Volto, depois de um breve intervalo para desabafo, ao meu Arquimedes e a história dos glossários.
Por que essa turma pega um glossário e pensa que, com ele, dá conta do recado? Basicamente em razão de um preconceito contra a tradução técnica. A turma acha que tradução técnica é mera substituição de palavras ou, no máximo expressões. Santa ignorância! Polissemia e ambiguidade, metáforas, anáforas, catáforas e todos esses monstrengos que atemorizam o tradutor literário atormentam o tradutor técnico também, embora nem sempre quem "pega" uma tradução técnica para fazer repare nessas coisas e, como sempre, é aí que mora o perigo.
Manda a boa técnica que o tradutor procure, antes de escrever uma palavra do texto de chegada (ia escrever "por uma palavra no papel", mas ninguém mais faz isso), entenda o que o autor disse (ou quis dizer, o que nem sempre é a mesma coisa). Traduzir sem entender é candidatar-se a ser substituído por um computador, que também traduz tudo sem entender nada — além de trabalhar mais depressa e mais barato que o tradutor humano.
A melhor ferramenta para entender um texto ainda é o dicionário unilíngue. Uma vez decifrado o texto, entendido o sentido dos termos menos conhecidos do tradutor, é que vale a pena ver um glossário bilíngue O glossário pode não tiver a palavra, mas, se você entendeu o texto, tem mais chance de achar uma solução. Dependendo da situação, pode ser necessário conferir tudo com um dicionário unilíngue, para ver exatamente o que é o quê. Às vezes, muitas vezes, nada do que o glossário oferece corresponde a qualquer possível significado do termo no original e a pesquisa tem de se estender por outros campos.
O que não pode é ficar trocando palavrinha de uma língua por palavrinha do outro e, depois, quando questionado, dizer "bom estava num glossário que me deram". Isso não é traduzir, é chutar e tradução não é futebol. Juro!
Até amanhã e obrigado pela visita.
3 comentários:
Teve um caso de um revista da minha cidade natal, da qual o dono contratou um 'tradutor' para fazer uma edição trilingue, especialmente para a feira que tem por lá, muito importante para o setor sucro-alcooleiro. O cara contratado é um professor respeitado na cidade, de inglês e espanhol, e ficou a cargo de traduzir, para as duas línguas, os textos originalmente escritos em português. Foi uma vergonha em papel, pelo menos a parte em espanhol, a qual me ative por razões óbvias, continha erros ridículos de gramática, básicos, que um professor não poderia cometer. Fico pensando se vale a pena contratar alguém para fazer um serviço porco como esse, e levar o nome da revista ao desprestígio total, só porque compartilham a idea de que tradução qualquer 'professorzinho' faz.
Tem que não quer pagar um tradutor pra fazer o "abstract", eu mesmo faço! dizem. Aí sai algo assim: http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/18477
No big deal, I just think it is funny, especially "smallest" as a synonym of "minor"...
Danilo,
Gostei muito do post.
Você tocou em verdadeiros mitos da tradução técnica: achar que "com um dicionário, qualquer um traduz", ou que "na tradução técnica, o estilo não importa". Talvez por isso muitos clientes prefiram contratar um engenheiro para traduzir um manual a um tradutor especializado... Ledo engano!
Aliás, arrisquei escrever alguma coisa sobre isso no meu blog. Se interessar:
http://navarrosandra.wordpress.com/2009/08/16/myths-about-technical-translation/
http://navarrosandra.wordpress.com/2009/08/23/breve-reflexao-sobre-os-dicionarios/
Parabéns pelo blog!
Sandra Navarro
ps: assisti sua palestra na sBS da Vila Mariana, no dia 02/10. Talvez você lembre de uma pessoa que chegou bem atrasada, sentou na frente e ainda precisou sair mais cedo... :-)
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