Antes da palestra que ia fazer para os alunos de uma faculdade, estava fazendo conversa social com os professores. Uma me contou, orgulhosa, que estava fazendo mestrado ou doutorado, não me lembro, em literatura, e seu tema era um determinado autor brasileiro. No seu entusiasmo pelo assunto, contou que inclusive tinha encarregado seus alunos de traduzir alguns trechos desse autor para o inglês, como trabalho do semestre.
Acho que ocultei bem minha surpresa perante a absoluta inutilidade de fazer alunos de bacharelado em tradução numa faculdade brasileira traduzirem literatura brasileira para o inglês. A chance de algum tradutor brasileiro ser convocado para uma tarefa dessas é próxima de zero. A pouca literatura brasileira que se traduz para línguas estrangeiras é sempre traduzida por falantes nativos da língua de chegada. Essas traduções são sempre publicadas por editoras estrangeiras e, no exterior, tem-se como norma que cada um traduz exclusivamente para a sua própria língua. Conheço raríssimas exceções a essa regra.
Tradução técnica, comercial e jurídica para o inglês, faz-se muito, aqui no Brasil mesmo, por falta de falantes nativos que se encarreguem do serviço, mas isso não parecia importante para os professores. A literatura, para eles, era a mais elevada manifestação do espírito humano e, portanto, era dela que a faculdade tinha de se ocupar.
A tradução literária para uma língua estrangeira num estabelecimento de ensino brasileiro somente vale se for feita como exercício para procurar construir uma sintaxe contrastiva, a ser usada para melhor traduzir do inglês para o português. Mas não era isso o que estava acontecendo. Os alunos estavam sendo conduzidos a imaginar que algum dia eles iriam estar alegremente traduzindo os clássicos da nossa literatura para o inglês. Durante a palestra, confirmei minha suspeita de que o inglês da turma deixava a desejar, o que tornava o exercício ainda mais inútil: tanta coisa a aprender, e eles ficavam lutando com o estilo complicado de um autor regionalista, com seus dialetalismos todos.
Mas, antes de começar a palestra, perguntei se havia algum treinamento em uso de programas de memória de tradução, que, afinal de contas, são ferramentas cada vez mais essenciais para os tradutores. Olharam-me como se eu tivesse dito algo de impróprio e deixaram claro que, para eles, essas coisas eram irrelevantes, de certo modo indignas de um estabelecimento de ensino superior dos sérios, como aquele. Se não fossem tão educados e formais, teriam me mandado lavar a boca.
Podia ser pior: em outra faculdade, na mesma época, usavam PowerTranslator e diziam que era ferramenta de memória de tradução.
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