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terça-feira, 24 de abril de 2007

Mona Baker, a ABRATES e eu

Mona Baker é conhecidíssima por suas valiosas contribuições à tradução e, por isso, a ABRATES a convidou para fazer uma apresentação no II Congresso Internacional de Tradução. Poderia ser um motivo de grande e total satisfação para a comunidade ter entre nós alguém cujo trabalho todos nós respeitamos. Entretanto, o convite gerou grandes protestos e eu, particularmente, fiquei muito entristecido com a escolha. Por quê?

Vamos, primeiro, aos fatos, como narrados pela própria Mona Baker, aqui. Para quem não sabe inglês, ou está sem tempo de ler, Mona Baker, em razão a atual situação política que envolve o Estado de Israel e as populações palestinas que residem no seu território, pediu a dois professores israelenses que se demitissem dos cargos que ocupavam na sua editora. Negaram-se a pedir demissão, foram demitidos. Foram demitidos não por suas idéias políticas, que jamais são mencionadas, porém por serem israelenses. Também ela tomou a decisão de boicotar todos os israelenses, independentemente de suas convicções políticas. Até aqui, acho que a própria Mona Baker concordaria com o que eu disse. Pelo menos, no que li com a assinatura dela, nada há que contradiga o que aqui está escrito.

Agora, vamos aos meus comentários. Você pode concordar comigo ou não, esse é seu direito. Mas eu considero meu dever apresentar aqui a minha opinião.

O primeiro ponto é que cabe a ela demitir de sua editora quem quer que ela ache que deve demitir e, evidentemente, cabe aos demitidos o direito de reclamar e a mim o direito de achar que é um absurdo demitir um intelectual exclusivamente pela cor do seu passaporte e boicotar um povo inteiro por razões políticas.

Na longa discussão que se criou na trad-prt, uma colega afirmou que boicotes eram comuns, como mostra o boicote dos EUA contra Cuba. Comuns, sim, mas isso não os torna aceitáveis. O boicote a Cuba, que, além de injusto, é inútil, já que Fidel Castro está lá e não é o tal do boicote que o vai derrubar.

O que estou fazendo eu contra o boicote dos EUA a Cuba? Nada. Mas, se a ABRATES convidasse George W. Bush para falar num Congresso, eu ia dar um estrilo federal, porque me pareceria que isto seria dar apoio ao homem e suas iniciativas. Aliás, se convidasse Fidel Casto, o estrilo seria igual.

Outros colegas alegaram que está sendo convidada a professora Mona Baker, não a ativista política e que não podemos confundir o ativismo político dela, que faz parte de sua vida particular, com sua vida acadêmica, que é pública. Concordo plenamente. Por isso, sempre achei que o mulherenguismo de certos políticos era problema deles e de suas esposas, não um problema político. Mas acontece que Mona Baker fez de seu poderio acadêmico uma arma política ao demitir os dois professores israelenses. Quer dizer, é como acontece quando o político nomeia sua amante para um cargo público. Aí, creio eu, a questão deixa de ser particular para tornar-se pública. E quem tornou a questão pública foi Mona Baker, não eu.

Agregam outros colegas, ela foi convidada para falar sobre tradução, não sobre ativismo político. Mas vejam os assuntos: "Conflito no cenário global: o local narrativo de tradutores e intérpretes" e "Intervenção em conflitos globais: comunidades de tradutores e intérpretes ativistas". Preciso dizer mais alguma coisa? Aliás, demitindo os intelectuais israelenses, a meu ver, Mona Baker perdeu todo o direito de falar academicamente sobre conflitos e como intervir neles. Em vez de melhorar a terrível situação da região, está meramente jogando mais lenha na fogueira.
Prefiro a abordagem de Edward Said e Daniel Barenboim. Os dois são doidos por música, o primeiro é escritor, o segundo é maestro. Said, lamentavelmente já falecido, era palestino, Barenboim é judeu. Formaram uma orquestra sinfônica a West-East Divan Orchestra, com músicos israelenses e palestinos. Esses, sim, estão fazendo alguma coisa pela paz e podem nos ensinar muito. Pena que não sejam tradutores.

Alguns outros colegas acham que estamos prejulgando Mona Baker. Que é perfeitamente possível que ela faça uma palestra totalmente isenta e equilibrada, sem se deixar influenciar por suas idéias políticas. É possível, claro, mas muito pouco provável. Tão pouco provável como esperar de Bush uma palestra isenta sobre Cuba, ou de Fidel Castro apresente uma palestra isenta sobre os Estados Unidos. É mais ou menos como ver um carro vindo na minha direção, ficar quieto e dizer "não devemos prejulgar, o motorista pode perfeitamente decidir se desviar de mim".

Se você teve a paciência de ler até aqui, já sabe quanto eu lamento a atitude da ABRATES. Tanta gente boa para convidar e foram convidar logo Mona Baker. Não iria ao Congresso de modo algum, por motivos particulares que não vou discutir aqui. Mas, se fosse, acharia muito constrangedor dar meu dinheiro para ajudar a pagar uma visita de Mona Baker ao Brasil. Preferia comprar entradas para um concerto da West-East Divan Orchestra. Acho que eles têm muito mais a me ensinar sobre como agir em situações em conflito do que Mona Baker.

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