Há duas entidades de classe para os tradutores: SINTRA e ABRATES. Ambas são alvo das mesmas críticas, as quais discuto abaixo.
São entidades puramente cariocas
O fato de que ambas têm sede no Rio de Janeiro tem motivos históricos e não me incomoda em nada. Em algum lugar têm de ter sede, pode ser no Rio ou em Boca do Acre. Já que estão no Rio, que no Rio fiquem. O fato de que a estrutura de ambas as entidades é tal que torna impossível a participação de tradutores dos outros estados pari passu com quem mora no Rio, me incomoda muito e já levantei o problema várias vezes.
Não me parece que alguma diretoria de qualquer das entidades tenha se preocupado com a questão. Todas quererem organizar uma "seção" ou "delegacia" paulista forte, mas nenhuma quer segregar os assuntos nacionais dos ligados especificamente ao Rio de Janeiro.
Quer dizer, a solução começa com a separação entre a "nacional" e a "carioca". Parece o famoso "departamento feminino" que há, ou havia, em alguns clubes e grêmios. Conta-se que um dia convidaram uma mulher consciente de sua igualdade com os homens para que dirigisse o "departamento feminino" de uma agremiação e ela respondeu que, antes de aceitar a honra, queria saber quem ia cuidar do departamento masculino. Nem SP nem nenhum outro lugar deve aceitar ser o "Departamento Feminino" das nossas agremiações. Quer dizer, sou frontalmente contrário à criação de uma "delegacia paulista" ou "seção paulista" enquanto não for criada a "delegacia carioca". Ou o Rio de Janeiro não é um estado? E tem que haver um modo de fazer com que quem mora fora do Rio possa participar ativamente das discussões e decisões. Ou será que alguém espera que todos compareçamos às reuniões no Rio de Janeiro?
Enquanto viger a situação atual, ou você está no Rio, ou é sócio de segunda classe. O statu quo parece convir.
Não fazem nada pela classe
Fazer, fazem, mas pouco, muito pouco, quase nada. Não fazem mais porque não têm recursos. A ATA faz mais porque tem mais recursos. Americanos são "born joiners": entram para a sociedade, pagam, comparecem à assembléia, montam chapa, elegem diretores, pagam anuidade, fazem a entidade crescer e partem para a briga. No Brasil, a turma quer que primeiro a entidade faça alguma coisa para depois se associar, paga a anuidade com atraso, não vai à assembléia, se nega a participar de chapa e depois fica reclamando que "eles não fazem nada". Não existem "eles", existimos "nós".
A turma parece crer que entidade profissional é como convênio de assistência médica. No convênio, um grupo de capitalistas junta recursos para oferecer serviços a um público pagante, na expectativa de que a receita exceda a despesa e os donos possam auferir lucro. Na entidade profissional, os profissionais se juntam e juntam seus recursos para criar uma associação que os represente e defenda.
Quando acontece algo errado, a turma reclama "e o que faz o SINTRA?". Nada. O SINTRA, não faz praticamente nada e a ABRATES faz, mas pouco e devagar. Não tem poder de resposta rápida. Mal-e-mal as entidades conseguem se manter vivas e ainda por muito favor.
Uma associação profissional é como o que os americanos chamam "bucket brigade", aquela turma que fazia uma fila para ir passando balde de água de mão em mão e apagar um incêndio. Todo mundo comparece e dá uma mãozinha. Ficar de fora e reclamar que a "bucket brigade" não funciona, pega mal.
São entidades fechadas em si próprias
Acho absolutamente ridículo o fato de que nenhuma das duas entidades faz das listas de tradutores em o Orkut um veículo de comunicação com a classe. Participo de pelo menos cinco listas brasileiras de tradutores (isto se não participar de mais) e ainda de um grupo de tradutores ativíssimo no Orkut. Rolam conversas importantes, discussões interessantes mas não aparece nenhuma das duas entidades para participar nem para dizer "juntem-se a nós". Quer dizer, as entidades se fecham em si mesmas, só se comunicam com a categoria para se defender e para reclamar que ninguém colabora. Não há uma, uma só, uma única iniciativa organizada de comunicação com a categoria. É de se perguntar se realmente querem ampliar a representatividade da entidade ou preferem manter o stato quo, embora publicamente lamentem a pouquidão dos associados.
Aliás, também não há uma lista de discussão de assuntos profissionais patrocinada por uma ou ambas as entidades. O isolamento é total. Saem boletins esporádicos, vez que outra uma mensagem eletrônica circular, convocando para uma assembléia. Mas nenhum, nenhum mesmo, esforço de comunicação com a classe, exceto os dois congressos da ABRATES.
Os congressos
A iniciativa de maior impacto das entidades foram os congressos da ABRATES. O primeiro foi um sucesso; o segundo foi muito criticado. O fato é que, bem ou mal, fizeram. Antes pouco que nada. Espero que alguém, que tenha talento organizador, promova o terceiro.
Participar ou não?
Sou associado de ambas as entidades. Quem me convenceu foi o Paulo Wengorski. Convenceu-me de que não me assistia o direito de reclamar sem participar. A ABRATES me fez três pedidos: um artigo e duas participações em congressos. Atendi os três. Quando começou a história do credenciamento, participei dos prolegômenos, mas me afastei porque achei que iria surgir um conflito de interesses, dado o fato de que, na época, eu era ativíssimo como instrutor na Via Rápida. Não me arrependo. Não ia faltar quem alegasse que estava participando da equipe em proveito próprio. O SINTRA não me pediu nada nem tinha razão para pedir. Se pedisse, teria procurado ajudar, dentro de minhas limitações.
Gostaria de participar das discussões e assembléias das duas, mas não tenho condições de ir ao Rio de Janeiro para isso. Só poderia participar via Internet.
Participar da diretoria ia ser mais difícil ainda, dado que sou mau administrador nem moro no Rio. Minha colaboração há de limitar-se ao que eu sei fazer, para não fazer besteira. Cada um tem sus limitações e problemas, mas me parece extraordinário que a esmagadora maioria de nós não possa contribuir com nada, nada, absolutamente nada para com a profissão, salvo reclamar que "ninguém faz nada".
domingo, 5 de novembro de 2006
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3 comentários:
Muito interessante. Sou tradutor formado na UnB e desde então procuro saber de associações ou sindicatos de classe, mas nunca achei um que demonstrasse um esforço mais encompassador.
Queria falar com o senhor (não estranhe minha formalidade, estudei seus artigos nas minhas aulas e tenho profunda admiração pelo seu trabalho) sobre a questão de credenciamento, a que se refere no fim do post. Creio que seria benéfico, não acha? Quer dizer, já há esse tipo de formalidade em outros países. Para fazer a prova e ser credenciado não deveria ser obrigatório nível superior na área, portanto quem se garante na profissão mesmo sem diploma não teria o que temer. E de quebra, poder-se-ia tirar do mercado pessoas que não conhecem os ossos do ofício e que não respeitam sua seriedade.
Prezado Danilo,
Genial o seu blog! Vai mudar a história da Tradução no Brasil. Está de parabéns e tem a minha admiração.
Bom o artigo sobre as associações. Mas não caberia também uma palavrinha sobre as associações de intérpretes (onde a confusão é ainda maior)? Mera sugestão.
Abraços e votos de muito sucesso.
Danilo,
Aproveitando este espaço... eu há muito queria comentar um artigo seu sobre a saia justa do Presidente Lula e o comportamento de seu intérprete, na ocasião, alterando (amenizando) um pouco o discurso para evitar constrangimentos. É um artigo escrito há bastante tempo e, como sempre, muito bom. Mas eu queria desfazer o que considero um equívoco (desculpe se outros colegas já lhe escreveram sobre isso).
No caso dos chefes de estado, o intérprete não é apenas um lingüísta. É um assessor. No cartão do intérprete da Presidência, a propósito, consta o cargo "Assessor Especial", e não "intérprete". Assim, fazendo as vezes de intérprete, é sua função dizer não apenas o que o Presidente disse, mas o que "queria dizer". O intérprete/assessor é, na verdade, um porta-voz, alguém encarregado exatamente de fazer chegar à contraparte a mensagem pretendida, no tom e na intensidade "pretendida". Se para isso for necessário corrigir algum deslize ou excesso cometido num "improviso", por exemplo, então que seja assim. É parte de suas atribuições. É sua obrigação.
No episódio africano, agiu muito bem o intérprete do Presidente. Aliás, teve muita presença de espírito, dando ao próprio presidente a chance de reformular seu discurso. O intérprete de um chefe de Estado é uma função de confiança, em cujo desempenho a lealdade tem precedência sobre a fidelidade, embora esta continue sendo igualmente importante. É por isso que cada chefe de estado se faz acompanhar de seu próprio intérprete. Quer ter certeza de que o que disse chegará do outro lado exatamente como ele queria dizer.
Ficam aí os meus 'dois cents'. Peço que não me entenda mal ou pense que o estou 'corrigindo'. Também não se trata de um comentário para 'publicação' no blog. Quis apenas aproveitar esse espaço ara lhe oferecer a perspectiva de alguém que também é intérprete.
Se quiser comentar ou conversar mais sobre isso, estou às suas ordens: ewandro@gmail.com.
Abraços e parabéns novamente pela iniciativa do blog.
Ewandro Magalhães Jr.
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