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sábado, 22 de março de 2008

Você tem direito de viver melhor

Nossa colega Beta acaba de entregar à Editora Alfa sua mais recente tradução. Junto, uma mensagem dizendo que para o próximo livro, o preço ia ser outro. Recebeu uma resposta do seu contato na editora, dizendo que de ordem da Grande Manda-Chuva Geral, não se mandava mais tradução para ela: há mais tradutores na praça, dispostos a trabalhar por preços razoáveis.

Acontece que a Editora Alfa anda meio que atrapalhada com essa coisa de tradução. Vivem de traduções, porque a produção de livros originais na especialidade deles é pequena. Então, é traduzir ou fechar a barraca. Mas não querem aumentar as taxas. Querem continuar a pagar o que pagam há anos, que sempre foi muito pouco e, com a inflação, virou quase nada.

Porque ainda há inflação. Menos do que no tempo do Sarney, mas há, sim. Então, periodicamente, temos que aumentar os preços. Aumentar para ficar no mesmo lugar, diga-se de passagem. Porque, sem aumentar, ganhamos cada vez menos.

Todos os trabalhadores têm aumentos periódicos, menos o tradutor. A corrida de táxi aumenta todo ano. Nós, espera-se que fiquemos sempre "na taxa", porque a taxa é X e acabou a história. E, nos últimos tempos, ternho recebido circulares de agências que querem reduzir a paga!

Os clientes – não só as editoras – fingem grande surpresa quando falamos em aumento. Alegam mil razões para não conceder o aumento (eles próprios não dispensam o aumentinho deles, claro, mas isso é outra coisa).

Não adianta pedir aumento: não vão dar. Você tem que se autoconceder aumento e comunicar ao cliente: não é mais possível traduzir a X por lauda; o próximo serviço será cobrado a Y por lauda, mantidas as mesmas características de hoje (antes que venha o esperto e duplique o tamanho da lauda para compensar um aumento de 10% na taxa).

E a Beta achou que estava na hora de declarar aumento. Declarou e pronto. Mas a Grande Manda-Chuva Geral não gostou e disse que não mandava mais serviço para a Beta. É, evidentemente, um cabo-de-guerra: o tradutor diz que não faz por menos, a editora diz que mais não paga.

Entretanto, parece que estamos chegando ao fundo do poço: não dá mais para agüentar: o arrocho está forte demais. As editoras que pagam menos estão também com a corda no pescoço, porque está cada vez mais difícil conseguir tradutores que trabalhem por metade de meio centavo a lauda, como elas querem pagar.

É muito fácil induzir alguém a aceitar a tradução de um livro por quase nada. Mostra-se à vítima o livro e diz-se que, pelos cálculos da editora, são tantas laudas, a tantos reais por lauda dando tantos mil reais. E é um bom dinheiro, coisa que faz diferença no bolso de qualquer um. Então, a inocente aceita. Mas quando vê o tempo que toma e o trabalho que dá, desanima e, muitas vezes, simplesmente desiste no meio do caminho. Ou dá uma grande picaretada geral e entrega. Os tradutores religiosos, ainda fazem uma prece antes de entregar; a maioria, nem isso.

A Beta já é tradutora calejada e conhece os truques do ofício. Já tirou mais de uma editora de encrencas, encrencas em que elas próprias se meteram por terem optado pelo tradutor mais barato, sem pensar em qualidade. Agora, quer colher os frutos do seu esforço, ganhando alguma coisa a mais que quase nada. E resolveu que vai dizer um "não" redondo às ofertas que não atingirem um dado piso. Certa está ela.

Aproveite e dê uma olhadinha aqui onde estão os valores recomendados pelo SINTRA, que, a bem dizer, não são nada nababescos. E vamos iniciar a temporada de dizer não. Aprenda a dizer não aos preços ínfimos.

Faça uma lista dos seus clientes, por ordem de preço. Quando ligar o pé-de-lista, diga que agora o preço é outro. Deixa o cara chorar, arrancar os cabelos, o diabo. Fique firme. Ou ele aceita, ou rejeita. Se rejeitar, agüenta firme que vai ter quem te queira. Se ele aceitar, sai do pé da lista – mas fica outro no lugar, certo? Então esse será o próximo. De degrau em degrau. Sempre. Você tem direito a viver melhor.

3 comentários:

M.M. disse...

É realmente incrível como os tradutores são tão mal pagos, tanto no Brasil como em Portugal.
As editoras querem bom, rápido e barato, mas isso é impossível. Como tal, optam por tradutores amadores e depois é a vergonha que se vê.
Eu passei a só aceitar trabalho de editoras que me pagam o que acho justo. E disse claramente às outras que o que pagam é pouco e que o meu trabalho vale muito mais(sou realmente uma boa tradutora, além de ter vivido nos EUA e na Inglaterra).
O certo é que só custou no princípio. As boas editoras continuam a dar-me imenso trabalho, as mais-ou-menos aliciam-me com melhores pagamentos e as más... bom, nem quero saber!

Parabéns pelo seu blog.
Eu criei um fórum sobre a tradução em Portugal. Visite-nos sempre que quiser:

http://traducaoemportugal.forumeiros.com/

Anônimo disse...

Danilo, acho que este é o seu melhor post aqui no blog. Muito bom mesmo.

Anônimo disse...

danilo, só pro pessoal ficar mais animadinho: tem editora, sim, que dá "reajuste" anual sem ninguém precisar dizer nada, tem editora, sim, que dá aumento quando a gente pede, tem editora, sim, que tem tabela razoavelmente superior aos preços sugeridos pelo sintra :)
trabalho para três diferentes, e as três funcionam dessa maneira, com todos os seus tradutores.