Futuros jornalistas, às vezes, fazem perguntas ainda mais difíceis que os jornalistas profissionais. Já dei mais de uma entrevista e jamais me perguntaram onde havia a maior concentração de tradutores de todo o mundo. Tinha que ser uma estudante de jornalismo do UNASP, para vir com essa. Vamos ver o que posso responder.
Em primeiro lugar, não sei. Ninguém sabe. Em termos absolutos, certamente há de ser na China. Com o tanto de gente que tem naquela terra, é lá que tem o mais de tudo: tradutor, lutador de box, comedor de cachorro quente, sanfoneiro, o que você quiser. Mas, como proporção da população, não acho que alguém saiba. Entre outras coisas, muita gente combina, ainda, tradução com outras profissões e aparece nos dados oficiais como, digamos, professor.
Em muitos países a lei obriga a tradução de enormes quantidades de documentos, porque não há uma língua claramente majoritária como no Brasil. Os exemplos mais famosos são o Canadá, onde tudo se faz em inglês e francês e, por isso, a tradução atingiu um estágio de desenvolvimento avançadíssimo. Na mesma situação há a Bélgica (francês e flamengo), Espanha (espanhol, catalão e basco, onde os catalães fazem uma trabalho especialíssimo), Suíça (alemão, francês, italiano) Finlândia (finlandês e sueco), Irlanda (irlandês e inglês), Gales (inglês e galês). Em outros países, existe alguma proteção para minorias (dinamarqueses em Flensburg, Alemanha), mas não é um dilúvio de traduções, como no Canadá.
Em outros países as grandes massas de imigrantes obrigam a existência de grupos importantes de tradutores e intérpretes. Nos EUA, para citar o exemplo mais conhecido, há enormes comunidades que falam exclusivamente espanhol e, por exemplo, muita gente em Nova York que se expressa quase que exclusivamente em Crioulo Haitiano. Essa gente precisa de intérpretes em hospitais e na polícia, por exemplo.
Em alguns países, a economia também exige tradutores aos montes. Na Suíça, além dos tradutores "para uso interno", como é um país de banqueiros internacionais, há um batalhão de tradutores traduzindo de e para línguas que praticamente ninguém fala no próprio país. Como a tradução é uma profissão globalizada, muito disso é subcontratado. Por exemplo, há vários tradutores brasileiros, residentes e domiciliados no Brasil, traduzindo para o português, para atender clientes sediados na Suíça, Estados Unidos e Reino Unido.
Além disso, tem as grandes entidades supranacionais, como a União Européia, que emprega uma enormidade de tradutores, porque tudo é traduzido para todas as línguas da comunidade. A situação é tão grave, que se viram obrigados a violar duas regras clássicas da tradução: a regra de que só se traduz para a própria língua e a regra de que só se traduz do original, nunca de uma língua intermediária. Por exemplo, um documento produzido em lituano precisa ser traduzido para todas as outras línguas da comunidade, inclusive para o grego. Teoricamente, deveria ser entregue a um grego que traduzisse do lituano. Como não deve haver nenhum grego que possa traduzir do lituano, então, traduz-se de um documento intermediário em inglês. Mas aí há outro problema: essa documento deveria ser traduzido por alguém cuja língua materna fosse inglês, mas há pouquíssimos tradutores cuja língua materna seja inglês e que possam traduzir do lituano. Então, o documento é traduzido do lituano para o inglês por um lituano, revisto por um falante nativo do inglês e, em seguida, traduzido para o grego por um grego.
Amanhã tem mais. Por hoje chega.