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sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O Reu Zulu

Estava falando mal da vida dos outros com minha amiga Ana Iaria, que mora na Inglaterra. Falávamos, entre outras coisas, de contaminação linguística, a apropriação indébita de termos e estruturas de uma língua estrangeira. Coisas como "aplicar para uma bolsa de estudos" e quejandos.  Vai além, muito além, dos tais falsos cognatos, para abarcar problemas de sintaxe, como a moça que disse "eu fui oferecida uma tradução" — porque achou que, se "I was offered a translation" era correto, "eu fui oferecida uma tradução" havia de ser também. Ou, ao menos, chique, demonstrando a todos que ela tinha feito intercâmbio, tendo morado em Podunk e tal.

Isso acontece muito em tradução, porque a língua estrangeira está lá presente o tempo todo e muito da formação do tradutor está em aprender a eliminar a contaminação.

Também acontece muito com o pessoal que vive lá fora, como a própria Ana Iaria, que tem que se policiar constantemente, para não trocar o português por anglunhês, como tantos fazem. Ainda outro dia, uma colega que mora nos EUA defendia um anglicismo bobo sob a alegação de que todos os brasileiros residentes lá usam. Achei melhor nem responder.

O curioso é, entretanto, as pessoas que usam essas coisas propositadamente, porque acham chique. É chique, por exemplo, em certas áreas do submundo acadêmico, usar anglicismos para lembrar à patuleia que o autor/locutor participa dos mais altos círculos profissionais, onde a língua é inglês, sendo que português é sabidamente língua de bugres.  A Ana me passou "tamanho dependente", que na verdade seria "dependente do tamanho". Porém a construção à moda inglesa cai de chiqueireza e esfrega no focinho dos que não são "insiders", que o autor ou estudou lá fora ou, ao menos, conhece alguém que estudou ou leu alguma coisa escrita em inglês, coisa assim. Quer dizer, o cara não é pouca porcaria, não! Está pensando o quê?

Se você reclamar, ele vai dizer que é a linguagem habitual da academia — arrastando o teu focinho na areia ainda mais um pouco, para ver se sangra.

A maioria dos caras que escrevem desse jeito sabe pouco inglês e, se soltos no meio dos gringos, faz feio. Outros, até que se viram bem. Mas jamais vão poder ocultar o fato de que são botocudos como nós outros. Lembram um pouco umas caricaturas em que os ingleses ridicularizavam o Rei dos Zulus, no século XIX, onde o potentado africano sempre aparecia descalço, vestindo um calção e depois casaca, gravata e cartola, mas sem camisa. Por mais que se paramentasse com um ou outro adorno europeu, jamais deixava de ser zulu. Não sei se as caricaturas retratavam a realidade, mas devem servir de exemplo para todos nós.

6 comentários:

Anônimo disse...

Tópico apropriado ao problema que passo nesse exato momento. Querem que traduza "insecticidally" para inseticidamente, haja fé para colocar tamanha monstruosidade dessa no texto. E brigo até hoje dizendo que a palavra importantemente também não existe. Dei gargalhadas quando li o tópico sobre "tercerization", ilustra perfeitamente o tamanho do ego e a proporcional ignorância dos nossos ditos "intelequituais".

Hugo disse...

Tópico apropriado ao problema que passo nesse exato momento. Querem que traduza "insecticidally" para inseticidamente, haja fé para colocar tamanha monstruosidade dessa no texto. E brigo até hoje dizendo que a palavra importantemente também não existe. Dei gargalhadas quando li o tópico sobre "tercerization", ilustra perfeitamente o tamanho do ego e a proporcional ignorância dos nossos ditos "intelequituais".

Petê Rissatti disse...

Tem um outro problema, ligado às escolas de idioma: muitas delas treinam o pupilo para ser espião, tentar falar igualinho o gringo, mas treinam errado, não se preocupam com a gramática e confundem a cabeça de quem não está preparado. Então esse pupilo vai fazer aquela salada na hora de falar aqui e lá, achando que é bonito.
Já vi gente falando "pôr exemplou" achando que está arrasando. E isso é realmente triste.

Marocca disse...

Lembrei-me do caso do "drogadito" para "drug addicted" que eu nunca tinha ouvido falar e nos foi apresentado em aula, como caso dessas contaminações, pela Lenita.

Quero aproveitar pra agradecer, Danilo, pela sua participação no EAGiLE da USP. Apesar de não ter tanta gente quanto esperávamos (e nem tanto tempo quanto gostaríamos) a sua palestra, para mim (tradutora iniciante), foi de grande valia!
Eu sou a mocinha que estava junto com o William.
Abraços

Danilo Nogueira disse...

Ah, Marocca, poderia ter mais gente, poderia ter mais tempo. Mas, pense bem, antes assim do que uma sala hiperlotada com uma palestra de quatro horas, todo mundo morrendo de vontade de ir embora.

Acho que valeu e eu me diverti muito.

Emilio Pacheco disse...

Faz tempo que não vejo, mas houve uma época em que era comum ler-se nos jornais: "Fulano de Tal, 32..." Ora, 32 o quê? Tudo bem, eu sei que é anos. Mas quem inventou isso deve ter lido no New York Times e imaginado ser um estilo moderno de se escrever. Em inglês é gramaticalmente correto colocar apenas o número para indicar a idade, mas em português fica meio estranho. Tem também o famoso "(risos)" na transcrição de entrevistas. Mas risos de quem? Do entrevistado? Do entrevistador? De ambos? De todos os que estavam por perto na hora da entrevista? Parece-me uma adaptação mal feita do "laughs" que se lê nas entrevistas em inglês. Só que, nesse caso, trata-se da terceira pessoa do singular do verbo "laugh".