Semana complicada, discussão interrompida. Aqui, terminei dizendo que tradutor detesta recusar serviço. Muitos tradutores sofrem de insegurança crônica. Acham que, se recusarem um serviço ou se recomendarem um colega, vão perder o cliente. Então, pegam tudo o que oferecerem, mesmo que não possam fazer. Não podendo fazer, repassam.
Mas o repasse é muito mal visto e, portanto, quem repassa, muitas vezes faz cabriolas intelectuais para se justificar. Está "ajudando um cliente", é "para não cair na mão de agência", essas coisas. O fato é que se o tradutor disser, "não posso fazer, fala com fulano", ou "vou pedir que um colega meu entre em contato com vocês" resolve o problema da mesma forma — mas é raro o tradutor que tem peito para fazer isso: o medo de perder o cliente — quando não o desejo de fazer uns trocados — impede.
Aqui chegamos, agora, a uma questão fundamental: é ético repassar serviço? Beta estava certa ao pegar o serviço e oferecer a Alfa?
O combinado está sempre certo. Filosofia de boteco, sem dúvida. Se você quer em termos mais bonitos, diga assim "Vale a convenção entre as partes", que é como os advogados dizem. Se Beta se apresentou ao cliente final como uma agência, nada vejo de errado no repasse. Porém, se, para pegar o serviço, ela se apresentou como a tradutora que ia se encarregar do trabalho, mostrando seu CV e sua experiência profissionais como meios de conseguir a encomenda, é errado repassar a outra pessoa, por competente que essa pessoa seja. Transparência, honestidade, são características essenciais de qualquer negócio.
Está certo pagar ao tradutor só um terço do que vai receber do cliente? É esta a pergunta que vou responder durante o fim de semana. Espero que você goste da resposta.
3 comentários:
O fato de que um tradutor se preste ao papel de explorar um colega dessa maneira explica bem o status atual da profissão.
Caso precise de inspiração para o próximo da série :)
http://mox.ingenierotraductor.com/2009/11/bill-calvo-pam-mox-how-capitalism-works.html
Abraços
Paula
sou meio ingênua nessas coisas, mas imagino que o repasse comentado deva ocorrer mais especificamente na área de tradução técnica e comercial, para o cliente final ou via agência - e aí não posso opinar. mas em tradução para editoras, é algo meio abominável e abominado. três vezes passei uns três artigos, bibliografia e índice remissivo para terceiros, um pouco por um samaritanismo besta, e me arrependi amargamente. é um inferno revisar e deixar depois a coisa nos trinques. claro que a editora era avisada. nas primeiras experiências, eu pagava o valor integral recebido; na terceira e última experiência, separei 10% para mim. mas é absurdo.
hoje em dia peço direto às editoras que me liberem do trabalho idiota de digitar bibliografia, mesmo quando comentada, e invoco o bom argumento de que por um terço do preço eles pagam um digitador melhor e mais rápido do que eu.
mas texto... ah, não, um bom ou razoável tradutor editorial não repassa, de jeito nenhum. ele tem um nome a zelar e a confiança das editoras a preservar. quanto a recusar serviço, é normal. tendo uma agenda tipo oito/dez meses à frente, a partir de algum momento dá para voltar a aceitar serviço, encaixando na programação e mantendo sempre essa faixa de oito meses já comprometidos.
e no mercado editorial há uma tal demanda de tradutores com um pouco de experiência que não há muito o que se temer - na verdade, a gente acaba indicando muitos colegas para os serviços que não pode aceitar naquele momento.
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