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domingo, 15 de março de 2009

No princípio, é tudo muito fácil

Posicionei a folha de papel jornal formato ofício na máquina de escrever Olivetti Studio 44, uma semiportátil mecânica, marquei cuidadosamente três centímetros de margem superior, mais três de esquerda e outro tanto de direita, ajustei a máquina para espaço duplo. Com esses ajustes e mais o de deixar outros tantos três centímetros de margem inferior, estava configurada a lauda.

Isso feito, no canto superior direito da página, escrevi
1, acionei a alavanca de espaços uma meia dúzia de vezes para centralizar o título verticalmente na página, e sapequei:

ANÁLISE DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS
JOHN N. MYER

TRADUZIDO POR
DANILO AMEIXEIRO NOGUEIRA

Olhei minha obra de arte, conferi se estava tudo certinho, tirei a folha de papel da máquina, pousei do meu lado direito, com a face escrita para baixo, virei para minha mulher, que estava do eu lado, e disse, todo pomposo: "acabo de ganhar dez cruzeiros".


A Vera tirou os olhos da apostila que estava lendo e me olhou incrédula. Dez cruzeiros, em menos de dois minutos, era uma pequena fortuna.


Era verdade, mas uma verdade algo distorcida, porque era uma lauda atípica. A maioria das laudas tinha 32 linhas, a maioria das linhas tinha 75 caracteres e era necessário revisar tudo aquilo, sem corretor ortográfico nem nada desse tipo, sem internet para pesquisas, sem dicionários eletrônicos, datilografando letra por letra numa máquina dura como ela só, emendando com branquinho, tesoura e cola.


O trabalho demorou uns bons três meses, entre outras razões porque, de manhã, eu trabalhava como tradutor interno na falecida Arthur Andersen. Depois, foi para a revisão, composição, provas e, finalmente, impressão. Saiu no ano seguinte. Assim eram as coisas em 1970, quando comecei a trabalhar para a editora Atlas.


Estou escrevendo isso tudo porque é domingo e estou baixando a bola um pouco e também porque entrei ontem no
Twitter (DaniloNogueira), a última mania internética, segundo a revista Época de hoje, o que me fez lembrar do tempo em que a gente ainda traduzia a muque. E, acreditem, traduzia.

Até amanhã.


(A Kelli está furibunda. Deixa ela voltar para contar para vocês a cachorrada que a Telefônica fez com ela.)

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