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domingo, 4 de outubro de 2009

Pão, Pão, Queijo, Queijo.

Deixa contar um causo, antes que esqueça de novo e fique para sempre sepultado pela poeira dos tempos. Assim, dou um intervalo na história sobre a interpretação.

Num evento para tradutores, encontrei uma colega famosa. Lá pelas tantas, me puxou para um canto e fez uma confissão: embora só fizesse tradução literária — frisou —, tinha aceitado um texto sobre finanças que, coincidentemente, é minha área. Estava comendo o pão que o diabo tinha amassado e precisava da minha ajuda. Queria um glossário, um glossário porreta, dos bons que — dizia ela — eu certamente teria, por ser especialista veterano. Gesticulava, alternando as mãos, como que para indicar original e tradução: "Sabe, um glossário assim: pão, pão; queijo, queijo; carne, carne; peixe, peixe. Assim, eu não preciso me importar em entender aquilo tudo."

Desprezava o trabalho, porque achava tradução literária a única atividade digna dela. Deve ter feito uma tradução péssima: quando o tradutor despreza o original, sua tradução sai desprezível.

Lembrei desse causo na SBS, sexta-feira. No meio de uma discussão sobre tradução de balanços, falamos em Polissemia e Ambiguidade, duas irmãs que nos atormentam. Poderíamos ter agregado à conversa outros tormentos do tradutor, como a obscuridade ou o uso de termos em sentidos geralmente considerados impróprios ou mesmo errados, os jogos de palavras, mil coisas. Mas paramos por ali mesmo, porque tínhamos um balanço a traduzir, como temos um causo a contar agora.

Então, voltando ao causo, explicar a uma tradutora literária que não existe glossário "bala de prata", que tradução técnica é também cheia dos meandros, truquinhos e coisinhas, que cada termo do original costuma ter várias opções de tradução e que a escolha é regida pelo contexto e mil outros fatores, da mesma forma que na literária, era tarefa impossível.

Apresentei fatos e exemplos, mas não progredi muito na minha demonstração. Fui, de certa forma, salvo pelo gongo, porque um dos admiradores dela interrompeu a conversa para saudá-la e eu aproveitei para dar o assunto por encerrado. Ela deve ter achado que eu estava com má vontade e espero que tenha esquecido o incidente ou, ao menos, me perdoado pelo crime que não cometi.

Na verdade, provar o que eu queria, independentemente dos fatos que pudesse juntar, era impossível. Dizem que contra fatos não há argumentos. Pois digo eu que contra convicções não há fatos e nossa amiga estava absolutamente convicta que tradução técnica era só uma questão de "pão, pão; queijo, queijo".

De certa forma, tenho pena dela.

2 comentários:

denise bottmann disse...

quaquá. verdade. como dizia meu pai, a arrogância é filha da ignorância.

Anônimo disse...

Eu também tenho pena dela, Danilo. Já traduzi textos técnicos propositalmente ambíguos - um horror. O mais hermético dos romancistas não pode ser mais complicado do que isso. Pão, pão, queijo, queijo? Quando encontro faço festa.

Abraços,

Marion