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domingo, 23 de dezembro de 2007

O estranho caso do teste pago

Nossa colega Alfa enviou seu currículo para uma agência e recebeu a proposta de fazer um teste. O teste era a revisão de um uma tradução automática de 22.000 palavras, no prazo de dois dias, por R$ 0,01 por palavra. Alfa descobriu que nossa colega Beta, sua amiga, tinha também enviado currículo para a agência e recebido proposta praticamente idêntica, com a diferença de que o texto a revisar era outro capítulo do mesmo livro. Desconfiada de que se tratava de uma trama para conseguir a tradução de um livro inteiro quase que gratuitamente, Alfa postou uma mensagem em uma lista de tradutores, gerando uma longa fieira de comentários. Até eu postei o meu, mas tive de abandonar a discussão porque estava atulhado de trabalho. Um dos comentaristas foi nosso colega Omega, que se identifica como proprietário da agência.

Estou usando nomes fictícios aqui não para proteger a identidade de ninguém, visto que a discussão foi mais que pública, com acesso fácil para os mais de dois mil assinantes da lista trad-prt. Quem não é assinante, pode se inscrever grátis e vai ganhar acesso quase imediato aos arquivos. Os nomes fictícios são para podermos restringir a discussão aos fatos, sem fulanizações.

Não enviar CV sem antes obter referências da agência solicitante foi uma das recomendações. O objetivo era evitar que agências mal intencionadas fizessem mau uso das informações. É inócuo: nossos CVs voam por aí, de mão em mão e eu já recebi mais de uma proposta de gente que tinha o meu sem que eu jamais o tivesse enviado a àquela pessoa. Sem contar o fato de que muitos de nós têm CV na Internet.

A remuneração do teste atraiu atenção por ser baixa. Reclamaram de um centavo por palavra. Entretanto, o que me surpreende é o terem oferecido remuneração. Por que alguém pagaria por algo que pode obter grátis? O mundo está cheio de gente disposta a fazer testes para tradutor sem ganhar nada. Será que a agência ficou boazinha, agora? Já deveria dar margem a uma que outra perguntinha.

O porte do teste é uma questão ainda mais interessante. Para dizer a verdade, acho que todo teste para o tradutor fazer em casa, grande ou pequeno, é bobagem. É mais que comum o candidato a emprego pedir "uma olhadinha" a um colega e o que a agência recebe é o teste do colega, não do candidato. Mas, enfim, as agências usam o teste como aquela famosa e provavelmente apócrifa história do homem que deu Sal de Fructa Eno para o filho que quebrara a perna: alguma coisa tinha que fazer e fez o que lhe era possível. Mas o porte do teste surpreende. Eu certamente recusaria um teste desses. Faço testes e a maioria deles fica em torno de 250 palavras, alguns um pouco maiores. Jamais fiz um teste de mil palavras. Maior que isso, nem pensar.

O tipo de teste é ainda mais estranho. A colega se candidatou a um lugar de tradutora, não de revisora, ao que tudo indica. E, mais que isso, não a revisora de tradução automática. O valor da tradução automática é questão controversa, mas podemos ter como certo que o sistema só funciona mesmo com textos de redação controlada, processados por programas de alta qualidade, devidamente "ensinados" por quem entende do riscado. Esses programas não se baixam com e-mule nem se compram no supermercado. Além disso, "ensinar" um programa desses é tarefa para cachorro grande. Revisar 22.000 palavras traduzidas automaticamente assim, a seco, em dois dias é tarefa hercúlea, uma verdadeira limpeza dos Estábulos de Áugias. Se a Alfa e a Beta, nessas condições, conseguem produzir algo que preste, são duas heroínas. Quer dizer, mais um motivo para recusar o teste.

A agência ia usar o resultado do teste? Não sei. Omega diz que ele tem lá seus métodos de selecionar tradutores e quanto a isso não deve satisfação a ninguém, no que está totalmente certo. Como ele seleciona tradutores é problema dele, não meu. Não gosto que se metam na minha vida, procuro não me meter na dos outros. Por outro lado, o tal teste era remunerado e, no meu entender, o pagamento, por pouco que seja, dá o direito de usar o teste como quiser, SALVO SE tiver explicitamente prometido não fazer uso comercial do material recebido. Na verdade, embora eu não saiba exatamente onde Omega queria ir, parece que tudo não passou de uma artimanha algo simplória para conseguir uma tradução barata. Há outras, muitas delas usadas por gente que a maioria dos tradutores consideraria honesta. Já mil vezes me pediram um desconto porque é o primeiro serviço e queremos testar sua capacidade, não tem fins lucrativos, o orçamento estourou, vai vir mais serviço depois, é para mim, é para minha tese e o que mais seja. Para mim, a agência que paga pouco por um serviço a pretexto de ser um teste não é nem melhor nem pior que os espertinhos acima – SALVO SE TIVER EXPLICITAMENTE GARANTIDO QUE NÃO VAI REUTILIZAR O SERVIÇO.

Mas, a bem dizer, simplória como é, quase funciona com a Alfa e a Beta e talvez tenha funcionado com outros. Espero que você escape dessas.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Por que eu tenho que pagar o pato?

Esta história aconteceu comigo, há muitos anos, mas ainda é exemplar.

Uma empresa me pediu para eu dar uma olhadinha numa tradução para o inglês, para ver se havia alguma coisinha a mudar, porque podia ter passado algum errinho de revisão. Era o tempo do papel-que-vai, papel-que-vem e, quando abri, em uma página a esmo, me aparece the refectory counts with natural illumination. O resto era do mesmo quilate. Liguei para o cliente e disse, na lata, que o serviço tinha de ser refeito e cotei o preço.

Fez aquele teatrinho normal, fingindo-se surpreso com o valor. Disse que não podiam pagar tanto, que já tinham pagado um tradutor, e pagado muito, não poderiam pagar de novo. Essa é uma das choradas mais batidas.

Achei que era hora de levar na gozação. Aleguei quem deveria pagar o meu trabalho era o funcionário que tinha errado ao contratar um incompetente para o serviço. O homem disse que era inviável. Como segunda opção, sugeri que ele não pagasse o primeiro tradutor, porque o serviço era inútil. Também inviável.

Finalmente, pedi para o homem imaginar o seguinte: você está dirigindo seu carro com todo cuidado e vê que o guarda está anotando a sua placa. Para, pergunta qual é o problema e o guarda responde que um maluco tinha passado pelo sinal vermelho a uma velocidade tal que não tinha dado para anotar a chapa. Como solução, estava multando o primeiro carro que passou tão devagar que ele conseguiu ler a placa.

Resumo da ópera: um incompetente contratou outro incompetente e queriam que eu pagasse o pato.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Microsserviços de tradução

Pipocou ontem uma discussão interessante numa das listas. Um colega recebe de um cliente o encargo de traduzir fragmentos de textos. O resto do texto já foi traduzido por alguém, não sei em que circunstâncias.

Do meu ponto de vista, o cliente tem o direito de distribuir o trabalho da maneira que acha conveniente. Se o cliente quer dividir o texto entre diversos tradutores, é direito dele. Se esse procedimento vai dar alguma vantagem, não me cabe julgar. Aparentemente, o cliente traduz internamente o mais fácil e encomenda do nosso colega os trechos mais difíceis. Poderia ser, também, que o cliente simplesmente quisesse a tradução de meia dúzia de parágrafos necessários para atualizar um documento, mas, ao que tudo indica, não é o caso do nosso colega.

Nosso colega não gosta muito do sistema. Por minha parte, estou tão acostumado que não me importo. Muito do meu serviço e do serviço de outros tradutores é traduzir partes de documentos.

Há mil razões para o cliente nos pedir a tradução de trechos isolados: pode ser uma atualização de um documento já traduzido, pode ser uma única cláusula de um contrato, para uso de um advogado. Pode ser, inclusive, como observa o colega, um "em casa a gente faz o fácil, o difícil a gente manda fazer fora". Não importa.

Quando recebo um pedido de tradução, levanto três questões. A primeira é ética: posso aceitar aquele tipo de serviço daquele cliente? Se puder, passo ao tempo: tenho como atender o cliente no prazo especificado? Se tiver, passo ao terceiro quesito: a que preço me convém aceitar o encargo? Essas três perguntas cabe exclusivamente a mim responder. Posso até consultar colegas, mas a decisão final é minha.

O problema de preço é crucial e muitos de nós começam a solução estabelecendo uma taxa mínima. Tanto por palavra, por lauda, por toque ou o que quer que seja, e o mínimo é X. Esse X deve corresponder a aproximadamente o ganho em uma hora de trabalho e é esse o mínimo que você cobra por qualquer pedido. Uma linha, que seja. Mais ou menos como a taxa de visita do eletricista ou encanador.

Isso vai estimular o cliente a agrupar os fragmentos e mandar coisinhas maiores. Se não estimular, tudo bem: traduzir duas linhas pela taxa mínima é mais que compensador.

Se o cliente mandar o filé para um tradutor menos experiente e os ossos para você, simplesmente ajuste suas tarifas. Sem problema, sem queixa, sem ressentimento. Sua tarifa normal é X, para textos de dificuldade média. Para textos de alta dificuldade, há um acréscimo de Y%. Todo texto fragmentário tem, por natureza, dificuldade maior e, ao enviar parte para um tradutor menos experiente e o resto para você, é o cliente que está dizendo que está te mandando os ossos, não o filé.

Se vai convir ao cliente continuar mandando linhazinhas soltas ou mandar o documento inteiro, não sei – nem é da minha conta. Dos negócios dele, sabe ele, não eu.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

E o que vale o meu diploma?

Numa faculdade, uma sala cheia de gente querendo saber como é isso de traduzir como profissão. Eu lá, dizendo as coisas que sempre digo, mesmo porque não tenho outras a dizer. Fala-que-te-fala, a lengalenga de sempre, uma voz irada se levanta lá do fundo: – E o nosso diploma, não vale nada?

Não sei se já contei essa história aqui. Tenho um arquivo dos artigos publicados e a história não está lá. Mas posso ter me equivocado. Paciência. Quem sabe publiquei e você não leu.

O bruaá na platéia indicava que estava se iniciando um daqueles famosos movimentos de revolta contra as pessoas que traduzem sem a devida qualificação profissional e tal. E eu, lá, que nunca fiz faculdade, deitando falação – que contradição, meu São Jerônimo! Os professores que estavam na mesa começaram a se coçar, o que indicava um tanto de mal-estar quanto à situação.

Respondi que o diploma, a bem dizer, não valia nada. No máximo, se bonito, poderia ornar uma parede. Para muito mais, não servia.

Irritação crescente, mãos de professores se estendendo para pegar o microfone e apartear, mas se contendo em tempo. Alunos de mãos crispadas. Gosto de viver perigosamente.

O que importava, na realidade, era o que se aprende na faculdade. Porque o diploma meramente certifica que você concluiu o curso com sucesso, o que não chega a ser de todo difícil. Cola-se, toma-se carona em trabalhos alheios, reciclam-se trabalhos antigos de outros alunos, coisas assim. Tive acesso a um grupo no yahoogroups onde a principal atividade era programar faltas coletivas, assim "ninguém saia prejudicado". Quando há falta coletiva, todos saem prejudicados. Tem gente que passa mais tempo no bar da esquina que na sala de aula. Claro, não são todos, eu sei e já sabia antes de você dizer.

O mercado não quer saber do seu diploma. O mercado quer saber se você agüenta o tranco. E o diploma não diz nada sobre isso. Digo mais, você pode ter certeza de que mesmo que tenha feito faculdade a sério, isso não garante que você vá agüentar o tranco. Só a experiência pode provar. Como diz o inglês, o teste do pudim é provar um pedaço.

Mas tenha certeza: se fizer a faculdade a sério, na melhor tradição CDF, suas possibilidades de sucesso vão ser muito maiores que a do pessoal mais esperto, que ficava no bar e só voltava à sala de aula quando o celular dava um toquinho. Faculdade é como bufê de restaurante: os pratos estão na mesa, você se serve. Fazer um bom prato e comer tudinho, sem deixar nada, é responsabilidade sua. Só o professor pode ensinar – mas só o aluno pode aprender.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O tradutor e o contrabaixo

Do ponto de vista do pessoal que faz música clássica, as vozes se dividem em soprano, meio-soprano, contralto, tenor, barítono e baixo. Soprano é a mais aguda. Os mesmos nomes são aplicados, com alguma liberdade, a famílias de instrumentos fabricados em diversos tamanhos, como os saxofones. Existem saxofones sopranino, soprano, alto, tenor, barítono, baixo e contrabaixo. Se você nunca viu ou ouviu um saxofone contrabaixo, clique aqui.

Tentaram fazer um sax subcontrabaixo, ainda maior e mais grave que o contrabaixo, mas não deu muito certo e essa história não importa para nós agora. Importa que contrabaixo é, de modo geral, o instrumento mais grave de uma família.

Muitas vezes, esses termos são usados, por metonímia (creio eu, nunca entendi muito bem essas coisas), em substituição ao nome inteiro do instrumento. Esse procedimento é comum: a gente fala em vestibular, não exame vestibular; os advogados falam em inicial, não em petição inicial; ou o gerente do banco fala em promissória, em vez de nota promissória. É necessário completar mentalmente: dizer que Coleman Hawkins tocava tenor, quer dizer que toca saxofone (ou simplesmente "sax") tenor.

Assim, o instrumento mais grave entre os arcos ficou conhecido por contrabaixo, do italiano violone contrabasso. Contrabaixo é aquele gigantesco violino que se toca em pé. O pessoal da música popular foi truncando para baixo e é comum dizer que Luís Chaves é o baixo do Zimbo Trio.

Contrabaixos são instrumentos problemáticos e alguém teve a idéia de construir um contrabaixo elétrico, que, a bem dizer, é um contrabaixo de guitarra, não de violino. Entretanto, muita gente que tocava contrabaixo passou para o instrumento elétrico e, hoje, baixo normalmente significa o instrumento elétrico, nos meios não-clássicos. Nesse caso, cada vez mais, o instrumento tradicional se conhece por baixo acústico. Quer dizer, o nome do instrumento tradicional ganha um apêndice esclarecedor. O nome do instrumento mais moderno dispensa o qualificativo, por ser o mais comum.

O mesmo está acontecendo conosco, os tradutores. Quando inventaram aqueles programas que traduzem, eles se chamavam tradutores eletrônicos, tradutores automáticos, programas de tradução ou coisa que o valha. Atualmente, viraram tradutores, como indica a quantidade de pessoas que cai aqui no blog em busca de tradutores, mas não quer saber nem de mim nem de você, mas sim de um programinha porreta que dê conta de uma tradução na hora, com perfeição e, claro, grátis.

Logo, logo, assim como já há músicos dizendo que tocam baixo acústico, vamos nós dizer que somos tradutores humanos. Ainda bem que somos humanos, não é?

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Busdoor e quotaholder

Então, estava a turma reclamando da invasão americana. Isso, porque o barzinho tinha delivery e self-service. Por que não entrega em domicílio e auto-serviço? E logo veio alguém falando do tal busdoor, que sem ser português, também não é inglês, embora Oswald de Andrade provavelmente aplaudisse como exemplo de antropofagia. Aí, eu lembrei do tal do quotaholder, que é o ataque tupiniquim à língua inglesa.

Gozado como tantos tradutores brasileiros defendem essa gárgula lingüística com unhas e dentes. O número de pessoas que tentou me explicar a diferença entre ação e cota, como seu eu não soubesse, é enorme. Acham que, se temos duas palavras em português, havemos de ter duas em inglês. Mais ou menos como se, por termos salsicha e lingüiça, houvéssemos de ter em inglês sausage e linguosage, coisa assim.

Implico com o termo desde que comecei a traduzir, em 1970. Não está no Black's, nem em nenhum outro dicionário uma definição de quota que justificasse o tal do quotaholder. Quota existe em inglês, mas não significa cota no sentido de participação no capital social, mas sim no sentido de ração, limite quantitativo e, para quem não está acostumado com tupiniquinglish, quotaholder dá a impressão de que significa titular de uma cota/ração, mais ou menos como havia nos tempos de racionamento.

O argumento, entretanto, era imbatível: não há sociedades limitadas no direito anglo-americano e é importante usar um termo especial para indicar uma realidade totalmente brasileira. Jamais concordei. Achei que deveríamos proceder por analogia, mas, enfim, era uma coisa meio difícil de decidir.

Minha posição ganhou sustança com o advento das LLC - Limited Liability Companies, que são muito parecidas com as nossas Sociedades Limitadas, ambas inspiradas na GmbH alemã. Isso já é coisa do século passado, entenda. E os titulares de participações nessas sociedades são members, e os members são titulares de membership units ou até mesmo de shares, como neste documento da própria SEC, entre outros

Quando digo essas coisas, as reações dos colegas se dividem. Alguns concordam comigo, mas dizem continuar usando quotaholder, porque "os outros" não aceitariam a mudança. Ah, "os outros", essa conveniente legião de seres malignos, responsável por todos os erros deste mundo, cujos largos ombros tantas vezes carregam o peso de nossa própria inércia! Como se não fôssemos nós os outros dos outros! Outros colegas respondem com as duas mãos espalmadas, naquela posição clássica de orante, e respondem – Não, Danilo, mas pô!

E, pelo menos em São Paulo, mas pô! é o argumento final, irretorquível, aquele para o qual ninguém tem resposta.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Tradução é uma estiva

Tradução é uma estiva, acho que quem falou foi Ivan Lessa, no tempo da máquina de escrever – e era verdade. Podia ser fácil ou difícil, não importava. Tinha que bater aquilo tudo, letra após letra, página após página. Havia ainda os números, uma desgraça para nós, que traduzimos finanças. O corpo ficava moído: doía perna, doía braço, doíam costas, doía tudo. Além disso, sempre faltava um parágrafo no meio e a gente tinha que montar com tesoura e cola. Depois, era revisar, mexer e remexer, até ficar bom.

Dava dó, a sujeira que ficava. Precisava passar a limpo. Às vezes, quem passava a limpo era a secretária do cliente. Outras vezes uma datilógrafa autônoma. De um jeito ou de outro, tinha que revisar a datilografia e devolver para fazer as emendas. Um tempão para datilografar, um trabalhão para revisar, às vezes um dinheirão de datilografia – e o serviço era urgente.

Muito disso acabaria se eu usasse um micro. Por exemplo, poderia mexer e remexer enquanto traduzia. Depois era só imprimir. Nunca mais ia precisar passar a limpo. Eu sonhava com um micro, mas faltava dinheiro: computador era caro e impressora, caríssima.

Um dia, veio uma encomenda muito grande. Brincando, disse ao cliente que, no prazo que ele queria, nem com um computador: precisava de dois, um para mim, outro para minha mulher, que trabalha comigo. Depois, fui ficando tão entusiasmado, que ele acabou financiando as máquinas.

Fomos dos primeiros a usar computador e eu exibia orgulhoso os trabalhos feitos com MicroEngenho2 e Mônica. Hoje, quase todo tradutor tem micro e nós sonhamos trocar os 386 por 486 e a LaserJetIIIp por uma que imprima em cores – mas falta dinheiro. Não pagamos mais datilógrafa, mas o que gastamos de equipamento, programas e livros não é pouco.

O trabalho ficou melhor e mais fácil: é só digitar o texto, mexer e remexer sem dó, tirar os erros piores com o revisor ortográfico, imprimir, mandar ao cliente por fax, alterar o que ele pedir, imprimir de novo e entregar junto com o disquete.

Ficamos mais exigentes: antes, não tendo erros, chegava. Agora, passamos horas polindo estilos e diagramando balanços, até ficarem como queremos. O cliente também está mais exigente e acomodado: copia nosso trabalho diretamente em seu papel timbrado, para poupar custo e tempo. Por isso, pede para alterar a diagramação ou reimprimir meia dúzia de páginas porque quer mudar algum dado no original – e é urgente.

No fim do da, o corpo está moído, dói perna, dói braço, doem costas, dó tudo – e os olhos ardem. O micro mudou nossos métodos e nosso produto. Mas tradução ainda é uma estiva.

O texto acima foi escrito por mim e publicado pelo Estadão, no dia 2 de agosto de 1993, no Caderno de Informática, que então saía nas segundas feiras. Numa arrumação de papelada, topei com ele e achei que valia a pena reciclar aqui. Agora, 14 anos depois, não se manda mais serviço para aprovação via fax nem se entrega a forma final em disquete: vai tudo via Internet. Entretanto, no fim do da, o corpo está moído, dói perna, dói braço, doem costas, dó tudo – e os olhos ardem. O micro mudou nossos métodos e nosso produto. Mas tradução ainda é uma estiva.

sábado, 1 de dezembro de 2007

De estagiários e escraviários

O uso e abuso do trabalho de estagiárias apareceu em dois pontos de encontro virtuais que freqüento. A lei que permite contratar estagiários a um custo muito baixo facilitou a vida de muita gente, não só de quem precisava de um estágio de tradução para conseguir seu diploma.

Um estagiário não é simplesmente um tradutor "mais em conta". Um estagiário não é um tradutor. Entretanto, vemos empresas encarregando estagiários de tarefas que estão acima das capacidades de um estagiário e também da capacidade de um profissional experiente.

Algumas dessas empresas agem assim por ingenuidade. Muita gente subestima o trabalho de tradução e pensa que dar conta de 10.000 palavras por dia, cinco dias por semana – e sem erros, por favor é absolutamente normal. Ou que traduzir textos xls ou ppt é coisa simples, só escrever por cima. Ou que a podridão computatória que ninguém mais aceita usar é mais do que boa para uma estagiária que "só digita texto".

Outras empresas simplesmente não estão interessadas em saber. Exigem, forçam: o problema, para elas, limita-se a ter o serviço pronto no prazo e ao menor custo possível. O resto que se dane.

A maioria dos estagiários não tem formação profissional nem experiência bastantes para explicar ao empregador quando a missão é impossível ou o que é necessário para viabilização. Aceitam de boa fé e, à medida que se atolam, vão percebendo que não vai dar certo. Mas mesmo que tivessem a capacidade para avisar antecipadamente, a maioria dos empregadores não está interessada em ouvir a opinião de estagiários. E assim vamos.

Você não é obrigada a fazer milagres em geral nem muito menos o milagre particular de explicar o que mal sabe a quem não quer ouvir. Faça o que puder, faça como melhor puder, aprenda o que conseguir e vá embora com a consciência tranqüila, procurar serviço melhor.

Por outro lado, se você caiu numa empresa onde o pessoal agiu de boa fé, bom, é a hora de se desdobrar e botar as coisas nos eixos, pesquisar, perguntar, tentar resolver os problemas, na esperança que, terminado o malfadado estágio, você ganhe uma efetivação. Se não vier a efetivação, pelo menos você aprendeu e fez amigos.

O primeiro indício de que o estágio é só uma forma de conseguir serviço barato é a falta de um profissional da tradução para supervisionar. Estagiário, de qualquer área, tem que ser supervisionado por profissional experiente da mesma área. Veja, por exemplo, o caso dos médicos residentes: são diplomados, é fato, e, portanto, não são estagiários. Mas, mesmo assim, se submetem a ganhar pouco para trabalhar com profissionais mais experientes e aprender muito. É um excelente investimento. O mesmo deveria acontecer com os estagiários de tradução. Se você for estagiar numa empresa onde não há um só tradutor ou onde seu supervisor é um monoglota vindo de outra área, relaxe, respire fundo e encare: provavelmente lá vem bomba. Mas não se desacorçoe, porque o estágio acaba logo e você, de um modo ou de outro, vai aprender muita coisa.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Documento interessante sobre tradução de audiovisuais

O colega José Henrique Lamensdorf escreveu um texto interessante sobre tradução de vídeos que você pode baixar daqui. Um pdf maneiro, sem safadeza. Como ele se dedica ao assunto há anos, tem muito que nos ensinar. Recomendo.


Mensagem a quem quer se dedicar à tradução

Então, você quer ser profissional da tradução! Vamos começar dizendo que eu sou e gosto de ser. Não faço parte da ABC – Associação Brasileira dos Chorões, aquele bando de masoquistas que vive se lamentando do que faz, chora, chora, chora, quase se afoga nas próprias lágrimas, mas não muda de profissão de jeito nenhum. Gosto de traduzir e fico todo feliz de ver que faço o que gosto e, ainda por cima, sou pago. Ganho menos do que gostaria de ganhar, mas acho que isso acontece com todos: nunca vi quem dissesse que ganha o que merece. Entretanto, não passo fome. Aliás, estou bem gorducho.

Você – e praticamente todos os iniciantes – gostaria de ter a orientação dos profissionais mais calejados e isso é muito bom. Não quer dizer os veteranos sejam oráculos e donos da verdade. Para ser honesto, fizemos e fazemos muita bobagem e muito do que fizemos no início de carreira já não se aplica ao mundo de hoje. Uma das chaves do sucesso é usar seu espírito crítico para separar o joio do trigo na avalanche de informações que vai receber.

Muita gente me escreve pedindo ou o meu Messenger para trocar idéias ou "umas dicas". Fico todo orgulhoso com esses pedidos, mas não posso atender. Se eu der meu Messenger para você, vou ter de dar para todos e vou ficar "trocando idéias" o dia todo, agora com você, daqui a pouco com outro, logo com mais outro. Além de manter este blog, que procuro rechear de informações para principiantes, participo ativamente de diversas listas de tradutores e desta comunidade do Orkut, escrevo artigos para o Translation Journal faço palestras grátis para a Editora SBS e ainda, nas horas vagas, faço um que outro dicionário. Sabendo-se que tenho clientes a atender e uma família para sustentar (e talvez mais compromissos e problemas do que você possa pensar), imagine como anda o meu tempo. Então fico muito triste quando reclamam da minha má vontade porque não informo o Messenger.

Outro dia, me telefonou alguém que eu nem conheço, fazendo mil perguntas para as quais há respostas aqui no blog. Mas a pessoa que ligou não tinha tempo de pesquisar no blog nem em qualquer outro lugar, queria ali, tudo, de novo, especial para ela. Não tinha tempo para pesquisar, era uma pessoa ocupada. Acreditava, entretanto, que eu tinha tempo para mais uma vez dizer, especialmente para ela, o que eu já tinha dito e redito em outros lugares, que eu não era uma pessoa ocupada. Ficou zangada comigo e me mandou um e-mail sarcástico do tipo peço humilde perdão por ter desperdiçado seu precioso tempo. Fazer o quê?

O pedido de "dicas" escritas parece ser mais fácil de atender. Recebo pelo menos dois ou três por semana e poderia escrever uma mensagem de vinte linhas com a "receita do bolo" o "caminho das pedras" e o "pulo do gato" e simplesmente colar na resposta. Acontece que não é possível escrever essa mensagem ou, se é, está acima das minhas forças. Há mil caminhos para a profissionalização, mil possibilidades. Não tenho como resumir em vinte linhas o caminho que é bom para você. Provavelmente, nem sei. O caminho que é bom para você depende muito de sua personalidade, possibilidades, meios, objetivos e um sem-número de fatores que somente uma longa e aprofundada avaliação poderia revelar. Uma avaliação que não posso fazer.

Mas nem tudo está perdido: lá em cima destá página, tem uma caixinha chamada pesquisar blog. Escreva lá principiantes e vão aparecer todos os artigos que escrevi tendo com foco nos principiante. Muita coisa vai servir para você. Tente também iniciantes, currículo, preços. Uma das qualidades mais importantes para o sucesso como tradutor é a paciência e capacidade para pesquisar e buscar informações.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Nunca vi isso na minha vida!

Ontem comentei que, de vez em quando meus relatórios financeiros habituais contêm trechos sobre outras áreas. Outro dia, me apareceu um texto de umas cinco mil palavras sobre uma área que, para mim, era totalmente desconhecida. Vamos dizer, só para exemplificar, que estava traduzindo um texto sobre aspectos econômicos da fabricação de rebimbocas. Não era, mas fica mais fácil quando se dá nome aos bois, ainda que um nome fictício.

Acho que nove entre dez pessoas começaria a tarefa procurando um glossário sobre rebimbocas, na Internet e entre os colegas. Tenho muito medo de glossários bilíngües e, embora tenha montes deles em casa, uso com muita parcimônia, não importa de onde tenham vindo.

Quando me aparece algo assim, meu primeiro passo é procurar, na Internet, uma meia dúzia de artigos sobre o assunto, na língua de chegada. Quer dizer, se eu estiver traduzindo para o português, procuro material sobre o assunto em português. Se estiver traduzindo para o inglês, procuro material em inglês. Dou uma lida, assim, meio que por cima, para assimilar o balanço. Em alguns casos, copio trechos dos textos para o Word e marco em amarelo os termos que me parecem interessantes.

Só vale a pena examinar textos escritos por nativos. Quer dizer nem olho textos que tenham sido traduzidos ou escritos por estrangeiros. Um texto sobre rebimbocas escrito em inglês na Malásia deve ser descartado, por mais que alguém nos diga que na Malásia todos falam excelente inglês desde bem pequeninhos. Da mesma forma, um texto em inglês encontrado no site da ABRA – Associação Brasileira das Rebimbocas Automáticas é, na melhor das hipóteses, suspeito. A ABRA pode entender muito de rebimbocas, mas isso não quer dizer que entenda de tradução. Eu, de rebimbocas não entendo nada, mas entendo um tanto de terminologia financeira, tributária e de direito societário e posso dizer que os sites em inglês de nossos bancos e da CVM são uma tragédia. Daí, deduzo que o site da ABRA talvez não seja grande coisa.

Com um pouco de boa vontade, a gente encontra um texto na língua de chegada sobre o mesmo assunto que estamos traduzindo e com praticamente todos os termos de que precisamos. Durante a tradução, você vai ter a satisfação de ir lembrando dos termos que encontrou no texto de pesquisa – e são termos confiáveis, porque vêm de um texto autêntico. Se você estiver traduzindo para uma língua estrangeira, um texto desses também vai te dar grandes sugestões estilísticas.

Quem sabe amanhã me vejo com jeito de falar de glossários. Por hoje, chega.

domingo, 25 de novembro de 2007

Etapas da tradução

Muitas das idéias para este blog começam nesta comunidade simpática do Orkut. Está lá rolando uma conversa interessante sobre as etapas da tradução. A conversa é entre tradutores, gente que tem calo no dedo de tanto digitar.

Quase todos usam ferramentas de memória de tradução. Uma boa parte usa Wordfast, alguns usam Trados, um pequeno grupo está se enfronhando no MemoQ2, que ainda é novidade e ainda está um pouco cru, mas parece que vai ser um grande programa. Quem traduz livro, está, inclusive, digitalizando o texto para poder usar essas ferramentas. Bom para eles.

O processo de traduzir tem de ser eficaz e eficiente. Quer dizer, tem que alcançar o efeito desejado com a maior economia de meios possível. Temos de apresentar a melhor tradução possível dentro do prazo que temos e esse prazo é sempre menor do que queremos. Por outro lado, se não tivéssemos prazo, a tendência seria ruminar cada parágrafo séculos. Quer dizer, até os prazos apertados têm lá sua utilidade. Além disso – e não é bom esquecer – tradução é meio de vida e, independentemente de prazo que os clientes nos dêem, temos que traduzir tanto por mês para sobreviver. Então é fazer o melhor possível, no menor tempo possível. Exige muito de nossa capacidade.

A primeira fase do trabalho depende do assunto. Pode ser coisa que eu conheça bem, como finanças, ou coisa que eu não conheça. É raro, nos dias de hoje, aceitar algo fora da minha área, mas relatórios financeiros muitas vezes tratam de assuntos que eu mal conheço. Outro dia, por exemplo, peguei um que tinha páginas e páginas sobre mineração. Espero poder escrever outro dia sobre o que fazer quando não se conhece o assunto. Mas hoje, o foco é na tradução, propriamente dita.

Parece que a maioria dos veteranos, inclusive eu, usa um sistema de três etapas. Tradução, cotejo e leitura sem cotejo. Traduzir é sempre a primeira etapa, mas a ordem das outras duas varia. Alguns, como eu, preferem primeiro cotejar a tradução com o original, para ver se dizem a mesma coisa, se houve alguma distorção evitável, e, por fim, uma vez satisfeito de que original e tradução dizem a mesma coisa, lêem a tradução sem cotejo, para ver se flui bem ou se há ainda contaminação da língua de partida. Outros preferem inverter: ao terminar a tradução, lêem sem cotejar, para eliminar as contaminações e, por fim, cotejam para ter certeza de que as alterações introduzidas na leitura sem cotejo não distorceram a tradução.

Embora eu coteje primeiro, não tenho certeza de ser essa a melhor solução. Mas tenho certeza de que as três etapas são necessárias.

Dependendo do caso, pode haver ainda uma leitura de provas de impressão.

Além disso, cada vez mais capricho na primeira fase. Houve época em que eu traduzia de qualquer jeito e acertava na revisão. Com o tempo, mudei. Agora, traduzo com todo o cuidado, para minimizar a revisão. Faço de conta que nem eu nem mais ninguém vai revisar meu trabalho. Não é verdade, porque todos os meus trabalhos são revistos por mim ou pela minha mulher e, muitos deles, ainda por um revisor externo, mas é uma ficção que, ao que me parece, está sendo útil.

sábado, 24 de novembro de 2007

O que é tradução técnica?

Outro dia, me convidaram para ir à USP falar sobre tradução técnica. Para falar sobre tradução literária, havia a Lenita Esteves, que eu não conhecia pessoalmente, e que teve a gentileza de me dar uma carona até o metrô, o que nos deu uma bela chance para conversas tradutórias em geral. Para quem não sabe, não tenho carro nem sei dirigir.

Aceitei o convite da USP, até para me dar ao trabalho de me perguntar o que raio possa ser a tal tradução técnica, de que tanto se fala. Houve um tempo em que eu tinha certeza de que havia dois tipos de tradução, literária e técnica e também tinha certeza de saber as diferenças entre as duas. Hoje, só sei que nada sei e, mesmo sobre isso, tenho lá minhas (crescentes) dúvidas.

Vamos começar pelo princípio. Se você perguntasse à Lenita, antes de nosso encontro na USP, ela provavelmente diria que eu sou tradutor técnico. Não sei se hoje diria a mesma coisa.

Um tradutor especializado na área de engenharia, entretanto, diria que eu não sou tradutor técnico: sou tradutor financeiro. A turma que faz medicina, por outro lado, talvez até diga que eu sou técnico, mas vai relutar em aceitar ser chamada de tradutores técnicos: são tradutores de medicina, outra conversa, outro departamento. Os especializados em direito, evidentemente, se entendem por tradutores jurídicos – se alguém disser que é tradutor legal, tome cuidado: não há de ser um tradutor legal.

Depois, tem a turma que traduz ciências humanas, coisas como história, filosofia, sociologia. Ou religião. Conheço poucas áreas mais técnicas que filosofia e religião. E a turma do dubla-e-legenda. E a turma dos jornais. Deus sabe mais o quê. Não é fácil fazer uma taxonomia da tradução.

Mas, concordo, há uma diferença entre traduzir as coisas que eu traduzo e O senhor dos anéis. Não, erro: não uma, mas muitas. Entretanto, as diferenças são mais sutis do que parecem, são todas de grau e afetam cada área da tradução dita técnica em grau diferente.

Em outras palavras, não conheço processo, cuidado ou problema que seja exclusivo da tradução literária ou do que quer que seja tradução técnica. Conheço aspectos que são mais relevantes em um ou outro tipo. O tradutor literário tem mais problemas de estilo que a maioria dos tradutores técnicos, mas também é verdade que todo tradutor técnico consciente do que faz enfrenta problemas de estilo. E, muitas vezes, me pergunto o que é mais difícil: encarar um James Joyce, num de seus piores dias, ou um documento em inglês montado por um grupo de japoneses com pedacinhos de textos achados cá e lá, incluindo coisas escritas por finlandeses e eslobóvios. Ou mesmo um documento que eu traduzi, há muitos anos, escrito por um alemão, que, como tantos outros de seu povo, achava que a sintaxe inglesa precisava de uma melhorada. O documento começava assim: When the by you examined balance sheet by us received is…

Ainda volto a este assunto. Por hoje é só.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Confidencialidade

O cliente me pediu para assinar um contrato de confidencialidade, que também se chama contrato de preservação de segredos comerciais. Li, era o mesmo de sempre, assinei sem problema. Só dizia que eu não ia contar nada do que traduzia para ninguém, nem sequer ia contar que estava traduzido para esse cliente.

Mas é desnecessário, quando o tradutor tem um mínimo de profissionalismo: tudo aquilo que você traduz é confidencial. Interessante como tantos tradutores não se dão conta disso. Principalmente nos fóruns de tradutores na Internet, fala-se o que ninguém deveria dizer. O sujeito diz estou traduzindo um manual de tal e tal coisa para a empresa Alfa e .... A informação de que a Alfa tem um manual de tal e tal coisa e que está sendo traduzido no Brasil pode ser preciosa para os concorrentes. Muitas empresas têm quem junte esses fragmentos de informações e, do resultado, tire conclusões muito interessantes. A informação de que a empresa Alfa mandou traduzir o manual da sua Superrebimboca para o inglês, então, pode contar uma história extraordinariamente interessante para sua concorrente mais próxima a Empresa Beta.

Imagine que você diga Estou traduzindo, para o McDonalds, um manual de preparação de pizzas. É um prato cheio para a concorrência. Então, o McDonalds está pensando em fazer pizza no Brasil! E lá se vai o segredo por água abaixo. Temos um colega que perdeu um bom serviço por causa de uma coisa dessas. Botou no ProZ uma pergunta que deixava claro demais o que ele fazia – e era um negócio altamente confidencial. Outro membro da equipe leu e deu o alarma e o sujeito perdeu o cliente.

Muitas vezes, só mencionar o nome do cliente já é errado. Se você traduz material técnico para a Petrobras e disser isso, provavelmente pouco se perde: todo mundo sabe que a Petrobras traduz material técnico. Mas se a empresa tem pouca ou nenhuma presença no Brasil, a simples informação de que você está com um contrato deles para traduzir já pode causar danos irreparáveis ao cliente.

Por outro lado, se você foi tradutor da Metalúrgica Alfa e está fazendo um teste na Metalúrgica Beta, vão te perguntar o que você traduzia na Alfa e talvez até te pedir uma amostra de serviço. De jeito nenhum. Aceite fazer um teste, mas o que Alfa pagou para você traduzir, Beta não pode ler. Muita ingenuidade, também, pensar que, contando os segredos de Alfa, vai conseguir emprego em Beta: ninguém confia em tradutor língua língua-de-trapo.

Então, a regra é bico calado. Salvo se você for chamada para depor em juízo. Aí, a coisa muda de figura: nem de longe se arrisque a perjúrio, mesmo que o cliente diga que não vai te acontecer nada. Para juiz, não se mente, de juiz não se oculta a verdade e ponto final. E procure seu próprio advogado: não confie no do cliente. Lá pelas tantas, você pode se encontrar em uma situação em que se disser a verdade pode contrariar os interesses do cliente e o advogado do cliente, nessa hora, não vai proteger os teus interesses.

Mas há casos especiais, muito especiais em que a quebra de sigilo espontânea se faz necessária, talvez indispensável. Mas o que constitui um caso especial, o que constitui aquela situação em que o tradutor diz: meu São Jerônimo, a Polícia Federal tem que saber disso! São casos raros, muito raros, e são sempre questões de foro íntimo do tradutor. Não posso, eu, daqui do meu canto, dizer em que casos você deve pegar o telefone e ligar para as autoridades. Sequer posso contar um caso dos meus, porque nunca aconteceu comigo. Já me ofereceram pagamento para revelar segredos de clientes, mas isso fica totalmente fora de cogitação, em qualquer situação.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Propaganda enganosa?

Clique aqui. À primeira vista, parece inofensivo, até instrutivo. Procure, no alto, a bandeira do Brasil e cliquem em "português". Português do Brasil, certo? Algumas coisas esquisitas, como "Pode um Tradutor Público Juramentado fazer uma tradução simples?". Acho mais sensato "O Tradutor Público Juramentado pode fazer traduções simples?" – mas há quem goste de traduzir desse jeito e, a rigor, está correto.

Agora, vá descendo e veja ¿O que é uma Tradução Pública Juramentada? Um ponto de interrogação de cabeça para baixo. Isso se usa em português? Bom, pode ser deslize, isso acontece. Mas, em seguida, vem As traduções jurídicas ou traduções públicas juramentadas são diferentes às traduções simples. Como? diferentes às? Mais um deslize? Que raio de empresa de tradução é essa que bota umas bobagens como essa no seu site? E, por que traduções jurídicas ou traduções públicas juramentadas? Nem toda tradução jurídica é pública e juramentada e o oposto é igualmente verdade. Há toneladas de traduções juramentadas que, de jurídico, têm muito pouco. Cuja assinatura testemunham? Isso é lá concordância que se use? Responsáveis legalmente e penalmente de seu trabalho? Quem diabo escreveu isso? Quem diabo diz que isso é a minha língua?

O tradutor juramentado possui título universitário (a carreira dura 5 anos), com diferentes especialidades. Que loucura é essa? Mas foi esse trecho que me chamou a atenção para a verdade: um pouco mais de pesquisa cá e lá, me levou à conclusão de que a empresa é espanhola.

Nada contra as empresas espanholas. Nem há nada de errado em alguém, digamos, na Espanha, encarregar uma empresa espanhola de fazer uma tradução juramentada para o português. Espero que não tenha sido o incompetente que traduziu o site, mas isso é outra coisa. Porém – e é um grande porém – uma tradução juramentada só tem valor no Brasil se for feita por Tradutor Público e Intérprete Comercial (TPIC) concursado pela junta comercial do estado em que residir e que resida no estado onde foi concursado. Essa é a lei. Não fui eu quem ditou a lei nem me beneficio dela, já que não sou TPIC. Mas é a lei.

A lei brasileira não diz que você não pode pedir a uma empresa espanhola que te arranje uma tradução juramentada. Talvez você more na Espanha, precise apresentar uma tradução no Brasil, não tenha como, e procure a empresa espanhola, que mandaria o documento para o Brasil, encarregaria um TPIC brasileiro de traduzir o texto e entregaria a tradução feitinha para você na Espanha. Parece esquisito, mas pode ser verdade. Não sei como fica a questão de custo, nesse caso, mas não parece ser problema dos maiores.

Mas eles não estão descrevendo o processo de nomeação dos TPICs brasileiros e sim uma formação totalmente alheia à nossa. Então, ainda que mal pergunte, quem faz as traduções juramentadas para o português, para essa empresa? Tradutores espanhóis? Espero que saibam mais português do que o infeliz que traduziu o site, que está uma vergonha.

Mas mesmo que fossem traduções absolutamente brilhantes, não teriam a mais remota validade aqui, salvo se fossem feitas por TPIC concursado pela JUC de seu Estado e nomeado pelo Governador do Estado. Repetindo: mesmo que as traduções sejam feitas por um superarquirrequetecontra doutor em tradutologia portuguesa avançada pela Universidade de Salamanca, se não for também TPIC, não vale um tostão furado.

E, talvez por mero esquecimento, claro, a empresa se esqueceu de dizer isso no site. Que pena! Ou, talvez, deva dizer ¡Que pena!

Bom, alguém poderia dizer, e se quiserem tradução juramentada para o português do Brasil para apresentação em outro país? Quem quiser, que acredite.



domingo, 18 de novembro de 2007

O rei da Espanha e o presidente da Venezuela

Então, foi assim: de repente, o rei da Espanha volta-se para o presidente da Venezuela e pergunta – Por qué no te callas?

Nosso problema, aqui, é como traduzir isso para o português do Brasil. Em Portugal talvez tenham traduzido como Por que não te calas? Não cai bem no Brasil, mesmo nas regiões onde o tu é comum, como no Rio Grande do Sul. Não soa natural. É correta. Mas nem tudo o que é correto é natural. Pode ter sido natural numa época mais antiga e não duvido que algum bom gaúcho me venha com uma frase de algum personagem histórico, que tenha dito Por que não te calas? Mas, nos dias de hoje, não é correntio, ao passo que a fala do rei é perfeitamente natural em espanhol atual. Deve ser pronunciada milhares de vezes por dia na Espanha e fora dela, por gente de todas as classes sociais. A tradução em português do Brasil deve ser natural no português de hoje também.

Pelo menos é assim que penso: natural em L1 deve dar natural em L2. Há exceções, sim, como para tudo. Uma delas é a situação paratradutória em que o objetivo é explicar como funciona a sintaxe de uma outra língua, caso em que, por exemplo, é lícito traduzir Ich habe einen neuen Pc gekauft por eu tenho um novo PC comprado. Fora disso, natural eu traduzo por natural e a frase deveria ser comprei um PC novo e acabou a história.

A forma interrogativa aí é um artifício retórico. A frase é uma expressão de irritação, não uma pergunta. Muitas vezes, esse tipo de observação vem seguido de um termo insultuoso qualquer: por qué no te callas, ___? (preencha com seu termo insultuoso predileto em espanhol). Mas não veio e, portanto, por mais que você ache que o presidente merecesse a adição insultuosa, não nos cabe agregar. Cabe-nos traduzir o que foi dito, o real, não o potencial.

Quer dizer, não nos cabe retocar o que o rei disse: somos tradutores, não retocadores do discurso alheio, e isso nos deve bastar: sapateiro não deve subir acima do sapato. Retocaria se fosse um mero deslize irrelevante, mas o uso da segunda pessoa do singular não foi um deslize nem muito menos foi irrelevante. Para mim, o te é tão importante quanto o callas.

Numa situação informal é até pensável que o rei da Espanha tratasse o presidente da Venezuela por e recebesse o mesmo tratamento como forma demonstração de afeto. Mas, numa situação formal, não é a regra. E a entonação do rei deixa claro que não é um modo brincalhão de quebrar o protocolo. O rei tratou o presidente como inferior. E esse tratamento de cima para baixo deve ser refletido na tradução.

O rei andou bem em usar o te callas? Deveria ter ele se mantido calado em vez de protestar contra a fala do presidente? Deveria ter agregado um termo insultuoso? Como cidadão e homem interessado em política, a questão me fascina. Como tradutor, não posso me deter nela. Nem me cabe traduzir a frase dentro do estilo que, na minha opinião, deveria caber numa reunião daquelas.

Tenho que dar ao meu leitor a tradução que lhe permita tirar suas próprias conclusões. Essa é minha obrigação profissional, é para isso que me pagam e não posso colocar minha ideologia acima dela.

Alguns jornais traduziram a frase como Por que não se cala?, omitindo o pronome. A frase fica correta, perfeitamente correta – e pode ser interpretada corretamente, já que o sujeito, que ficou implícito, de acordo com a gramática portuguesa, dado o verbo na terceira pessoa, pode ser tu, o senhor, Vossa Excelência ou até Vossa Santidade, entre mil outras coisas.

Mas aí é que bate o ponto. A frase espanhola não deixa margem a dúvida: o único sujeito possível é tu e o por que não se cala permite vários sujeitos. Não nos cabe criar uma ambigüidade perfeitamente evitável em português quando em espanhol não há nenhuma.

Creio que, neste caso, é essencial deixar o pronome do caso reto explícito em português. E, salvo no caso de uma tradução regionalista, me parece essencial usar você: por que você não se cala?

Entretanto, nem a frase acima me parece boa. É forçada em português. Haverá quem use, mas não é normal. Para mim, o que o rei disse, em bom português brasileiro, é por que você não cala a boca?

Cabe a nós, tradutores, suavizar a frase dura, porque, no fim das contas, uma frase dessas pode dar origem a um incidente diplomático? Não creio que tenhamos esse direito. Quem lê nossa tradução tem o direito de saber o que foi dito – é para isso que nos pagam. Além disso, foi transmitido ao vivo, está no Orkut, não viu quem não quis. Quer dizer, é bom não nos aventurarmos a salvadores do universo, quando o máximo que podemos fazer é tapar o sol com uma peneira.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

IVANHOÉ PARA DENISE

Denise, diz para o homem me escrever, que eu faço uma triangulação com o Saulo e muito obrigado.

Versão completa de Wordfast e Trados

Alguém me escreve perguntando se eu sei de onde se baixam versões completas de Trados e Wordfast. Não tenho certeza de ter entendido a pergunta. Se você quer versões pirateadas, não adianta perguntar para mim.

Se seu interesse é por versões legítimas, na área de links, aqui do lado do texto, tem links para os dois.

Daqui a uns dias, vou falar de MemoQ2.

Definição de lauda

O que á uma lauda? Já escrevi sobre laudas aqui, mas noto que o artigo merece uma complementação. Não existe uma única definição oficial de lauda: existem várias, o que significa que nenhuma é oficial de verdade. As Juntas Comerciais tem uma, o SINTRA tem outra, as editoras têm cada uma a sua, os jornais, revistas, cada um tem lá a sua.

Isso cria um problema: se Alfa e Beta dizem que seu preço é R$ 10,00 por lauda, mas a lauda de Alfa é maior que a de Beta, então, o preço de Alfa é menor.

Por isso, se você está procurando orçamentos para tradução, é bom saber o que cada um dos interessados chama "lauda". Melhor ainda é nem falar em lauda e pedir cotações por palavra do original. Assim, quando o serviço vai para o tradutor você já sabe quando vai pagar.

Por outro lado, se você for tradutor e o cliente quiser uma cotação por lauda, manda o bom-senso que você pergunte como o cliente define lauda. Costuma ser complicado, porque muitos clientes acham que lauda é lauda e acabou a história. E tem gente que acha absurdo que alguém defina lauda de um modo diferente do deles. Precisa ir com jeitinho. Também é bom ir explicando ao cliente essa coisa toda, porque pode ter alguém cotando com uma lauda menor que a sua e, portanto, com um preço que parece menor do que é. Às vezes, o contato no cliente é alguém que não sabe o que é lauda, não sabe o que é tradução, não quer saber e tem raiva de quem sabe. Mandaram perguntar quanto era a lauda, ele está perguntando e, se você não responder rapidinho, vai perguntar para quem responda, que este mundo está cheio de tradutores dispostos a trabalhar sem criar caso.

Uma boa saída, é você responder o que te perguntam e manda uma mensagem para o contato, com sua definição de lauda. Nessas horas, eu defino a minha lauda bem pequenininha, para não dar chance a alguém cobrar mais fingindo que cobra menos. Mas lembre-se: o cliente tem direito a saber o que está pagando e a contagem de laudas tem de estar rigorosamente de acordo com a definição.

É por essas e por outras que eu cobro por palavra do original. Uma vez que se livre do vício da lauda, você vai perceber que é mais fácil tanto para o tradutor como para o cliente.

Definição de lauda

O que á uma lauda? Já escrevi sobre laudas aqui, mas noto que o artigo merece uma complementação. Não existe uma única definição oficial de lauda: existem várias, o que significa que nenhuma é oficial de verdade. As Juntas Comerciais tem uma, o SINTRA tem outra, as editoras têm cada uma a sua, os jornais, revistas, cada um tem lá a sua.

Isso cria um problema: se Alfa e Beta dizem que seu preço é R$ 10,00 por lauda, mas a lauda de Alfa é maior que a de Beta, então, o preço de Alfa é menor.

Por isso, se você está procurando orçamentos para tradução, é bom saber o que cada um dos interessados chama "lauda". Melhor ainda é nem falar em lauda e pedir cotações por palavra do original. Assim, quando o serviço vai para o tradutor você já sabe quando vai pagar.

Por outro lado, se você for tradutor e o cliente quiser uma cotação por lauda, manda o bom-senso que você pergunte como o cliente define lauda. Costuma ser complicado, porque muitos clientes acham que lauda é lauda e acabou a história. E tem gente que acha absurdo que alguém defina lauda de um modo diferente do deles. Precisa ir com jeitinho. Também é bom ir explicando ao cliente essa coisa toda, porque pode ter alguém cotando com uma lauda menor que a sua e, portanto, com um preço que parece menor do que é. Às vezes, o contato no cliente é alguém que não sabe o que é lauda, não sabe o que é tradução, não quer saber e tem raiva de quem sabe. Mandaram perguntar quanto era a lauda, ele está perguntando e, se você não responder rapidinho, vai perguntar para quem responda, que este mundo está cheio de tradutores dispostos a trabalhar sem criar caso.

Uma boa saída, é você responder o que te perguntam e manda uma mensagem para o contato, com sua definição de lauda. Nessas horas, eu defino a minha lauda bem pequenininha, para não dar chance a alguém cobrar mais fingindo que cobra menos. Mas lembre-se: o cliente tem direito a saber o que está pagando e a contagem de laudas tem de estar rigorosamente de acordo com a definição.

É por essas e por outras que eu cobro por palavra do original. Uma vez que se livre do vício da lauda, você vai perceber que é mais fácil tanto para o tradutor como para o cliente.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

tradutor bom para pdf sem erros

Mais de metade das pessoas que chegam a este blog estão procurando um tradutor que não seja uma pessoa, mas sim um programa; que traduza sem erros e, muitas, um programa que traduza pdf.

Logo de cara vou dizendo que isso não existe e que, se existisse, eu já teria perdido o trabalho e este blog teria se tornado inútil. Há anos que estou ouvindo a história de que está para sair um programa de tradução automática que vai acabar com a raça dos tradutores de uma vez por todas, que em algum lugar existe um programa milagroso que traduz tudo direitinho, bonitinho. Esse programa não existe.

Dizem que o governo americano tem um programa santificado que traduz bacaninha. Pergunto: se tivesse, publicariam isto? É para Portugal, tudo bem, mas note que não há uma tradução que faça sentido quando o original tem mais de três palavras. Vejam Cessation Following Trial Work Period (TWP) > A Cessação Segue Período de Trabalho de Trilha (CSPTT), por exemplo. Você sabe o que é "a cessação segue período de trabalho de trilha"?

Esse é um defeito clássico dos programas de tradução automática: quando acertam, é só em minifrases. Quanto mais longa frase, mais eles se embananam. Para

Italy again awoke to familiar headlines of football violence Monday after supporters rioted in Rome and elsewhere in the country following the accidental fatal shooting of a fan by police,

trecho de uma nota da CNN, o Babelfish me deu

Italy acordou outra vez para headlines familiares da violência segunda-feira do football depois que os supporters se amotinaram em Roma e em outra parte no país que segue disparar fatal acidental de um ventilador por polícias.

Imagine a polícia disparando ventiladores. Se fosse um texto jurídico, com períodos quilométricos, então, pode esquecer.

Outra deficiência dos programas tradutores é a incapacidade de lidar com erros. Se o seu texto tiver só frases bem curtas e sem erros, ainda talvez se entenda alguma coisa da tradução. Se o texto tiver erros, pode esquecer.

Mas há programas tradutores melhores e piores. Os melhores, como os usados, digamos pela Comunidade Européia, fazem menos bobagem. Entretanto, trabalham com linguagem controlada. Linguagem controlada é um conceito muito interessante: é uma linguagem que se submete a certas restrições de vocabulário e sintaxe, que resultam em um texto que o programa entende. Quando os textos precisam ser traduzidos para diversas línguas, pode ser uma vantagem.

Funciona assim: o autor escreve como melhor pode e um especialista "traduz" para linguagem controlada; o programa depois traduz para as diversas outras línguas e até que sai uma coisa razoável – embora não dispense um bom revisor que entenda das coisas. Só vale a pena, evidentemente, quando se vai traduzir para várias línguas, porque, se for para uma só, em vez de traduzir par "linguagem controlada", já traduz para a outra língua de uma vez.

Mas esses programas não estão disponíveis gratuitamente em lugar algum. São caros, muito caros, na casa das dezenas de milhares de dólares e, ao que eu saiba, não há versões pirateadas. Quer dizer, se você conseguiu um texto maneiro que resolve todo o seu problema daquele trabalho de física, só que está em inglês, perca as esperanças.

Se está tentando também ver se pinta um clima com aquela gatíssima australiana, tome cuidado: usar um desses programas é como aparecer na casa dela para irem para balada juntos com ranho escorrendo da sua narina esquerda.

As coisas mudam, evidentemente, e a informática anda rápido. Pode ser que amanhã apareça um programaço grátis que dê conta de qualquer tradução com esmero e perfeição. Mas isso é amanhã.

Mas também é fato de que muita gente que se diz tradutora escreve bobagens únicas. Um bom tradutor, lamentavelmente, custa caro. Não que ganhe muito, porque traduzir bem dá um trabalho danado. Mas isso é outra conversa.

domingo, 11 de novembro de 2007

tradutor público, tradutor juramentado

Onde encontrar um tradutor juramentado

Este artigo foi escrito para as centenas de pessoas que procuram um tradutor público e caem neste Blog por engano.

O nome oficial do que o povo chama "tradutor juramentado" ou "tradutor oficial" é tradutor público e intérprete comercial, abreviado TPIC.

Juramentada é a tradução, não o tradutor. O TPIC não pode traduzir cópias nem e-mails: precisa do original, mesmo. Isso significa que, muitas vezes, a melhor escolha é o TPIC que fica mais perto da sua casa. Os preços são tabelados e, a rigor, todos os TPICs do mesmo estado devem cobrar as mesmas taxas. Há quem cobre fora da tabela oficial, o que é ilegal, mas, de qualquer modo, raramente vale a pena ficar telefonando para meio mundo para ver quem cobra menos.

Para ser TPIC é necessário prestar um concurso promovido pela Junta Comercial do Estado em que reside o interessado. O concurso é promovido de raro em raro: em São Paulo, o intervalo médio excede 20 anos. Fora de SP, é mais raro ainda. O TPIC não recebe nada do Estado: vive do que cobra dos interessados em obter traduções juramentadas.

Cada TPIC traduz um ou mais línguas. Quer dizer, o profissional pode ser TPIC para a língua russa, mas não para a inglesa, por exemplo, caso em que mandar para ele um documento em inglês é inútil, porque, mesmo que ele entenda o que está escrito, não pode fazer uma tradução juramentada do texto. Entretanto, se você perguntar a um TPIC de qualquer língua onde se encontra um que uma outra, é bem possível que ele tenha uma sugestão inteligente.

A Junta Comercial de cada estado tem uma lista de todos os TPICs do estado, geralmente em seu site na Internet. É só abrir e escolher. Ou telefonar, perguntando. Talvez no seu estado não exista TPIC para a língua que você quer, caso em que você pode e deve procurar nos outros estados. Mesmo assim, pode não dar certo. Não há TPICs para todas as línguas. Por exemplo, não existe TPIC para sueco, no Brasil. Nesses casos, recorra ao consulado do país em questão, neste caso a Suécia, que eles te explicam como proceder.

Tenha em mente que a tradução juramentada é exigida para todo documento em língua estrangeira a ser apresentado a uma autoridade no Brasil. Quer dizer, se você estudou na Argentina e quer apresentar o diploma a uma universidade brasileira, por mais que o texto do diploma possa parecer óbvio, deve ser acompanhado de tradução juramentada.

A legislação é diferente em outros países e, embora a lei brasileira credencie os nossos TPICs para fazer "versão", quer dizer, traduzir para uma língua estrangeira, não é certo que essa tradução seja necessária ou válida onde vão usar o documento. Quer dizer, se você quer se matricular numa universidade canadense, por exemplo, em vez de meramente mandar a documentação para um TPC no Brasil, deve começar se informando lá, com a universidade escolhida, sobre o que eles querem, em que língua querem e como querem traduzido.

Para obter mais informações sobre TPICs e suas características escreva TPIC ali em cima, onde diz "pesquisar no blog". Finalmente, eu não sou TPIC nem trabalho em escritórios de TPICs nem tenho nada que ver com a promoção de concursos para TPIC, com as tabelas da JUCESP ou com a regulamentação dessa ou de qualquer outra profissão.

sábado, 10 de novembro de 2007

O comentário quase perdido

Rafael de Sá Cavalcanti deixou um comentário sobre "Agência pede serviço grátis". Lamentavelmente, cliquei no lugar errado e, em vez de publicar o comentário, recusei. Como o texto me vem por inteiro em um e-mail, dá para recuperar e postar de novo, agora em forma de artigo, e como os meus comentários. Vamos lá, Rafael.

Sr. Danilo, uma pequena correção: a Cláudia, no trecho citado que você colou no post, fala em 1.500 caracteres, não palavras. 1.500 caracteres não é tanto, concorda? Não chega a 2 laudas, seja com ou sem caracteres, e de acordo com a maioria dos critérios utilizados para definir uma lauda de tradução.

Prefiro não ser chamado "senhor", mas isso é preferência de cada um. Sua correção procede e eu agradeço qualquer correção que me fizerem. O problema fundamental, entretanto, não é a quantidade de tradução grátis solicitada, mas sim a própria solicitação. Uma empresa não pede serviço grátis a um fornecedor potencial. Nem muito, nem pouco. E a promoção dos serviços da empresa deve ser por conta e risco da empresa. Quer dizer, não cabe a mim trabalhar de graça pela maior glória da empresa alheia. E, como você, diz, Rafael, é muito pouco. Quase nada. Uma empresa que alega não ter posses para pagar por um serviço tão pequeno ou é muito mesquinha, ou não tem capital para se pôr em pé.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Agência pede serviço grátis

E esta, é a última das perguntas da Claudia.

Também não faz muito tempo outra agência me procurou para saber se ela poderia contar comigo para as traduções. Respondi que sim. Até aí, tudo bem. A agência começou dizendo que era nova no mercado e que no inicio eu faria as traduções sem um contrato ou qualquer papel escrito e que também ela daria de presente 1.500 caracteres para atrair clientes, que essa prática era comum e que se eu pretendia cobrar esses 1.500 caracteres pois a agência não queria arcar sozinha com essa "promoção". Não respondi, mas a agência ficou de entrar em contato comigo quando aparecesse alguma coisa. Terceira pergunta: Isso é possível ou eu estou ficando maluca? As agências realmente podem fazer isso?

As 1500 palavras grátis podem ser uma jogada de marketing, mas não são norma do mercado, em absoluto. Aliás, me parece uma jogada boba, mas isso é questão de opinião. Indo mais a fundo na questão, a agência está pedindo que você trabalhe grátis para fazer o nome dela, em troca de alguma vaga promessa de serviço futuro. É comum o cliente (agência ou final) oferecer serviço em condições desfavoráveis, a troco de alguma vaga e nebulosa promessa de bons serviços futuros. Algumas dessas ofertas são sinceras, mas nenhuma delas é garantida. Quer dizer, pode dar certo, mas o risco de você fazer as 1500 palavras grátis e nunca mais ouvir falar da agência é muito grande. Muito maior que a probabilidade de alcançar o almejado fluxo constante de serviço.

Ganhar dinheiro com agência de tradução é difícil, muito mais difícil do que parece. A quantidade de gente que pensa que vai montar uma agência na segunda e ficar rica na terça é muito grande, o que revela seu vasto desconhecimento do negócio. A toda hora os tradutores mais veteranos e conhecidos do mercado recebem propostas de colaboração mirabolantes, de gente empolgada que está montando uma "agência diferente das outras".

Existem duas maneiras de montar uma agência de sucesso: a primeira é ter capital para agüentar pelo menos três anos de prejuízos. A segunda é começar exclusivamente com o seu trabalho e ir aumentando, aos pouquinhos, formando a clientela e o grupo de colaboradores lenta e cautelosamente. Fazer uma lista de 100 tradutores e botar na Internet um site cheio de firulas, coisas que se movem e tocam musiquinha é fácil; arranjar um nomezinho maneiro e impressionante, também é; fazer a agência vingar é mais complicado.

Outra coisa surpreendente é o não haver papel passado de nada. Criar um formulário de ordem de serviço para o tradutor custa pouco e ajuda muito. Um tanto de amadorismo, aqui. Amadorismo que não promete um futuro brilhante para o empreendimento.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Descontos imprevistos no pagamento do tradutor

Outra da Claudia. Esta aqui foi dura de roer. Essas histórias de tradutores podem ser classificadas em diversos tipos e pensei que conhecia todos eles. Mas esta, ou é de tipo novo, ou houve, então, um "telefone militar", aquela situação em que um passa a informação para o outro, o outro para o outro e o outro para o outro e, quando chega no fim, a mensagem, de tão distorcida, não tem mais nada que ver com o original. Vou começar transcrevendo a mensagem da Claudia, sem tirar nem pôr, como me veio por e-mail, para não agravar ainda mais o telefone.

Não faz muito tempo uma agência me procurou para fazer uma tradução. Eu ganharia R$1.870,00. Fiz a tradução e fiquei aguardando receber o combinado. No dia do pagamento a agência alegou que o valor acima sofreria dois descontos: os 18% da nota fiscal que ela havia emitido para o cliente e R$200,00 referentes à revisão da minha tradução. Resultado, sobraram R$1.130,00. Eu tentei argumentar, mas a agência insistiu que essa transação era comum entre agência e tradutor. Segunda pergunta: Isso é verdade?

Do jeito que você coloca a questão, Claudia, nunca vi. O que me parece ter acontecido é coisa diferente. Vamos primeiro à questão da nota fiscal.

A agência tem que emitir nota fiscal ou RPA para o cliente dela e você deveria ter emitido nota fiscal ou RPA para a agência – essa é a lei. A maioria dos clientes não aceita RPA, o que significa que nota fiscal é, na prática, a única possibilidade aceita. Então, você deveria ter emitido nota fiscal para a agência. Se não emitiu, a agência não pode registrar o seu pagamento como despesa, vai ter que contabilizar o que pagou a você como lucro líquido e, como tal, pagar impostos sobre o valor. Quer dizer, como não tem nota fiscal para comprovar a prestação do serviço, não tem como informar o Leão de que pagou a você. Por isso, teve que pagar mais impostos e cobrou esses impostos de você. Esse tipo de operação é ilegal, mas bastante comum. Ou seja, aparentemente, não está cobrando de você "a nota que havia emitido", mas sim os impostos que teve de pagar porque você não emitiu nota. Por isso, é muito comum as agências dizerem "pagamos X com nota ou Y sem nota". Outras agências dizem "X com nota, Y sem nota, Z com RPA", porque a tributação sobre serviço coberto por RPA é braba. A legalidade de pagar menos pelo serviço com RPA é meio esquisita. Repito: é ilegal pagar sem nota nem RPA.

Isso tudo é a minha suposição, baseada nas suas informações. Se, por outro lado, você emitiu nota fiscal, como a lei manda, é só levar à justiça (Juízo Especial Civil, ex "pequenas causas"), que você recebe os teus 18%.

O caso dos R$ 200,00 pela revisão é diferente. Toda tradução deve ser revista a expensas da agência. Não cabe ao tradutor pagar a revisão. Por outro lado, eles podem ter alegado que a tradução era de má qualidade e multado você em R$ 200,00 que, teoricamente, teriam sido repassados ao revisor, como compensação extra pela dificuldade para arrumar um serviço mal feito. Não vi o serviço, não quero ver, não estou aqui para julgar o seu serviço. A alegação às vezes é verdadeira, outras vezes é um mero pretexto para pagar menos. Alguns esquemas de dedução de honorários em razão de falhas são complicados e, outro dia, uma amiga minha caiu numa armadilha, sofrendo um bárbaro desconto em razão de uma cláusula de contrato entre a agência e ela, que ela não tinha lido direito.

A observação final do parágrafo acima é importante: a agência tinha informado a tradutora amiga minha das deduções, a minha amiga não tinha atentado para uma firulazinha de redação e se deu mal. Mas o contrato estava lá, bem escritinho, bem explicadinho, antes de a tradutora começar a trabalhar. Aí está o problema: essas coisas todas se discutem com antecedência e o acordo final deve ser por escrito.

Por fim, trabalhar "por fora" dá muito enguiço e não se pode fazer nada, porque a transação toda é ilegal. Mas isso eu já disse aqui muitas vezes.

Agora, ainda falta responder a última pergunta da Claudia. Espero que as respostas tenham sido úteis para mais alguém.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

De qualidade e prazos

Volta a Claudia, a mesma de ontem, com mais uma carrada de perguntas, que não dá para responder de uma vez só. Por hoje, vai esta:

Qual seria o prazo ideal para traduzir certo número de laudas ou caracteres? ou, qual é o tempo normal que se leva para traduzir certo número de laudas ou caracteres? (referente à minha experiência de ter traduzido 100 laudas em 48 horas - 48 horas mesmo, sem dormir).

Meus clientes e eu temos como média 4.000 palavras de original por dia. Dá para fazer mais, claro, e muitas vezes fazemos.

Às vezes, o texto tem muitas repetições e, se você estiver usando ferramentas de memória de tradução, como, aliás, todos deveriam usar, nesses casos a produção pode aumentar muito.

Outras vezes, a gente simplesmente faz um esforço maior, talvez por ter aceitado mais serviço do que deveria. Já me aconteceu, mais de uma vez, ficar 15 ou 20 horas no computador, em razão de problemas internos aqui da casa, de algum serviço que desandou ou coisa que o valha. Isso são coisas extraordinárias, de não sei quanto em não sei quanto tempo. Não é nem deve ser a norma, mesmo que você seja jovem e resistente. Se virar norma, a conta vem, mais dia menos dia, pode ter certeza.

Tem gente que adora trabalhar de noite e costuma morcegar o tempo todo. Tenho uma amiga que toma seu "café da manhã" a meio dia, ainda de pijama e estremunhada, almoça no meio da tarde e janta a não sei que horas da noite, mas costuma ligar o computador lá pelas cinco da tarde. São preferências pessoais e os profissionais independentes, como você, ela e eu, podem se dar a esses luxos.

Entretanto, 48 horas em seguida é um despropósito e, não importa a sua capacidade, a tradução não pode ter ficado boa. Quer dizer, com esse modo de trabalhar, você está cavando para si a reputação de incompetente e, evidentemente, arruinando sua saúde.

Tenho colegas que se orgulham de traduzir dez mil palavras por dia, rotineiramente, e dizem que fazem serviços de alta qualidade. Jamais vi o serviço deles e, aliás, nem quero ver. Mas ou eles são realmente geniais, ou eu sou de uma incompetência total. Mesmo fazendo as coisas que sempre faço, que já exigem muito pouca pesquisa depois de tanto tempo de prática, nunca tive condições de manter dez mil por dia como ritmo.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Ferramentas de tradução e descontos por repetições

De vez em freqüentemente, repipoca em algum lugar a discussão sobre ferramentas de tradução e descontos. Entre discursos acalorados e afirmações sem fundamento, gasta-se muito palavrório, embora poucos entendam como funciona o processo.

Vamos ver se consigo jogar alguma luz sobre o assunto.

As agências que exigem descontos por repetições normalmente pagam por palavra. Então, mandam para nós um texto de, digamos 10.000 palavras e, feitos os cálculos das repetições (que o Trados faz sozinho) afirmam que há, digamos, 3.000 repetições e que, portanto, vamos receber somente o pagamento por 7.000 palavras.

É bom ter em mente que, embora o preço seja tratado em termos de palavras, todos os programas de memória de tradução, incluindo o Trados, baseiam o cálculo das repetições segmentos, que são períodos, não palavras. Quer dizer, quando a agência diz que o Trados diz que há 3.000 palavras em repetições, o que se está dizendo é que há uns tantos períodos repetidos e que as palavras encontradas nesses períodos somam 3.000.

Quer dizer, das 10.000 palavras do texto, 650 são you, mas isso não conta como repetição. Porém, se o texto tiver 50 segmentos, quer dizer 50 períodos que digam, exatamente you are here! (por exemplo, em legendas para mapas daqueles que se usam no shopping), são 49 repetições de um segmento de 3 palavras, algo que, trocado em miúdos, significa 147 palavras. A isso, se chamam repetições internas. Uma vez que você tenha traduzido a primeira vez, as outras 49 são postas no texto automaticamente, sem interferência sua. Por isso, a agência não quer pagar.

Existem também as repetições externas, quer dizer, material que a agência já tinha na base, de traduções anteriores. Se o you are here! já tinha sido traduzido antes, então vai ser colocado automaticamente no texto que vem para você e o programa de tradução passa batido. Por isso, a agência não que pagar. Nesse caso, como já vêm os 50 traduzidos, são 150 palavras descontadas.

Existem, também, as correspondências parciais, o que se chama em inglês fuzzy match. São casos onde a memória tem this is a red book > isto é um livro vermelho e o seu texto tem this is a blue book, caso em que o programa coloca automaticamente isto é um livro vermelho e marca o vermelho de tal forma que você sabe que ali é necessário fazer uma alteração. Nesse caso, a agência exige um desconto sobre o preço total do segmento. Como o segmento tem 5 palavras e você tem que mexer em uma, geralmente te descontam 3 e pagam 2, aproximadamente.

Isso, a agência faz com a memória que tem lá. Me mandam o texto pré-traduzido, quer dizer, com tudo o que conceguiram tirar de sua memória, eu processo aqui em casa, usando, inclusive, a minha própria memória, de onde sai muita coisa interessante. Mas, pelo que eu achar na minha memória, não dou desconto algum.

É claro que a tradução pronta vai ser agregada à memória da agência. Mas a minha memória, que tem mais de 500.000 segmentos, é minha e daqui não sai. A agência recebe, exclusivamente, a pequena parcela que foi usada no serviço deles. Por outro lado, toda a tradução que eu faço, para quem quer que seja, vai intergralmente, para a minha memória.

Para entender melhor como funciona isso tudo, gosto de usar a metáfora do eletricista. Você contratou um eletricista para fazer a instalação elétrica de sua nova casa e pagou o serviço prestado. Tempos depois, agrega um puxadinho à casa e chama o eletricista de novo. Ele cobra pelo serviço de puxar fio para o puxadinho e quejandos. Mas não vai cobrar pela fiação toda da casa de novo. Quer dizer, pode até tentar, mas você não vai pagar.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Duas armadilhas

Interrompemos nossas transmissões para comentar uma mensagem da Claudia, colega nossa que levou uma bronca da agência.

Fiz uma tradução técnica cuja introdução tinha falhas de pontuação o que deixava o texto bastante confuso. Tive menos de 48 horas para traduzir 100 páginas. Ou seja, não houve tempo para ler o documento primeiro (como costumo fazer). Comuniquei à empresa de traduções intermediadora e expus o problema. Fui orientada a fazer a tradução de qualquer jeito para não perder o cliente. Não modifiquei o texto por receio de interferir no seu significado (já que eu não estava entendendo muita coisa). Resultado: o cliente reclamou que a minha tradução estava confusa e que era minha obrigação, como tradutora, reestruturar o texto traduzido. Quais são os limites do tradutor? Se o texto técnico está confuso, o tradutor tem a obrigação de modificar totalmente o original? Até que ponto o tradutor pode interferir em um texto técnico originalmente mal elaborado?

Claudia, não importa o que o cliente diga, chore, prometa de joelhos, jure, garanta, arranque os cabelos, mais dia menos dia você vai ser responsabilizada pela qualidade da tradução. No seu caso, temos dois problemas separados e, por isso, vamos tratar deles separadamente.


Primeiro, o prazo. Não sei o que você quer dizer com "100 páginas". Páginas, há de todo tamanho. Mas, de qualquer maneira, parece uma barbaridade para 48 horas. Se for metade do que eu penso, eu teria recusado. Não é possível fazer coisa que preste em tão pouco tempo. E a agência que hoje diz "não faz mal, faz de qualquer jeito, não podemos deixar de atender esse cliente" é aquele mesma que, amanhã, te repreende porque o cliente não gostou da tradução.

Mas isso, se você não sabia, aprendeu agora.

Segundo, a qualidade do texto. Se o texto está mal escrito, mesmo que você tivesse tido tempo, provavelmente não conseguiria arrumar, por não ter conhecimentos técnicos da área. Você é tradutora e, portanto, traduz. Os americanos têm uma frase, garbage in, garbage out, que se traduz por se o que entra é lixo, o que sai também é lixo. É muito comum o cliente querer de nós o serviço de um especialista na área, que iria levar dois meses para fazer o serviço e cobrar muito mais do que nós. Há tempos, me mandaram um pacote de contratos para traduzir de acordo com a lei brasileira, um belo subterfúgio para conseguir consultoria jurídica a preço de tradução, porque esse tipo de acerto é coisa de advogado, não de tradutor. E, se tentasse arrumar, poderia fazer alguma besteira.


Como você discutiu essas coisas com a agência? Se foi por telefone, babau. Essas coisas a gente faz por escrito e, mesmo assim, é complicado e arriscado.


Quer dizer, você não caiu em uma armadilha, caiu em duas. Também eu já cai nas duas, só que separadamente. Agora, não adianta reclamar. É lamber as feridas e aprender a dizer "não", uma palavra tão útil que os tradutores têm tanto medo de dizer.

domingo, 4 de novembro de 2007

Tradução fácil

Tradução _______ é fácil: é só __________.

Preencha os espaços em branco com o que quiser: o resultado vai sempre ser uma frase idiota. Não existe tradução fácil. Existe tradução cujas dificuldades você não notou – e é aí que mora o perigo. Porque notar as dificuldades de traduzir um texto é o primeiro passo para uma boa tradução.


A realização mais comum da frase acima e tradução técnica é fácil, é só uma questão de vocabulário. Esse tipo de afirmação é mais comum entre os tradutores literários, gente que entende tanto de tradução técnica quanto os monges das comunidades de Monte Athos, na Grécia, entendem de orgasmo feminino.

Deviam limitar-se a falar do que conhecem. Os tradutores, quer dizer. Porque os monges do Monte Athos não se metem a falar do que desconhecem, o que já é muito.

Quando questionados esses tradutores, respondem com uma enxurrada de dificuldades encontradas na tradução literária. Sim, certamente, não duvido de nenhuma delas. Não acho tradução literária fácil. Se achasse, já teria mudado de área faz tempo. O ponto é que fazer uma relação das dificuldades de uma área e ignorar as dificuldades de outra – e nem mesmo tentar saber quais são – não é, digamos, um posicionamento intelectual muito sólido.


Outro lado curioso desse tipo de assertiva é o juntar tudo o que não é tradução literária de cambulhada como "técnica" e achar que tradução de engenharia, medicina, direito, publicidade, é tudo a mesma porcaria: pega um glossário e vai em frente. Como se cada uma dessas áreas não trouxesse problemas distintos para o tradutor.

Para dar um toque brincalhão a um artigo rabugento, vou contar uma historinha, já antiga. Estava lá um tradutor de poesia, rejubilando-se no rutilante brilho de sua magnificência, e comentou que precisava às vezes de semanas para dar conta de um soneto, pela dificuldade da tarefa e raramente ficava satisfeito com o resultado. Tive um ataque de espírito de porco e respondi que era sorte dele, porque eu tinha de dar conta de 4.000 palavras por dia e sempre deixar o cliente satisfeito.


Ainda volto ao assunto, mas, por hoje é só. Finalmente, estou conseguindo recolocar o blog nos trilhos.

sábado, 3 de novembro de 2007

Recomendação de iniciantes, necessitados e desconhecidos

O Titivilo (se você não sabe quem é, leia o artigo abaixo) ainda anda muito ativo. Mas vou tentar impedir que a peteca caia. Se eu der uma paradinha no blog, recomeçar fica cada dia mais difícil.

O cliente pede um serviço, você não pode fazer. O cliente pede para você recomendar um colega. O que você faz? Não, não responda, ainda. Deixa fazer uma outra pergunta: se você pedisse a um conhecido a recomendação de um profissional para um determinado serviço, por exemplo, um médico para cuidar de alguma doença, quem você gostaria que seu conhecido recomendasse? Um médico que ele já conhecesse e que tivesse curado um parente dele do mesmo mal, ou um médico que, coitado, estivesse precisando de clientes?


Pois é, com tradução é a mesma coisa: a gente recomenda quem conhece e quem sabe que é bom. Faz isso não de maldade, preconceito contra o iniciante. Faz porque, perante o cliente, somos responsáveis pela pessoa recomendada. E se essa pessoa for incompetente ou irresponsável, quem paga somos nós. Mais de uma vez disse aqui e alhures que nem todo principiante é incompetente, nem todo o veterano é competente e responsável. Conheço veteranos que não recomendaria nem ao pior dos meus inimigos. Mas o fato é que não tenho como recomendar um desconhecido, principiante ou não.


É esse o problema que dá origem ao que a turma chama "as máfias" ou "as panelinhas". O cliente confia em mim, eu confio no Fulano. O cliente me pede uma indicação, eu indico o Fulano – ou, mais freqüentemente, a Fulana, já que esta é uma profissão de maioria feminina.


E como fica a Beltrana, iniciante desconhecida? A resposta fica para amanhã, se o Titivilo deixar.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Mas, será o Titivilo!

Você conhece o Titivilo?

Titivilo, em latim "Titivillus" é um demônio especializado em atormentar os que escrevem. Faz a gente cometer erros malucos, saltar palavras, essas coisas. Na idade média, deixava loucos os monges copistas, coitados. Agora, acho que também pega no nosso pé, com falsos cognatos, leituras erradas de textos bobocas, erros de grafia que o revisor ortográfico deixa passar, coisas assim. Afinal, nós também escrevemos. O Titivilo andou meio que a solta aqui no meu pedaço ontem e hoje, mas acho que já exorcizei.

Se você não conhecia o cavalheiro, é só dar uma olhada aqui.

Amanhã, quem sabe sem o Titivilo na minha cacunda, posso escrever mais.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Profissionalismo

É sabido e consabido que muito serviço rola de tradutor para tradutor. Quer dizer, um cliente pede a Alfa um serviço que Alfa não pode fazer, Alfa muitas vezes aceita o serviço e repassa a Beta (talvez com dedução de uma comissão), ou simplesmente indica o nome de Beta para o serviço. Quer dizer, Beta pegou o serviço porque é pessoa conhecida de Alfa.

Então, uma boa maneira de se conseguir serviço é se tornar conhecido de outras pessoas na profissão. Participar de listas, comunidades do Orkut, essas coisas. Apresentar-se, ficar alerta para as discussões, participar das discussões, ler as discussões, aprender com elas. Até perguntar ajuda, se você fizer perguntas inteligentes, mesmo que de principiante. Mas há algumas coisas que pegam mal, muito mal.

A primeira são mensagens mal escritas. Todos nós erramos e eu estou entre os que mais erram. Mas a turma percebe a diferença entre deslize e desatenção, relaxo, ignorância. Se você escrever com um esse só uma palavra que tem dois, tudo bem. Mas se escrever "exceção" com quatro esses, danou tudo. Também internetês pega mal, muito mal. Você pode achar que é frescura, mas é assim que funciona.

Pega mal tratar os outros como seus empregados. Outro dia, tinha uma mensagem assim Preciso saber como se diz "X" em inglês. Respostas para minha caixa posta, por favor, estou em no-mail na lista por falta de tempo. Ou seja, quem escreveu não tem tempo de ler as minhas dúvidas, mas acha que eu tenho tempo para resolver as suas. Também pega mal o quem tiver trabalho sobrando, mande para mim, faço tradução e revisão. Até parece que, se eu tiver trabalho sobrando, vou mandar para uma pessoa de quem nunca ouvi falar antes. Pega mais mal ainda a choradeira: gente, estou sem serviço, precisando de dinheiro, tenho dois filhos para sustentar, alguém me arranja alguma coisa?

Ou você oferece serviços profissionais ou pede esmola, a escolha é sua, para mim tanto faz. Mas não espere tratamento de profissional se tem conduta de mendicante.

Também é importante ver como funciona o grupo antes de participar. Ingresse, leia algumas mensagens, veja qual é o tom geral da conversa e depois se manifeste. Não tente entrar a la Capitão Rodrigo, chego e me espalho, nos pequenos dou de relho, nos grandes dou de talho. É irritante ler uma mensagem que diz acabo de ingressar neste grupo e devo dizer que discordo… seguido de algumas críticas azedas ao modo como o grupo funciona. Chegar assim, de bacana, dando ordens e reclamando, antagoniza todos. Vai com calma. Se tem algo a reclamar, primeiro entenda bem como a coisa funciona, para não dizer muita besteira junta. Espere, ao menos um par de dias e leia muitas mensagens. Não conte muita vantagem, tampouco. No grupo pode haver gente que saiba mais do que você.

Finalmente, leia e respeite as normas do grupo. Você tem que jogar de acordo com as regras do jogo. Quer dizer, se você entra num jogo de futebol, não pode carregar a bola com a mão, porque, se carregar, o juiz apita. E, antes de responder a uma oferta de serviço, leia a mensagem atentamente, mas atentamente de fato. Se a mensagem diz "envie CV para fulanodetal@gmail.com", é para esse endereço que você deve mandar o seu CV. Não vá clicando em "responder" e anexando CV. Primeiro, que as listas de tradutores do Yahoogroups não aceitam anexos. Segundo que você vai perder o serviço. Quem vai dar serviço para uma pessoa que nem se dá ao trabalho de ler as instruções de uma simples mensagem? Ou que leu e não tem competência para agir de acordo com o solicitado?

(Este é o artigo "de ontem", que não pode ser postado por motivos esquisitos. O "de hoje" vai daqui a pouco).