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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Um Ideal

Estou chegando ao fim das divagações sobre interpretação, resultantes do que vi e ouvi na Jornada da USP. Amanhã, temos outro assunto.

Um ponto interessante abordado mais ou menos da mesma maneira pelos palestrantes foi a formação do profissional de interpretação simultânea.

O alto grau de bilinguismo era pré-requisito previsto, portanto dispensou discussão. Vamos à formação, propriamente dita.

Parece que se começa com tradução de texto para texto, ao mesmo tempo em que se exige paráfrase. Até o momento em que ouvi Reynaldo Pagura falar em paráfrase, não me tinha dado conta da importância desse recurso para a formação do tradutor – é nisso que dá viver fora do ambiente acadêmico – mas agora me parece óbvio. Em seguida, vem a tradução consecutiva e, por fim, a simultânea propriamente dita.

À primeira vista, parece uma série do tipo "começa pelo fácil, termina pelo difícil". Mas todos os palestrantes disseram que consideravam a consecutiva, o segundo grau, mais difícil que a simultânea, que era o terceiro. Pareceu um contrassenso essa história de primeiro aprender o mais difícil e depois o mais fácil.

Aí lembrei de um comentário da Raquel Schaitza (vou ter que pagar a ela por usar tanta coisa que ela disse): muitas vezes, as pesquisas dela como tradutora de texto para texto foram úteis para a simultânea e, outras vezes, a presença de espírito desenvolvida na simultânea foi útil na hora da tradução de texto. Depois me lembrei de uma de minhas observações prediletas: que gostaria de aprender a legendar só para tentar adquirir aquela capacidade de condensação que os legendadores desenvolvem em alto grau.

Sim, faz sentido. Todos os tipos de tradução estão entreligados e o conhecimento de um dos tipos sempre ajuda na execução do outro. O ideal seria um curso básico de tradução lato sensu em que o aluno aprendesse os rudimentos de todas as espécies de tradução, para depois se especializar nos ramos para os quais tivesse mais talento. Para entrar nesse curso, evidentemente o interessado seria obrigado a demonstrar um excelente conhecimento de sua língua materna e, ao menos, de uma língua estrangeira, visto que curso de tradução não é curso de idiomas e encarar Gideon Toury antes de ser capaz de dominar as quatro habilidades básicas é contraproducente.

Mas, lamentavelmente, tudo isso é só um ideal. Uma pena.

6 comentários:

Anônimo disse...

Danilo,

Se e quando eu disser algo de útil, cite quantas vezes quiser e "de grátis". Você tem cartão de crédito sem limite de gastos pelo tanto que eu já suguei teu bom senso e apliquei na vida profissional (quiçá pessoal...) ao longo de muitos anos.

Raquel

Renato Beninatto disse...

Se algum dos leitores quiser aprender a legendar treinando com alguma coisa útil para a humanidade, sugiro que visite o site do TED (www.ted.com).

Eles se associaram com dotSUB (empresa com software grátis de legendagem online) e qualquer pessoa pode se inscrever e traduzir uma das palestras de 20 minutos do TED.

Escolha um tema de seu interesse e se inscreva aqui para traduzir: http://www.ted.com/translate/step1

Se você é daqueles que é contra traduzir de graça (LinkedIn, Facebook, Twitter), nem vá lá. É o mesmo princípio. Se você - como eu - acha que ao traduzir alguma coisa útil e interessante, mesmo de graça, se aprende mais que na escola; não perca esta oportunidade.

João Vicente disse...

Comentando o que disse o Renato, existem momentos na carreira em que vale a pena traduzir de graça. Quando se está começando, quando se quer abrir uma porta, quando se quer aprender. O negócio é não se deixar explorar e, isto sim, saber tirar partido da situação. Só aprendiz traduz de graça? Não. Em março, trabalhei sem ganhar um tostão durante quatro dias, dois deles no fim de semana, num horário miserável (16h à 0h). Fiz o serviço feliz da vida, satisfeito pela oportunidade de mostrar meu trabalho para um cliente bastante especial. Esses quatro diazinhos vão me render frutos no futuro, quando retomar minha carreira.

Mas enfim, o negócio é saber avaliar a situação é saber quando é vantagem "trabalhar de graça".

João Vicente disse...

Danilo, dois tostões sobre o teu texto. Este trecho em especial me serve de gancho.
“O alto grau de bilinguismo era pré-requisito previsto, portanto dispensou discussão.”
Na minha forma de ver, acho que nunca é demais frisar esse pré-requisito. Nele repousa uma das importantes diferenças entre tradução e interpretação. Na tradução, dá para se passar muito bem sem ter o mesmo nível de proficiência em todas as línguas de partida. Tenho um colega que traduz, na área financeira, de sete diferentes línguas para o inglês. Fala todas igualmente bem? De jeito nenhum, mas não precisa, uma vez que não lhe pedem para traduzir para o português, alemão, francês. Já na interpretação, aí é preciso ser muito bom tanto indo quanto voltando, pois, salvo raras exceções, somos obrigados a abrir a boca num E noutro idioma.

Danilo Nogueira disse...

Nossa, quanta gente importante aqui hoje!

João Vicente, concordo com você e lamento que não me fiz claro. Falava-se de FORMAÇÃO e a FORMAÇÃO só pode começar quando o sujeito tem um alto grau de bilinguismo. Quer dizer, se o cara fala um inglês capenga — como você, que me conhece muito bem, sabe que eu falo — é recusado logo de cara, como eu fui pela minha amiga Ângela Levy.

Não começa a formação e pronto. Escola de interpretação não é curso de idiomas. Quer fazer curso de interpretação de turco na ESIT? Bem-vindo, mas, primeiro, vai aprender turco em qualquer outro lugar e aprender direito. Porque, se chegar lá sem saber turco, não te deixam entrar no curso.

João Vicente disse...

O grande problema é que alguns acham que podem aprender a(s) língua(s) enquanto se aprende a técnica. As línguas e a técnica a gente não deixa de aprender nunca; vão sendo lapidadas ao longo da carreira. Mas é bom já chegar no curso com uma bagagenzinha linguística senão o caldo engrossa.