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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Traduzir Shakespeare e Zé da Ilha.

Nosso colega e meu particular amigo Emilio Pacheco postou esta mensagem na comunidade Tradutores e Intérpretes BR no Orkut.

Fiquei feliz porque estou traduzindo um texto interessante e bem escrito, como há tempos não aparecia. É um texto elegante, em linguagem formal, mas claro e fácil. Aliás, acho que o melhor teste para saber se um texto é bem escrito é tentar traduzi-lo. O texto bem escrito, por mais erudito e complexo que seja, é sempre fácil de traduzir. Já o texto "pseudo" bem escrito é como aquele pedaço de carne que, numa primeira olhada, parece macio. Mas basta cortá-lo ou tentar digeri-lo para ver que está cheio de nervos. Tem muita gente por aí achando que escrever bem é tentar enrolar. E aí a gente sofre para mastigar os "nervos" da redação.

Comentar a mensagem, de tão clara que é, pode ser desnecessário, mas é difícil resistir, porque ainda existe tanta gente acreditando que a dificuldade de traduzir um texto é diretamente proporcional a seu valor artístico. É nada! Traduzir alta literatura é difícil, porque os caras escrevem bem demais: é metáfora de cá, conotação de lá, jogo de palavras mais adiante, um inferno. Por outro lado, traduzir texto mal escrito é outro inferno, porque os caras não conseguem escrever coisa com coisa. Outro inferno. Quer dizer, um inferno diferente, mas não menos infernal.

Existem duas abordagens básicas à tradução dos textos mal escritos. A primeira é gastar um tempão para tentar descobrir o que o autor teria dito se não fosse um analfabesta e tentar produzir um texto que não envergonhe - correndo o risco de interpretar mal alguma coisa e ficar com fama de tradutor picareta. A segunda é procurar traduzir com casca e tudo, o que nem sempre é fácil, porque reproduzir os erros em língua estrangeira é difícil - correndo o risco de ficar com fama de tradutor picareta.

Outro dia, a Kelli teve que encarar um texto que, ao que tudo indica, era uma tradução automática do chinês. Pelo pouco que sei, parece que a máquina que traduziu estava bem desregulada e quase que a Kelli desregula de uma vez por causa disso. Muitos de nossos teóricos e acadêmicos se recusam a analisar esse tipo de dificuldade, porque o conteúdo do texto carecia de qualidade artística, o que demonstra o grau de nefelibatismo vigente neste nosso mundo tradutório.

Mas, para não prolongar a conversa até o dia do juízo final, traduzir Shakespeare é difícil porque ele escreve tão bem e traduzir Zé da Ilha é difícil porque ele escreve tão mal. Sorte do Emilio que pegou um texto redondinho para traduzir.

Um comentário:

Rosita Belinky disse...

Caiu como uma luva este post.
Outro dia eu estava traduzindo um texto em inglês, escrito por um italiano.
Primeiro morri de rir, li alto com sotaque e fiz todos ao meu redor rirem também.
Mas... quando realmente comecei o trabalho... ai meus Sais!
O pior de tudo é que fiquei com a impressão de que o redator nem sequer sabia escrever em italiano.
Ou tinha tamanha desorganização cerebral que nem conseguia concatenar pensamentos com palavras!
Realmente é um mato sem cachorro - arrumar o texto e deixar o analfabeto bem na fita ou traduzir ipsis literis e ficar 'nóis' mal na fita.