português?
Abraços
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