Como disse no último artigo, "tradução" tem dois sentidos: um mais específico, restrito à tradução de texto para texto e outro mais genérico, que inclui todas as modalidades tradutórias, inclusive a interpretação e o trabalho com audiovisuais e o que mais seja. É essa aberração lógica e semântica que leva a coisas esquisitas como os cursos de "tradutor e intérprete".
Se estivermos vendo "tradução" como termo genérico, não faz sentido, porque seria algo como dizer "médico e ginecologista". Ginecologia é uma especialidade médica e todo ginecologista é médico, por definição. Logo "médico E ginecologista" é bobagem.
Se estivermos vendo como específico, quer dizer como "tradutor de texto para texto" é pior,: criamos um problema de todos os diabos, porque muita gente que tem talento para uma das modalidades não serve para a outra. Há tradutores que não dão para interpretação e vice-versa. Aliás, eu sou um exemplo: como intérprete, já fiz alguma intermitente / cochichada na minha área de especialização e até que não me saí mal, em razão da minha capacidade cognitiva, quer dizer, do fato de que conheço muito bem o assunto. Mas a minha capacidade interpretatória propriamente dita é baixíssima: se tivesse que ganhar a vida como intérprete, estava perdido. Como tradutor, até que me saio bem, embora sempre haja o que aprender.
Das palestras na Jornada, entendi que o conceito geral é de que a formação do intérprete começa com a formação em tradução de texto para texto. Pode ser. Mas também pode ser que essa postura tenha motivos mais culturais e históricos do que pedagógicos, e que possa mudar após uma reflexão mais detida sobre a interpretação, que leve a esquematizar um curso onde mesmo as aulas teóricas e disciplinas básicas sejam voltadas para a interpretação.
Como sempre penso em termos musicais, fico lembrando de uma época em que não se permitia ao aluno aprender saxofone antes de dominar o clarinete e ao costume espanhol antigo de obrigar o aluno a estudar bandolim antes de pegar no violino. As duas práticas foram abandonadas e nem por isso a música perdeu nada. Hoje, quem quer estudar violino começa com violino, quem quer aprender sax começa com sax e pronto.
Uma coisa não se pode discutir: as técnicas de interpretação, seja simultânea, seja uma das diversas modalidades de consecutiva, são totalmente diferentes das técnicas usadas pelo tradutor de texto para texto.
Não sei se amanhã posto. Na pior das hipóteses, até segunda. Obrigado pela visita.
Um comentário:
Parabéns pelo post, Danilo.
Eu sou uma tradutora em formação, mas já "quebrei o galho" como intérprete algumas vezes. A diferença entre as duas atividades é enorme. O problema é que ninguém parece acreditar muito nisso. Se falo que preciso de outra formação para desenvolver habilidades de intérprete, me dizem que estou jogando dinheiro fora. É realmente frustrante.
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